A constituição do efeito estético através do narrador : aspectos de credibilidade em Cartucho, de Nellie Campobello

Abstract

Esta tese tem como objetivo analisar a constituição do efeito de credibilidade no livro Cartucho: relatos de la lucha en el Norte de México (1931), da escritora Nellie Campobello. A discussão teórica é feita em torno dos princípios da Epistemologia do Romance (ER) e de noções já desenvolvidas nesse campo, como jogo e intencionalidade, essenciais para estabelecer o status de efeito da credibilidade no corpus da tese. Evocamos e desenvolvemos, na primeira parte, noções assentadas sobre os estudos de Johan Huizinga (2000), Hans-Georg Gadamer (2008), Wolfgang Iser (1996, 1999, 2013), com a intenção de discutir os seguintes aspectos: a noção de jogo no âmbito literário; a intencionalidade, que marca a racionalidade presente no objeto de arte, responsável pela configuração das estratégias narrativas que produziram o efeito estético; e a credibilidade, enquanto noção que articula literário e extraliterário na configuração dos demais efeitos estéticos. Na segunda parte, buscamos traçar um gesto epistemológico a partir da construção de uma hipótese ontológica, noção trazida por Milan Kundera (2016) em sua reflexão sobre o romance. Ao analisarmos o ambiente social, político e cultural que serve como base para a obra, bem como a posição da autora quanto aos acontecimentos da época e dilemas das narrativas de guerra, chegamos à seguinte hipótese ontológica: O esquecimento do sujeito como degradação não apenas do ser humano (enquanto pessoa esquecida) no contexto de violência da Revolução, mas de toda uma atividade coletiva pautada na ação desse sujeito e de suas consequências sociais. Estabelecida essa identificação, a pesquisa permitiu a construção de uma conjectura que sugere como principal elemento para a criação do efeito de credibilidade e dos demais efeitos – criados para corroborar a hipótese ontológica -, a narradora com uma perspectiva infantil e a estilização da voz da criança-testemunha. Desse modo, na terceira parte do livro, partimos da ideia de imaginário social, de Bronislaw Baczko (1999), para observar como a escritora utilizou o imaginário infantil da época para, através da composição antitética entre os elementos desse imaginário e o ambiente abjeto da guerra, criar o efeito de choque e a possível desconstrução dos discursos oficiais, que higienizam a história ao organizá-la didaticamente para criar o sentimento de união nacional. Além disso, analisamos a focalização como desenvolvida por Mieke Bal (2007, 2017) para dar conta da especificidade da narradora de Cartucho e da produção de efeitos decorrente do tipo de focalização escolhida para a narradora. Por fim, desdobramos as escolhas para a criação da credibilidade do livro estudado que, colocado no mundo, compete com as narrativas das autoridades através do testemunho, da memória e da voz estetizada da criança, instituindo o jogo de credibilidade e a manipulação do efeito estético.