Avaliação dos efeitos de um programa de desenvolvimento socioemocional no bem-estar psicológico e subjetivo, forças de caráter e otimismo de estudantes superdotados

Abstract

O interesse crescente em entender o fenômeno da superdotação para além do conceito de quociente intelectual ou de critérios de produtividade, ressaltando os pontos fortes em detrimento de possíveis dificuldades emocionais, evidencia a necessidade de se examinar o papel de variáveis socioemocionais no desenvolvimento dos superdotados. Nesse viés, Renzulli (2005, 2012) destaca seis fatores cocognitivos que contribuem para o desenvolvimento dos indivíduos com potencial superior: otimismo, coragem, paixão por um tema, sensibilidade às preocupações humanas, energia física e mental e senso de destino. Tais fatores contribuem para o aumento do comprometimento social e para a promoção da saúde mental e bem-estar dos estudantes superdotados. Também Pfeiffer (2013, 2018a) sinaliza a importância das forças de caráter ou forças pessoais no desenvolvimento de talentos, especialmente a humildade, persistência, generosidade, gratidão, entusiasmo e senso de humor, para o bem-estar, satisfação com a vida e autorrealização dos superdotados. Reconhecendo a importância do suporte socioemocional para o desenvolvimento das pessoas com altas habilidades, uma vez que viabilizam a construção de experiências afetivas únicas, este estudo teve como objetivo investigar os efeitos de um programa de desenvolvimento socioemocional no bem-estar psicológico e subjetivo, forças de caráter e otimismo de estudantes superdotados das séries finais do ensino fundamental e do ensino médio. Esta pesquisa foi construída por meio do uso de método misto—quantitativo e qualitativo. Participaram do estudo 39 estudantes que frequentavam o Atendimento Educacional Especializado ao Estudante com Altas Habilidades/Superdotação da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF), distribuídos entre Grupo de Tratamento (n=22) e Controle (n=17), além de duas professoras do atendimento. O programa desenvolvido neste estudo, nomeado FloreSer, foi elaborado para enfatizar potencialidades e destacar os pontos fortes dos estudantes, e foi implementado por meio de dinâmicas e discussões ancoradas nos referenciais de Renzulli (1990, 2002, 2005, 2012 e Pfeiffer (2013, 2016, 2018a, 2018b), bem como na proposta elaborada pelo grupo da Collaborative for Academic, Social and Emocional Learning (CASEL), sobre aprendizagem socioemocional (Socioemotional Learning – SEL), cujo princípio destaca que aspectos sociais e emocionais podem ser ensinados e aprendidos em espaços escolares, contribuindo para a felicidade e o bem-estar dos estudantes. O programa foi organizado em 10 encontros semanais de 1h30 cada, com foco nos seguintes eixos: autoconhecimento, autogestão, consciência social, habilidades interpessoais e tomada de decisão responsável. Aos estudantes foram aplicados os seguintes instrumentos: Escala de Bem-estar Psicológico (Ruff & Essex, 1992 – adaptada e validada para o contexto brasileiro por Machado & Bandeira, 2010), Escala de Bem-estar Subjetivo (Albuquerque & Tróccoli, 2004), Escala de Forças do Caráter (Noronha & Barbosa, 2016), Life Orientation Test (LOT-R, Bastianello et al., 2014), além de um questionário de avaliação do programa. Realizou-se uma entrevista semiestruturada com as professoras. A análise dos dados provenientes das escalas foi realizada por meio do programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), na versão 25.0, mediante análises estatísticas e inferenciais. Os dados oriundos do questionário de avaliação do programa foram analisados por meio de estatística descritiva e análise temática. Utilizou-se análise temática para tratar os relatos obtidos a partir das entrevistas. Os resultados sugeriram que o programa de desenvolvimento socioemocional impactou no bem-estar psicológico e subjetivo, forças de caráter e otimismo dos estudantes que participaram da intervenção. No que diz respeito à análise intragrupos, no Grupo de Tratamento, foram observadas diferenças significativas entre pré e pós-teste nas quatro medidas, com médias superiores no pós-teste. Já em relação ao Grupo de Controle, não foram observadas diferenças significativas entre pré e pós-teste. Na análise intergrupos, não foram identificadas diferenças significativas entre os grupos no pré-teste. Contudo, os achados revelam diferenças significativas entre os dois grupos, no pós-teste, nas medidas de bem-estar psicológico e forças de caráter, com o Grupo de Tratamento apresentando médias superiores. Quanto à avaliação do programa, os estudantes analisaram as intervenções positivamente como “Excelente” e “Boa”, e reconheceram o impacto gerado na vida pessoal por meio das reflexões realizadas. No entanto, sinalizaram o acesso limitado à discussão de questões sociais e emocionais tanto no contexto escolar quanto familiar. No que se refere ao resultado das entrevistas com as professoras, de maneira geral, as docentes ressaltaram a relevância de trabalhar os aspectos socioemocionais na educação dos superdotados. As profissionais relataram ainda que esses estudantes muitas vezes estão inseridos em contextos de cobranças sociais mais ampliadas e, por essa razão, dedicar-se à dimensão emocional é primordial para o desenvolvimento desse público. Todavia, apontaram lacunas na formação inicial e continuada sobre esse tema, ao tempo que ratificaram a importância da parceria com instituições de ensino, pesquisa e extensão como a Universidade de Brasília. Nessa direção, sugere-se: (a) implementação de programas de desenvolvimento socioemocional no serviços de atendimento ao estudante superdotado; (b) construção de programas de formação de professores, psicólogos escolares e agentes da comunidade escolar acerca do desenvolvimento socioemocional do superdotado, com ênfase na potencialidade; (c) utilização de estratégias socioemocionais para impulsionar o desenvolvimento dos estudantes superdotados; e (d) realização de encontros psicoeducativos aliados a rodas de conversas para familiares com o intuito de difundir informações sobre a temática.