Impactos socioambientais de grandes barragens e desenvolvimento : a percepção dos atores locais sobre a Usina Hidrelétrica de Serra da Mesa

Abstract

Esta tese de doutorado tem como objetivo analisar em que medida as grandes barragens de hidrelétricas contribuem para o desenvolvimento dos municípios abrangidos pelo processo de ocupação recente da fronteira energética do Tocantins-Araguaia e quais são os impactos socioambientais decorrentes desse processo. Para tanto, toma como estudo de caso a Usina Hidrelétrica de Serra da Mesa, no rio Tocantins, cujo reservatório abrange oito municípios localizados entre as regiões norte, centro, e nordeste do estado de Goiás. Serra da Mesa foi a segunda maior hidrelétrica construída no leito do rio Tocantins e entrou em operação em 1998, viabilizando a continuidade da ocupação da região hidrográfica do Tocantins-Araguaia por outros projetos hidrelétricos. A pesquisa foi dividida em três partes. Na primeira parte, foi construído um referencial teórico-conceitual sobre a temática do desenvolvimento, das abordagens tradicionais ao desenvolvimento sustentável, sobre consequências da transformação do meio, como externalidades e conflitos socioambientais, e sobre governança e gestão da água. A segunda parte enfoca as grandes barragens, os usos múltiplos das águas e a gestão de recursos hídricos no Brasil. A terceira parte é dedicada ao estudo de caso, que, além da pesquisa em gabinete, envolveu pesquisa de campo nos oito municípios lindeiros ao reservatório da Usina Hidrelétrica de Serra da Mesa. Inicialmente foi realizada uma caracterização da região hidrográfica do Tocantins-Araguaia bem como uma análise dos fatores que têm proporcionado a ocupação dessa fronteira energética. São apresentadas as principais características da Usina Hidrelétrica de Serra da Mesa, seguidas por uma análise sobre o contexto no qual ocorreu o processo decisório de construção, licenciamento e operação do empreendimento. Também foi analisada a dinâmica socioeconômica regional, acompanhada por uma caracterização dos municípios abrangidos pelo estudo de caso. Partindo da premissa de que as grandes barragens de hidrelétricas são tradicionalmente consideradas como indutoras do desenvolvimento, a pesquisa investiga, com base em dados quantitativos e qualitativos, como o desenvolvimento vem se expressando nos referidos municípios. A análise quantitativa fundamentou-se em dados relativos à socioeconomia dos municípios, após a entrada em operação do empreendimento. A análise qualitativa baseou-se nas percepções de representantes de três segmentos de atores locais (poder público, empreendedores ligados à exploração dos usos múltiplos das águas do reservatório, e população atingida pela barragem) quanto à realização ou não das expectativas geradas pelo empreendimento, e quanto aos seus impactos socioambientais. Os dados quantitativos e qualitativos são complementados por registros de observações de campo. A pesquisa foi realizada com base na hipótese de que, no processo de ocupação recente, e ainda em curso, da fronteira energética do Tocantins-Araguaia, a tendência é que as grandes hidrelétricas não contribuam para o desenvolvimento sustentável nos municípios porque o Estado ainda é deficiente para promover a governança dos usos múltiplos das águas dos reservatórios, bem como a gestão socioambiental equilibrada das áreas lindeiras. Verificou-se que, no caso de Serra da Mesa, as expectativas locais em relação ao desenvolvimento proporcionado por grandes hidrelétricas não são totalmente realizadas, quando da conclusão desses empreendimentos, porque há uma priorização dos interesses do setor elétrico. Apenas a realocação e a indenização financeira não são suficientes para garantir o bem-estar psicossocial e material das populações atingidas, porque não há uma assistência continuada a essas populações por parte das grandes empresas do setor elétrico e pelo Estado, no sentido de mitigar os impactos socioeconômicos e psicológicos sofridos. Com base no estudo de caso, a pesquisa conclui que nem o Estado, nem o setor privado têm sido satisfatoriamente eficientes para assegurarem uma governança das águas que reverta seus usos de forma sustentável ao desenvolvimento local e regional, prevalecendo paradigmas tradicionais sobre o desenvolvimento e dificuldades de articulação entre as comunidades locais.