Oportunidades para a conservação da vegetação do Cerrado em pastagens cultivadas

Abstract

O bioma Cerrado abrange cerca de 24% do território brasileiro e é considerado a savana mais biodiversa do mundo. No entanto, aproximadamente 44% da cobertura do Cerrado já foram convertidas em áreas para uso do solo, das quais 30% correspondem a pastagens cultivadas em diferentes níveis de produtividade. Atualmente, uma grande proporção das pastagens cultivadas no Cerrado, em contextos regionais específicos, se encontra em algum estágio de degradação ou improdutividade. Diante da necessidade de conservação da biodiversidade do Cerrado, se torna urgente identificar oportunidades que conciliem a integração da vegetação nativa com a intensificação sustentável, ou que possibilitem a restauração ecológica nas pastagens de baixa produtividade e em estágio de degradação. Esse estudo propôs identificar oportunidades para a conservação da vegetação nativa do Cerrado em pastagens consideradas ativas, que ainda estão sob manejo do pecuarista, e pastagens inativas, sem a presença do manejo e em estado de abandono. No Capítulo 1 objetivou-se identificar a presença de árvores remanescentes em pastagens ativas no Cerrado e verificar a relação entre o manejo e a idade das pastagens sobre a ocorrência dessas árvores, além da contribuição dessas em serviços ecossistêmicos. No Capítulo 2, buscou-se analisar a cobertura de vegetação nativa regenerante nas pastagens do Cerrado. Nessa etapa, foram considerados diferentes grupos funcionais em pastagens ativas e inativas. A cobertura de regenerantes encontrada foi relacionada com variáveis biofísicas, manejo, paisagem, tempo, competição com o capim exótico e facilitação da presença de árvores adultas remanescentes. Foi feito um modelo com a cobertura de Cerrado regenerante e camadas espaciais para a construção do mapa com potencial de regeneração natural do Cerrado em pastagens. Por fim, o Capítulo 3 teve, como objetivo, analisar a percepção e o interesse de pecuaristas de diferentes ecorregiões em restaurar a vegetação nativa do Cerrado em pastagens degradadas ou áreas improdutivas nas propriedades privadas. A construção dos capítulos contou com entrevistas em 90 propriedades rurais, distribuídas em 15 ecorregiões do Cerrado. As amostragens de campo foram realizadas em 93 pastagens cultivadas ativas e 15 pastagens inativas. As pastagens cultivadas do Cerrado possuem árvores nativas mantidas pelos produtores por fornecerem serviços ecossistêmicos (sombra e melhoria do clima) e interesses econômicos (frutos e madeira). Essas árvores também contribuem para o aumento no estoque médio de carbono acima do solo e podem facilitar a implementação de sistemas silvipastoris com árvores nativas, como uma alternativa de pecuária mais sustentável no Cerrado. Na camada regenerante do solo, as espécies de capins, ervas e árvores nativas do Cerrado apresentaram influência de variáveis biofísicas (déficit hídrico, declividade, solos distróficos) e do manejo das pastagens (idade das pastagens, uso de herbicidas e fertilizantes) nas 93 áreas de pastagens ativas amostradas. As 15 áreas de pastagens inativas apresentaram pouca contribuição da paisagem e do tempo de abandono. Contudo, as gramíneas exóticas não são eliminadas das pastagens inativas, mesmo após 44 anos de abandono das áreas. A presença de árvores adultas contribui para a regeneração desse grupo nas pastagens cultivadas e a competição com o capim exótico é determinante para o potencial de regeneração natural de gramíneas, herbáceas e árvores do Cerrado. Essas informações podem subsidiar programas de restauração ecológica em pastagens degradadas e direcionar o manejo de pastagens pouco produtivas para a condução da regeneração em sistemas silvipastoris com árvores nativas e pastagens seminaturais. As entrevistas com os pecuaristas do Cerrado mostraram que 36% possuem interesse em restaurar áreas de mata ciliar, montante de córregos, nascentes, topo de morro e erosão do solo avançada. Porém, nenhum pecuarista teve interesse em restaurar pastagens degradadas ou improdutivas. Os pecuaristas que desejam restaurar áreas degradadas são aqueles que declararam cultivar árvores em suas pastagens, possuem assistência técnica, em grande parte por empresas privadas, e são proprietários de grandes terras em ecorregiões onde têm ocorrido intensa ocupação e uso do solo. Os programas de restauração de paisagens no Cerrado devem considerar a percepção desses pecuaristas para estratégias que atraiam o setor agropecuário para as atividades de restauração ecológica.