Invasão biológica em manguezais subtropicais : uma avaliação dos fatores que favorecem a invasão e efeitos sobre o estoque de C e N no sedimento e biomassa de plantas nativas

Abstract

Os manguezais são a única formação florestal que ocorre na interface entre sistemas terrestre, de água doce e marinho, desempenhando um papel crucial para a biogeoquímica do C e N. Apesar de sua relevância, os manguezais estão sob pressão por diferentes vetores antrópicos, entre eles a invasão biológica. Contudo, comparado a outros vetores de impacto, a invasão de plantas em manguezais tem recebido pouca atenção, especialmente com relação aos fatores ambientais que a favorecem e os atributos das plantas que os invadem. Além disso, a invasão biológica de plantas pode impactar a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas, tendo potencial de alterar a dinâmica de matéria orgânica no sedimento em sistemas de manguezal. Contudo, ainda não há um consenso sobre a influência (a direção e a magnitude) da invasão de plantas nos estoques de carbono e nitrogênio em ecossistemas de manguezal. Para contribuir com o preenchimento dessas lacunas foram conduzidos dois estudos onde investigamos (i) os fatores que favorecem a invasão de plantas em manguezais (ii) os atributos foliares funcionais das plantas invasoras e (iii) os efeitos no estoque de C e N no sedimento e na estrutura da vegetação nativa nas áreas invadidas. Para tanto foram testadas as hipóteses: (i) áreas de manguezal invadidas exibem contribuição de fonte C4 na matéria orgânica do sedimento, (ii) áreas de manguezais invadidas exibem menor estoque de C e N no sedimento comparado às áreas não invadidas, (ii) áreas de manguezal invadidas exibem menor biomassa acima do solo em relação às áreas de manguezal não invadidas. No primeiro estudo, foram selecionadas 18 parcelas em florestas de mangue sob diferentes níveis de insumos antropogênicos de N, invadidas por macrófitas aquáticas e não invadidas, no Complexo Estuarino-Lagunar (CEL) de Cananéia-Iguape, litoral sul de São Paulo. No segundo estudo, foram selecionadas 8 parcelas inseridas de manguezal de franja, invadidas e não invadidas por macrófitas aquáticas, no setor norte CEL de Cananéia-Iguape. Em cada parcela, medimos a salinidade intersticial, concentrações de nitrogênio, propriedades físico-químicas e estoques de C e N no sedimento. Medimos também as concentrações de C e N, a razão C:N, δ13C e δ15N no sistema sedimento-planta-serapilheira. Com relação a estrutura da vegetação, mensuramos em cada parcela DAP, altura, área basal de troncos mortos e vivos e a biomassa acima do sedimento das espécies de mangue. Resultados A salinidade intersticial a 10 cm de profundidade, seguida das concentrações de nitrato no sedimento, foram os principais fatores associados à ocorrência de macrófitas aquáticas invasoras nas áreas de mangue estudadas. Além disso, espécies invasoras apresentaram concentrações de N foliares cerca de 2 vezes maiores, bem como uma razão C:N 1,5 vezes menor em comparação às espécies nativas. A baixa salinidade e o aumento da disponibilidade de N nos sedimentos permitiram o sucesso das espécies invasoras nas florestas de mangue, resultando também em alta mortalidade de manguezais (até 53% da área basal). O sedimento nas áreas de manguezal invadidas não apresentou contribuição de fontes C4, devido a predominância de espécies de via fotossintética C3 (mangue e invasoras). A biomassa acima do sedimento de mangue foi menor nas áreas invadidas comparada às áreas não invadidas. O estoque de C no sedimento (0-20 cm) foi similar entre as áreas investigadas. O estoque de N no sedimento (0-20 cm) foi menor nas áreas invadidas, o que pode estar associado aos atributos foliares da comunidade invasora que apresentou altos teores de N e baixa C:N foliar em comparação às espécies de mangue. Conclusões A redução da salinidade e as concentrações de N-NO3- no sedimento atuaram como fatores facilitadores para a invasão das macrófitas aquáticas. Esses dois fatores abióticos, aliados aos atributos foliares funcionais das invasoras, associados ao alto requerimento de N, permitiram a ocorrência e o sucesso das invasoras no manguezal, provocando alta mortalidade de indivíduos da comunidade nativa. A redução no estoque de N no sedimento e da biomassa acima do sedimento de mangue são os principais efeitos detectados nas áreas invadidas até o momento. A redução da biomassa acima do sedimento pode representar impactos locais adversos para a manutenção do ecossistema de manguezal nessas áreas e para o armazenamento de C a longo prazo e para todos os serviços ecossistêmicos associados. A redução do estoque de N no sedimento pode estar associada à alta demanda de N das invasoras e posterior introdução no sedimento de uma serapilheira mais lábil comparada à serapilheira das espécies de mangue. A substituição de espécies nativas C3 por espécies invasoras predominantemente C3 indicam que ainda não houve tempo para haver alterações no estoque de C e na composição isotópica no sedimento.