Uso de equipamentos emissores de radiação ionizante nas prisões brasileiras : uma análise sob a perspectiva da bioética

Abstract

Ao mesmo tempo em que o desenvolvimento da ciência e das técnicas apresenta soluções para problemas antigos, é também a origem de novas ameaças à vida dos seres humanos e demais viventes. O papel da Bioética, diante do paradoxo subjacente ao paradigma biotecnocientífico, é o de reflexão moral acerca dos impactos que os efeitos advindos dos avanços biotecnológicos podem ter à vida no seu sentido mais amplo. Há alguns anos, equipamentos emissores de radiação ionizante têm sido implementados nas prisões brasileiras como instrumento de revista indireta, visando a identificar objetos proibidos ou ilícitos que possam estar ocultos em orifícios corporais de visitantes. Se, por um lado, há um suposto benefício em segurança, por outro, há o risco à saúde dos sujeitos-alvo do dispositivo, sobretudo se não forem respeitados os princípios de proteção radiológica. Assim, o presente estudo objetiva analisar o uso dos equipamentos de inspeção corporal emissores de radiação ionizante – body scanners – nas unidades prisionais brasileiras, sob a perspectiva da Bioética. Trata-se de pesquisa qualitativa, de cunho descritivo, consubstanciada em levantamentos bibliográfico e documental, acorrendo ao Princípio do Benefício e Dano, artigo 4 da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH), como ferramenta não só na descrição do atual uso dos equipamentos em segurança prisional, como também na prescrição de soluções. Elege tal instrumento devido ao seu escopo alargado, alcançando questões não apenas de ordem biomédica, como também social, econômica e política. O estudo inicia com a descrição do perfil demográfico dos apenados e seus familiares e discute o contexto do sistema prisional brasileiro à luz da Criminologia, da Sociologia e da Bioética. Aponta os problemas persistentes das prisões, marcadas por violações do princípio da dignidade e dos direitos fundamentais das pessoas privadas de liberdade e, extensivamente, dos seus familiares nos momentos de visitação. Em seguida, discorre sobre o uso dos body scanners, tendo em vista a sua regulamentação no Brasil e em outros países. Revisa os efeitos biológicos da radiação ionizante, com destaque aos estocásticos, e apresenta os princípios de proteção radiológica preconizados nos âmbitos internacional e nacional, destacando-se os pontos de convergência com os princípios bioéticos. Posteriormente, apresenta a DUBDH e destaca o Princípio do Benefício e Dano, a partir de uma abordagem conceitual filosófica e bioética. Ao final, desvela a impalpabilidade no que tange aos benefícios e aponta os riscos desnecessários aos quais têm sido submetidos os sujeitos-alvo, ampliados pelo não cumprimento das diretrizes de proteção em radiologia. Conclui propondo caminhos a serem trilhados em busca da maximização dos benefícios e da minimização dos danos no presente contexto. Desse modo, o estudo contribui diretamente com sugestões interventivas que visem à proteção desses sujeitos dos body scanners e, indiretamente, alça o debate – inadiável – acerca dos problemas crônicos e negligenciados do sistema prisional brasileiro, que compõem um “Estado de Coisas Inconstitucional”.