! ! UNIVERSIDADE DE BRAS?LIA INSTITUTO DE CI?NCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA Na quebrada, a parceria ? mais forte - Juventude hip-hop: relacionamento e estrat?gias contra a discrimina??o na periferia do Distrito Federal Breitner Luiz Tavares Bras?lia, 2009 ! II Na quebrada, a parceria ? mais forte Juventude hip-hop: relacionamento e estrat?gias contra a discrimina??o na periferia do Distrito Federal Breitner Luiz Tavares Tese apresentada ao Departamento de Sociologia da Universidade de Bras?lia ! UnB ! como parte dos requisitos para a obten??o do t?tulo de Doutor. Bras?lia, 2009 ! III UNIVERSIDADE DE BRAS?LIA INSTITUTO DE CI?NCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA PROGRAMA DE P?S-GRADUA??O EM SOCIOLOGIA T ESE D E D O U T O R A D O NA QUEBRADA, A PARCERIA ? MAIS FORTE JUVENTUDE HIP-HOP: RELACIONAMENTO E ESTRAT?GIAS CONTRA A DISCRIMINA??O NA PERIFERIA DO DISTRITO FEDERAL BR E I T N E R L UI Z T A V A R ES O rientador: Professor Doutor Brasilmar Ferreira Nunes (UnB) Banca: Prof. Doutor Brasilmar Ferreira Nunes (SOL- UnB) Profa. Doutora Maria Ang?lica Madeira (SOL-UnB) Profa. Doutora Maria Salete Kern Machado (SOL-UnB) Profa. Doutora Wivian Weller (FE- UnB) Profa. Doutora Let?cia Veloso (ESPM-RJ) Prof. Doutor Arthur Trindade Maranh?o Costa (SOL-UnB) ! IV Agradecimentos Nos quatro anos que se seguiram desde que eu iniciei este importante per?odo na minha vida como doutorando muitas foram as pessoas que contribu?ram nesse percurso, por isso, a elas gostaria de demonstrar minha gratid?o. Sou grato a minha fam?lia. A minha m?e e minha primeira professora Marielza e ao meu pai Zerrau (in memorian) pelo carinho e respeito a minha voca??o pela vida acad?mica. Dedico tamb?m ao meu filho Aru?, que me ensinou a ver a vida com mais carinho; espero que um dia ele compreenda minha dedica??o aos livros e aos estudos. ? Universidade de Bras?lia, por ter sido onde realizei toda minha forma??o acad?mica, desde a gradua??o em sociologia, at? o mestrado e o doutorado. Durante todo esse tempo, pude me beneficiar da aprendizagem proporcionada por meus professores aos quais tamb?m sou grato: Mariza Veloso, Lourdes Bandeira, Ana Li?se Thurler, Ana Maria Fernandes, Carlos Benedito Martins, Michellangelo Giotto Trigueiro, Fernanda Sobral, Maria Salete Machado, Jo?o Gabriel Teixeira, Sadi Dal Rosso, D?bora Massemberg, Edson faria Silva, entre outros. Manifesto minha gratid?o a Barbara Freitag por sua imprencind?vel orienta??o no mestrado, a Brasilmar Ferreira Nunes, meu orientador no doutorado, o qual sempre me motivou ? disciplina e ? criatividade sociol?gica. Agrade?o a Maria Ang?lica, pelas considera??es na qualifica??o. Agrade?o a Wivian Weller, pela amizade e motiva??o pelo estudo das gera??es, da juventude e pelo desafio da reflex?o de novas metodologias de pesquisa. Aos amigos da p?s-gradua??o: Ivair Augusto, Djaci, Sales Augusto, Raisa, Fernanda, Ernandes, Rafael Os?rio; Ana Paula Meira, Iraci Silva, Catarina Malheiros, Ericka Barbosa pela disposi??o na pesquisa sobre juventude do grupo GERAJU. Nelson, Wellington, Eliene, professores que lutam pela educa??o em Ceil?ndia; Lia, Wilton, Fran?a pela amizade e pelo enfrentamento da discrimina??o racial atrav?s do Enegreser; D?cia Biapina, Adirley Queiros, Jo?o Break pelo aprendizado sobre audiovisual a partir de ! V um olhar da periferia no grupo CEI CINE. Jamaika, Vera Veronika, GOG, Jap?o e X, jovens fundadores da velha escola do rap no DF. Agrade?o aos funcion?rios da Secretaria do Programa de P?s-gradua??o em Sociologia: Evaldo Amorim, Ab?lio Augusto e M?rcia Araujo. Em 2007 e 2008, fui visiting scholar na Universidade da Calif?rnia, em Berkeley. Esse Est?gio no Exterior foi proporcionado pela Comiss?o Fulbright. Agrade?o aos professores Ramon Grosfoguel e Nelson Maldonado-Torres, do Departamento de Estudos ?tnicos, por toda receptividade e aten??o prestada no que se refere ? reflex?o de uma teoria cr?tica latino-americana, fundada no pensamento descolonial. Tamb?m gostaria de manifestar minha gratid?o aos funcion?rios daquele departamento, em especial a Ruth Hopper, que foi muito atenciosa e gentil ao me orientar em diversas quest?es relacionadas ? burocracia acad?mica em Berkeley. Agrade?o a Luiz Valcov Loureiro e a Rejania Araujo, da Comiss?o Fulbright Brasil, pela credibilidade no meu trabalho e esfor?o para a realiza??o do Est?gio no Exterior. Agrade?o a Joaze Bernardino, pela amizade e discuss?es sobre quest?es ?tnico- raciais e pela carta de recomenda??o para o doutorado sandu?che. Em 2007, ao deixar Ceil?ndia-DF, a cidade de terra vermelha, para viver em Berkeley, a cidade jardim, inicialmente tive o apoio de alguns amigos que foi imprescind?vel para uma adapta??o ? vida norte-americana, s?o eles: Juan Herrera, Catalina Garzon, Rekia Jibrin, Tala, Elisabeth Henin, Mario Nisbet e Michael Fonseca. Agrade?o aos professores da UC at Berkeley: James Holston e Barie Thorne pela gentileza atenciosidade. Em 2006, participei do XI Curso Internacional F?brica de Id?ias, promovido pelo CEAO ! UFBA, coordenado pelos professores L?vio Sansone e ?ngela Figueiredo, ao quais gostaria de manifestar meus agradecimentos. Nessa ocasi?o estabeleci contato com diversos pesquisadores de v?rias localidades sobre a tem?tica ?tnico-racial. O CEAO tem se mostrado um importante interlocutor entre pesquisadores e militantes das quest?es raciais no Brasil e em pa?ses afroasi?ticos. ! VI ? Funda??o Ford, por ter financiado meus estudos no doutorado a partir de seu inovador programa internacional de bolsas, pautado na perspectiva de lideran?a social e a??es afirmativas (FORD ! IFP). Gostaria de manifestar minha gratid?o a F?lvia Rosenberg, Maria Luisa, pelo apoio durante meu per?odo de bolsista no Programa Bolsa da Funda??o Carlos Chagas, institui??o representante do programa internacional de bolsas da Funda??o Ford no Brasil. Agrade?o tamb?m a toda a juventude envolvida com o hip-hop no Distrito Federal e, em especial, aos grupos de rap de Ceil?ndia que de alguma forma contribu?ram com esta pesquisa ao conceder parte do seu tempo para compartilhar comigo suas experi?ncias de vida, incluindo seus dramas, sonhos e expectativas de futuro. Ao povo brasileiro, que com seus impostos permitiu que eu estudasse toda minha trajet?ria escolar no ensino p?blico, em especial, numa das melhores universidades p?blicas do pa?s. Espero um dia poder contribuir para a melhora das condi??es daquela imensa parcela da juventude brasileira ainda invisibilizada e exclu?da do ensino superior brasileiro. ! VII Resumo Esta tese prop?e a abordagem do problema referente ? marginaliza??o da juventude de comunidades localizadas na periferia do Distrito Federal, tendo por refer?ncia algumas de suas cidades, mais precisamente, Ceil?ndia. O recorte anal?tico para se observar o tema ? o estilo de vida em torno da cultura hip-hop praticada por jovens no Distrito Federal, que compreendido como mecanismo produtor de suas orienta??es coletivas e vis?o de mundo. Em termos de objetivos, esta tese visa a observar elementos referentes ?s orienta??es coletivas promovidas por esses jovens, no sentido da constru??o de um estilo de vida em torno da cultura jovem como fator preponderante para a configura??o geracional. Al?m disso, este estudo almeja, ainda, verificar como o jovem constr?i v?nculos de sociabilidade, a partir da sexualidade masculina, voltados para o relacionamento afetivo, que expressa constru??o de pap?is sociais sexuais femininos e masculinos. Em seguida, a narrativa sobre experi?ncias discriminat?rias ser? base para uma an?lise do imagin?rio racial dessa juventude que sofre com a discrimina??o, mas estabelece suas pr?prias estrat?gias para enfrent?-la. Palavras-chave: juventude; gera??es; m?todo document?rio; estilo de vida; hip-hop; masculinidade, genero; ra?a. ! VIII Abstract This dissertation "#$%&$$?$()*?(+,-./?0(-1(2-&)*3$(04,5#64/#74)#-6(#6($-0?(%-00&6#)#?$(#6( the periphery of Brasilia-Brazil from poor neighborhoods like Ceil?ndia-DF. The analytical approach observes the youth life style around the hip-hop culture and their understanding about producing mechanisms of their collective orientation and vision of the world. Furthermore, this dissertation focuses on the analysis of collective orientations promoted by youth in its life as a preponderant factor for the generation configuration. In addition, this study verifies as the youth constructs bonds of sociability based in the masculine sexuality and its affective relationship perspective which produces different meanings of feminine and masculine social roles. Furthermore, the narrative on discriminatory experiences will be, on one hand, base for an imaginary analysis of the racialized relationship, but on the other hand, it will provide proper elements to struggle against it. Keywords: Youth; generations; documentary method; life style; hip-hop; masculinity; gender, race. ! IX R?sum? Cette th?se propose l'abordage du probl?me aff?rent au marginalisation de la jeunesse des communaut?s localis?es dans la p?riph?rie du District F?d?ral, en ayant par r?f?rence certains de leurs villes, plus pr?cis?ment, de Ceil?ndia. Le d?coupage analytique pour s'observer le sujet est le style de vie autour de la culture hip-hop pratiqu?e par jeunes dans le District F?d?ral, que compris comme un m?canisme producteur de leurs orientations collectives et vision de monde. Dans des termes d'objectifs, cette th?se vise ? observer des ?l?ments aff?rents aux orientations collectives promues par ces jeunes, dans le sens de la construction d'un style de vie autour de la culture jeune comme facteur pr?pond?rant pour la configuration de generations. En outre, ce ?tude il convoite, encore, v?rifier comme le jeune construit des liens de sociabilit?, bas? de la sexualit? masculine, tourn?s pour les relations affectives, qui expriment de la construction de papiers sociaux sexuels f?minins et masculins. Ensuite, le r?cit sur des exp?riences discriminatoires sera base pour une analyse de l'imaginaire ethnique de cette jeunesse qui souffre avec la discrimination, mais ?tablit leurs propres strat?gies pour lui affronter. Mots cl?s: jeunesse ; g?n?rations ; m?thode documentaire ; style de vie ; hip-hop ; masculinit?, genre, race. ! X SU M ? RI O INTRODU??O: VELHAS E NOVAS JUVENTUDES 1 CAP?TULO 1 GERA??ES: POR UMA TEORIA DO TEMPO EM MOVIMENTO 9 1.1 O conceito de Gera??es: alguns aportes 10 1.2 O problema das gera??es enquanto sociologia da mudan?a social 16 1.3 No??es de gera??o e habitus: movimentos sociais como formas de estilos de vida e gosto 17 CAPITULO 2 ESTUDOS E TEORIAS SOBRE A JUVENTUDE NO S?CULO XX E NO PRESENTE: UMA BREVE REVIS?O 23 2.1 As velhas teorias: Escola de Chicago (1920-1940) e Teorias Funcionalistas (1950-1960) 24 2.2 Estudos Culturais (anos 1970) 29 2.2.1 Subculturas jovens sob uma perspectiva cr?tica 31 2.2.2 Mercado de bens culturais, estilo e autenticidade 33 2.2.3 Sexo ou classes 34 2.2.3 Abordagens qualitativas no ?mbito do CCCS 36 2.3 Juventude enquanto categoria social no Brasil 39 2.3.1 Um novo paradigma da juventude nos anos 90: viol?ncia e criminaliza??o ! Uma abordagem sobre os estudos da UNESCO 43 2.3.2 Para as juventudes do presente 49 ! XI CAP?TULO 3 O M?TODO DOCUMENT?RIO COMO REFER?NCIA PARA O ESTUDO DAS ORIENTA??ES COLETIVAS DA JUVENTUDE HIP-HOP 51 3.1 Sociologia compreensiva e o m?todo document?rio 54 CAPITULO 4 CIDADE E DINAMIZA??O E PERIFERIZA??O: UMA SOCIOLOGIA URBANA DE BRAS?LIA 63 4.1 Segrega??o S?cio Espacial: A Invens?o da periferia 69 4.2 Ceil?ndia-DF: o projeto da invas?o erradicada 71 CAP?TULO 5 HIP-HOP COMO PENSAMENTO DESCOLONIAL E P?S COLONIAL 77 CAP?TULO 6 ETNOGRAFIA URBANA: JUVENTUDE HIP-HOP NO DISTRITO FEDERAL 85 CAP?TULO 7 ORIENTA??ES COLETIVAS E GERACIONAIS DE JOVENS RAPPERS NO DISTRITO FEDERAL 105 7.1 Orienta??es Coletivas e Geracionais: estilo de vida hip-hop e o envolvimento com trabalho social 105 7.2 Grupos Revolu??o MCs e Resist?ncia Perif?rica: estilo de vida e configura??o urbana 151 7.3 Sobre as orienta??es coletivas dos jovens dos grupos analisados: algumas considera??es conclusivas 195 ! XII CAP?TULO 8 ESTILO E RELACIONAMENTO: DEMARCADORES COLETIVOS EM TORNO DO TEMA SEXUALIDADE 202 8.1 Grupos Rap Comando e BR45: Ficar, namorar e proje??es de futuro 202 8.2 Masculinidade e misoginia: a constru??o social do namoro e a monogamia-Grupos Revolu??o MCs e Resist?ncia Perif?rica 223 8.3 Algumas considera??es gerais sobre relacionamento e sexualidade nos grupos hip-hop 241 CAP?TULO 9 EXPERI?NCIAS DISCRIMINAT?RIAS E ESTRAT?GIAS COMUNICATIVAS DE ENFRENTAMENTO CRIADAS PELOS JOVENS RAPPERS 247 9.1 No shopping assim, o seguran?a me olhando me seguindo. Seria por causa da minha cor ou das minhas vestes? -Grupos BR45 e Revolu??o MCs 247 9.2 Configura??o urbana e estrat?gias de enfrentamento da discrimina??o-Grupos Rap Comando e Resist?ncia Perif?rica 268 9.3 Algumas considera??es gerais sobre as experi?ncias discriminat?rias e estrat?gias de enfrentamento dos jovens 289 10 CONSIDERA??ES FINAIS 295 11 REFER?NCIAS BIBLIOGR?FICAS 302 12 AP?NDICES 315 ! XIII Lista de Ilustra??es Figura 1: Ceil?ndia Imaginada ! representa??o esquem?tica dos setores de Ceil?ndia 76 Figura 2: 89465&?$(%-6),4$)40(:#-/;6%#4(?("#:?,$<-=> Reprodu??o de mat?ria do jornal Correio Braziliense, 12 de dezembro de 1991, caderno Cidades. 88 ?#5&,4(@A(8B-/C%#4(#6#%#4(-+?,4D<-(+4,4(#"?6)#1#%4,(5465&?$=>(E?+,-"&D<-("?(04)F,#4("-( jornal Correio Braziliense, 2 de janeiro de 1992. 89 ?#5&,4( GA( 8H-%&)-,( F( C"-/-( "?( 5,&+-$=>( E?+,-"&D<-( "?( 04)F,#4( "-( I-,64/( J-,,?#-( Braziliense, 2 de janeiro de 1992. 91 ?#5&,4( KA( 8L&4,?6)4( 5&465&?$( ?$+4/*40( -( )?,,-,( 6-( M#$),#)-( ??"?,4/=>( E?+,-"&D<-( da mat?ria do jornal Correio Braziliense, caderno Cidades, 18 de agosto de 1993.98 ?#5&,4(NA(8O?0(+4+4$(64(/C65&4A(H#54"-$(?0()&"-P(-$(rappers GOG, X e Dino Black d?o o $?&(,?%4"-(4-$(%46"#"4)-$(Q$(+,RS#04$(?/?#DT?$=>(E?+,-"&D<-("4(04)F,#4("-(I-,64/( Correio Braziliense, caderno 2, 10 de setembro de 1994. 100 ?#5&,4(UA(8?/V:#-(rap: esse ? o cara. Vamos invadir o sistema. Deputado distrital coliga??o 1F(?(+,-5,?$$-=>(E?+,-"&D<-("?(+ropaganda eleitoral, 2006. 101 Figura 8: Sociograma do grupo BR45. 119 Figura 9: Sociograma do grupo Rap Comando 142 ?#5&,4(WXA(O-%#-5,404("-(5,&+-(E?:-/&D<-(YJ3$( 154 Figura 11: Sociograma do grupo Resist?ncia Perif?rica. 178 "#$#!%&!?(#)*(!+*!,#-./0-*!+1!20,-30-1!4*+*3#/5!416-*!!""#$%&?()*+!7889! :;! "#$#!7&!?(#)*(!+*!,#-./0-*!+*!<*0/=6+0#>24!?1(!#!06+0?#@A1!+*!,*B,!,*-13*,5!! 416-*&!!""#$%&?()*+!78895!! ! ! ! ! ! ! :;! ! ! XIV Lista de G r?ficos 1 Gr?fico 1: Sexo Gr?fico 2: Faixa et?ria Gr?fico 3: Ra?a/Cor Gr?fico 4: Relacionamento Gr?fico 5: Filhos Gr?fico 6: Regi?o de nascimento Gr?fico 7: Cidade onde vive Gr?fico 8: Moradia Grafico 9: Religi?o Gr?fico 10: Emprego Gr?fico 11: Religi?o Gr?fico 12: Escolaridade dos pais Gr?fico 13: Escolaridade da companheira ! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 1 Todos os gr?ficos se encontram na p?ginas 322-323. ! ! Introdu??o: velhas e novas juventudes Meu interesse pela sociologia urbana de fato, surgiu durante gradua??o em Sociologia na Universidade de Bras?lia-UnB em 1999. Diante dessa influ?ncia, eu passei a me dedicar aos fen?menos da cultura e sociabilidades urbanas, quando decidi em 2003 iniciar o curso de mestrado sob orienta??o da professora Barbara Freitag, pelo Programa de P?s Gradua??o Sociologia ! PPSOL-UnB. Naquela ocasi?o, eu havia decidido realizar um estudo de caso sobre mercados informais, como feiras livres. Nesse caso, o tema das representa??es sociais e da segrega??o s?cio espacial adquiriram um novo vi?s pelo aspecto simultaneamente l?dico e controvertido, em rela??o a um espa?o social como uma feira poderia ser. Dessa investiga??o resultou a disserta??o defendida em 2005, intitulada: Feira do Rolo: Na pedagogia da malandragem: Mem?ria e representa??es sociais no espa?o urbano de Ceil?ndia-DF. A pesquisa de mestrado me permitiu desenvolver algumas reflex?es acerca da configura??o do espa?o urbano de Bras?lia pelo vi?s da realidade fora do Plano Piloto, em ?reas segregadas e incompletas em termos de infra estrutura urbana. De fato, Bras?lia hoje pr?xima do seu cinquenten?rio encontra o reflexo de seus problemas e possibilidades nas outras cidades do Distrito Federal, anteriormente denominadas 8%#"4"?$( $4)F/#)?$=P( ?( 4( regi?o do Entorno. Nesse caso, o estudo sobre juventude permitiu observar, como a vida na cidade implica na percep??o de manifesta??es de diferentes gera??es estruturadas em diversos espa?os de socializa??o e fluxos cont?nuos. Antes mesmo de ingressar no curso de doutorado pelo PPSOL-UnB, eu j? havia iniciado o esbo?o daquilo que se tornaria mais adiante meu projeto de tese sob orienta??o do professor Brasilmar Ferreira Nunes. Eu desejava realizar um estudo sobre sociologia da juventude com ?nfase no estilo de vida hip hop na periferia urbana do Distrito Federal. Nessa ocasi?o estabeleci contato com a professora Wivian Weller, que j? havia produzido um estudo comparativo entre jovens rappers em S?o Paulo e Berlin. Desde ent?o, eu pude acompanhar boa parte de seu trabalho o que colaborou de modo significativo para novas abordagens em pesquisas sobre juventude. ! 2 Durante o trabalho de pesquisa de campo entre 2006 e 2007 realizado em algumas cidades do Distrito Federal e especialmente na Ceil?ndia, em alguns momentos, a minha experi?ncia como morador e professor, bem como, membro de algumas entidades s?cio culturais da cidade contribuiu significativamente para minha aproxima??o dos jovens. Ao longo desta tese h? v?rias fotos obtidas durante esse trabalho, contudo essas fotos s?o apresentadas intensionalmente sem legendas. Elas n?o pretendem ilustrar os argumentos do texto. Por fim, elas s?o simplesmente um convite para um passeio, por uma rua n?o linear pavimentada por imagens. Essa pesquisa foi capaz de revelar o quanto Ceil?ndia expressa diferentes hierarquias sociais vistas a partir das rela??es de classe social, g?nero e sexualidade, ra?a e etnia. Alem disso pude acompanhar brevemente como a juventude redefine, sob uma nova ?tica, a prR+,#4( 046?#,4( "?( %-0+,??6"?,( -( Z&?( $#56#1#%4( $?,( 8$?,( &,.46-=( 64( contemporaneidade. Ao se remeter ? categoria juventude, objeto de diversas conota??es, faz-se necess?rio discuti-la a partir de alguns postulados, os quais ajudar?o a se aproximar da configura??o de um campo tem?tico para o estudo sociol?gico da juventude, tais como o conceito de gera??es, a teoria funcionalista sobre juventude, os estudos culturais. Al?m disso, ser?o apresentados nos cap?tulos 1 e 2 alguns elementos que ser?o a base para os primeiros estudos sobre a juventude no Brasil, no final dos anos sessenta e setenta, e as contribui??es da atual configura??o do campo de estudos sobre a juventude influenciado pela Unesco nos anos de 1990. Cabe destacar que essa abordagem n?o pretende ser $#0+/?$0?6)?(&04(8,?:#$<-("4(/#)?,4)&,4=P(04$(&04(+-$$#.#/#"4"?("?(,?1/?S<-("?(%-0-( esses eixos demarcadores cunharam uma variedade de sentidos para a juventude, ora superexpondo certos eventos e caracter?sticas, ora omitindo certas assimetrias internas ao fen?meno da juventude. Inicialmente, cabe ressaltar que, dentre as abordagens sobre juventude, a mais difundida se faz atrav?s do conceito de gera??es, desenvolvido por Mannheim (1952), o qual se refere de uma maneira geral a uma no??o qualitativa de tempo e como esse tempo est? voltado para um processo incessante de mudan?a social. Assim, a juventude inserida num processo de forma??o de uma unidade geracional diversa, frente ? subjetividade de seus atores, realiza-se na busca de suas metas ?ntimas, do esp?rito de seu pr?prio tempo. ! 3 Nesse caso, o que importa ? analisar nos tempos atuais quais s?o as rea??es e inten??es desses grupos, em especial na contemporaneidade. A juventude exprime rea??es diferentes frente a problemas semelhantes, observ?veis nos diferenciados estilos de vida manifestos. Esses estilos, por sua vez, est?o voltados para a busca pela participa??o de espa?os pol?ticos na tentativa de reconhecimento social. Essa mobiliza??o social a partir de uma posi??o de classe da juventude constitui um fator indicativo de sua posi??o geracional. Ainda no cap?tulo 2, discute-se como os estudos emp?ricos pioneiros, desenvolvidos por alguns pesquisadores vinculados ? Escola de Chicago, na primeira metade do s?culo XX, trataram de quest?es como a nega??o dos valores morais dominantes, a delinqu?ncia ou mesmo a criminalidade, ligando os jovens ao desvio do processo de integra??o do jovem na estrutura social. Pode-se, de fato, inferir que houve %?,)4(;614$?(?0(?$)&"-$($-.,?(I-:?6$("4$(8%/4$$?$(.4#S4$=(6-$(+rimeiros estudos emp?ricos, como os desenvolvidos nas d?cadas de 30 e 40 pela Escola de Chicago, por autores como Whyte (2005), Thrasher (1927) e Shaw (1930). As hip?teses impl?citas daqueles estudos se referiam ao problema da delinqu?ncia como resultante do processo de urbaniza??o, o qual ser? abordado mais adiante. H? aqui v?rias perspectivas que remetem ? elucida??o da viol?ncia juvenil. Algumas delas s?o apegadas ?s explica??es centradas no indiv?duo, segundo as quais aspectos biopsicossociais influenciam a constru??o de personalidades desviantes, como aquelas abordagens de car?ter funcional-estruturalista (MERTOM, 1949). O desenvolvimento econ?mico desigual numa sociedade extremamente competitiva exige uma maior prepara??o para o mundo do trabalho e uma maior escolariza??o que, entre outros fatores, prolongam a transi??o do jovem ao mundo adulto. Como consequ?ncia disso, surgem menores oportunidades. Posteriormente, nos anos sessenta, haver? uma grande ?nfase nos estudos sobre a juventude de classe m?dia, em especial sobre estudantes universit?rios. Aqui as hip?teses ser?o voltadas, sobretudo, para o potencial transformador do jovem em fun??o da assimila??o de valores pol?ticos esquerdistas. Ali?s, como ser? visto adiante, esse ser? o referencial anal?tico e emp?rico do surgimento da sociologia das juventudes no Brasil: o 8I-:?0( ,?:-/)4"-=( [\]^\P( W_N?aP( ?654I4"-( +-/#)#%40?6)?P( 04$( #6%4+47( "?( ,?4/#74,( 4( transforma??o social que o sentido de miss?o, constru?do nos movimentos estudantis, traduzia (FORACCHI, 1972). Em contrapartida, os jovens de classe trabalhadora s?o ! 4 colocados em plano secund?rio nas an?lises, tipificados como desinteressados em pol?tica ou incapazes de se organizarem politicamente em fun??o, justamente, de sua condi??o de classe trabalhadora. Os estudos culturais representados pelo Centre for Contemporary Culture Studies (CCCS), criado na Inglaterra, especificamente na Universidade de Birmingham, no final dos anos sessenta do s?culo XX, constituir?o um marco na renova??o dos estudos sobre a juventude. Sua forma??o multidisciplinar com apelo marxista retoma os estudos sobre juventude sob a ?tica das classes sociais. Metodologicamente, retoma-se a pesquisa qualitativa, em especial a observa??o participante e a pesquisa etnogr?fica. O CCCS foi respons?vel pela difus?o dos estudos da juventude sob a perspectiva da subcultura. O posicionamento cr?tico do grupo de estudos em rela??o ? influ?ncia neopositivista nas ci?ncias sociais motivar? uma s?rie de controv?rsias em rela??o ? legitimidade do CCCS, bem como em rela??o a limites de sua proposta intelectual. No final dos anos 90, a Unesco ser? respons?vel pela retomada dos estudos sobre juventude no Brasil. Nesse caso a juventude, enquanto categoria social, ? redefinida n?o a partir da perspectiva de classe, mas pela abordagem de categorias, tais como viol?ncia, cidadania e protagonismo social. A Unesco, com seu ?mpeto intervencionista, mobilizou pesquisadores, bem como o campo pol?tico institucional, e definiu novos par?metros em rela??o ? juven)&"?>( b$$4( "?#S4( "?( $?,( 8"?$:#46)?=( ?( +4$$4( 4( 45?6)?( $-%#4/P( :C)#04( ?( causadora da viol?ncia, o que a inclui numa perspectiva de vulnerabilidade social. Al?m da Unesco, enquanto intitui??o que ir? motivar a redefini??o dos estudos sobre juventude no Brasil, nos anos noventa, observa-se o surgimento de novas abordagens sobre gera??es e juventude que se posicionam de um modo cr?tico em rela??o a outras abordagens mais tradicionais de cunho linear. Autoras como Sposito (1994) e Pais (2005) discutem uma a.-,"45?0( )?R,#%4( ?( 0?)-"-/R5#%4( "?1#6#"4( %-0-( 8+R$-/#6?4,=>( b$$?$( estudos questionam as perspectivas mais tradicionais sobre os estudos da juventude, para isso as autoras se voltam para a complexidade intr?nseca dos modos de vida dos jovens definidos como 8%&/)&,4$( I&:?6#$=>( b$$4( +/&,4/#"4"?( %,#4( +-$$#.#/#"4"?$( +4,4( 6-:4$( pesquisas sobre um campo de estudos a respeito da juventude ainda em estrutura??o no Brasil. Aspectos como o consumo dos jovens pobres das classes trabalhadoras, bem como dimens?es relativas ? constru??o de um sistema de distin??es sociais, pautados em categorias como ra?a-etnia, g?nero e sexualidade, desafiam a constru??o de uma ! 5 metodologia explicativa desses fen?menos presentes nas orienta??es coletivas das juventudes. Em rela??o aos aspectos metodol?gicos da pesquisa, no cap?tulo 3, ser?o apresentados alguns aspectos sobre o m?todo document?rio de interpreta??o, o qual foi criado pelo soci?logo h?ngaro Karl Mannheim como uma forma de an?lise das vis?es de mundo. Essa metodologia de cunho qualitativo permite a organiza??o dos dados de pesquisa obtidos mediante a observa??o participante das entrevistas com os grupos de discuss?o e a an?lise de materiais iconogr?ficos. No cap?tulo 4 s?o discutidos algus aspectos s?cios hist?riocos da configura??o urbana de Bras?lia bem como o processo segrega??o s?cio espacial que deu origem a uma periferia urbana representada por cidades como Ceil?ndia-DF. Algumas discuss?es sobre as origens e din?micas em rela??o ao hip-hop s?o apresentadas no cap?tulo 5, com o objetivo de estabelecer um norte entre certas perspectivas te?ricas do pensamento p?s-colonial (GILROY, 2001) e pensamento fronteiri?o (GROSFOGUEL, 2005). A ideia central passa pela cr?tica ao reducionismo imposto pela ideia de globaliza??o da cultura como algo assimilado em termos de uma hierarquia centro-periferia (SANSONE, 2004). Aspectos relacionados ? ra?a/etnia e g?nero permitem uma elabora??o sobre sistemas de distin??o social pautados em v?nculos discriminat?rios, bem como em algumas alternativas estabelecidas pelos jovens para isso. Por fim, no cap?tulo 6 faz-se uma explana??o geral sobre o hip-hop no Distrito Federal e sua rela??o com a luta pelo reconhecimento social da juventude negra das periferias, a partir da luta concorrencial de um mercado fonogr?fico que envolve o estilo musical rap. O trabalho de campo realizado em Ceil?ndia, incluindo as observa??es participantes e as descri??es dos grupos analisados, ? parte integrante do cap?tulo 7. Esse cap?tulo ? fundamental, pois apresenta diversos elementos relacionados as orienta??es coletivas dos jovens em rela??o a sua identifica??o com o estilo hip-hop, bem como, sobre a forma??o dos grupos de rap. A rela??o intergeracional com pessoas mais velhas dentro do universo familiar ou da Escola expressa parte da percep??o juvenil do espa?o urbano. A cidade se apresenta para o jovem ao mesmo tempo com um espa?o prec?rio e como um espa?o mut?vel a partir da constru??o de valores de pertencimento coletivo como a amizade. ! 6 ! 7 Em seguida, no cap?tulo 8, a sexualidade dos jovens ? discutida a partir da ?tica da afetividade e da constitui??o dos v?nculos afetivos. A fugacidade dos relacionamentos ou a perspectiva de futuro monog?mico s?o dilemas enfrentados pelos jovens. Em rela??o a isso, h? o enfrentamento de aspectos relacionados ? constru??o de um sentido de masculinidade que n?o ? un?voco, mas frequentemente sexista. No cap?tulo 9, os jovens apresentam suas narrativas em rela??o ?s experi?ncias discriminat?rias. Eles elegem, de modo, ?s vezes, fragment?rio, diversas situa??es que envolvem desde constrangimentos cometidos por professoras na escola prim?ria at? mesmo, a viol?ncia policial, nas ocasi?es em que s?o abordados na regi?o onde vivem. Diante disso, os jovens elaboram, a partir de um conjunto complexo de vari?veis, as explica??es para a discrimina??o que sofrem no seu cotidiano. Essas explica??es passam invariavelmente pela condi??o geracional, da identifica??o dos jovem com o estilo estilo hip-hop. Al?m disso, o constrangimento decorrentes da pobreza e do racismo s?o outros agravantes desse quadro vivido por jovens negros e pobres em Ceil?ndia. Em rela??o ? postura dos jovens frente ?s situa??es discriminat?rias, eles apresentam suas alternativas de enfrentamento que, em geral, est?o voltadas para o di?logo com os agentes diretos causadores da discrimina??o. De um modo geral, a estrutura da tese, no que se refere a disposi??o dos seus cap?tulos visa expor diversas abordagens sobre o problema da juventude no espa?o urbano. No cap?tulos 1 e 2 h? uma ?nfase nas escolhas te?ricas para os estudos da juventude como apresentado na discuss?o sobre gera??es, bem como, nos conceitos de estilo de vida e habitus. Mais adiante, percorresse-se algumas escolas representativas para esses estudos com a dupla fun??o informativa e cr?tica desses postulados desenvolvidos pela Escola de Chicago, a teoria funcional-estruturalista e os estudos culturais. Al?m disso, os primeiros estudos sobre juventude, em especial advinda dos meios universit?rios como ocorre nos anos 60 e sua influ?ncia nos primeiros estudos s?o apresentados de modo a delinear a +,?1?,;6%#4(+?/-$(?$)&"-$("4$(%404"4$(0F"#4$("4($-%#?"4"?P(%-0-(8-$(&6#:?,$#)V,#-$=(?( uma certa aus?ncia de pesquisas sobre juventude de classe trabalhadora. Os estudos da ! 8 UNESCO no final dos anos noventa assume uma demanda social por estudos sobre juventude e de certa forma reimpulsiona esse campo de pesquisa que atualmente assume &0( +-$$#D<-( 0&/)&"#$%#+/#64,P( 8+R$( /#6?4,=( ?0( 4.-,"45?6$( Z&?( :#$40( #6%/&#,( "#:?,$4$( categorias de an?lise anteriormente invisibilisadas ou estudades de maneira distinta como ? ocorria nos estudos de g?nero\ sexualidade, ra?a\etnia e classe social. O capitulo 3 de cunho te?rico-metodol?gico retoma a discuss?o do m?todo documet?rio de Mannheim, bem como suas contribui??es para a pesquisa qualitativa atual. O cap?tulo 4 cumpre a fun??o de introduzir a discuss?o sobre a sociologia urbana de Bras?lia a fim de localizar a cidade com espa?o dessas m?ltiplas intera??es sobre jovens especialmente para os menos familiarizados com as especificidades da configura??o da cidade modernista. O cap?tulo 5 , sobre hip hop e di?spora negra, cumpre a fun??o de dicutir em termos de bem cultural enquanto fen?meno mundial capaz de interconectar diferentes hierarquisas sociais a aprtir de uma est?tica que suerge no espa?o p?blico na luta por reconhecimento social. A hist?ria do hip hop e mais precisamente do rap no Distrito Federal ? apresentada no cap?tulo 6, de modo a enfatizar sua relev?ncia enquanto parte relevante da estrutura da produ??o cultural nacional. Finalmente os cap?tulos 7, 8 e 9 discutem alguns aspectos relacionados as orienta??es coletivas dos jovens em termos da constitui??o dos grupos de rap, da mamneira como os jovens lidam com sua sexualidade e como enfrentam determinadas experi?ncias dicriminat?rias na periferia urbana onde vivem. ! 9 C AP? T U L O 1 G E R A ? ? ES: PO R U M A T E O RI A D O T E MPO E M M O V I M E N T O The emergences of disciplines have often led to forgetting of their impetus in living human subjects and their crucial role in both the maintenance and transformation of knowledge - producing practices. The results are special kind of decadence. One such kind of disciplinary decadence. Disciplinary decadence is the anthologizing or reification of a discipline as thought it was never born and has always existed and will never change or, in some cases, die. Lewis R. Gordon ! Disciplinary Decadence (2006) Como um dos principais conceitos para a elabora??o de uma teoria sobre a juventude, o conceito de gera??es de Mannheim 2 persiste enquanto referencial te?rico e metodol?gico de grande import?ncia sociol?gica. ]+?$4,("?($?,(%-6$#"?,4"-(&0(84&)-,(%/V$$#%-=P(4)F(*-I?(+4,)?("?($&4(-.,4(%-6)#6&4( sem tradu??o em l?ngua portuguesa, al?m disso, j? foram observadas deturpa??es em tradu??es para l?nguas latinas (WELLER, 2005b). Isso poderia ter prejudicado uma maior difus?o do autor. Mannheim foi considerado para alguns autores como um humanista reformador, devido a algumas de suas considera??es, como a intelligentsia e as poss?veis 4/)?,64)#:4$( 4-( )-)4/#)4,#$0-P( %*404"-( "?( -( 8)?,%?#,-( %40#6*-=( -&( 8)?,%?#,4( :#4=>( \$$-( consistiria na interven??o pragm?tica de uma filosofia pautada em princ?pios cient?ficos !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 2 Mannheim, nascido em 1893, na Hungria, de fam?lia judia, assimilou diversas influ?ncias intelectuais, especialmente das ci?ncias sociais. Teve seus primeiros contatos com estudos sobre filosofia em Budapeste, em 1915, sendo orientado por Georg Luk?cs. Mais tarde, vai a Berlim, onde ouviu as prele??es de G. Simmel. Al?m disso, em Heidelberg, em 1921, foi aluno de Alfred Weber, irm?o de Max Weber. Em 1930, se tornou professor na Universidade de Frankfurt, onde teve como assistente Nobert Elias. Em 1933, j? com a ascens?o do nazi-fascismo, Mannheim deixa a Alemanha para viver na Inglaterra, onde lecionou na London School of Economics, onde falece, em 1947 ( KETTLER, 1984). ! 10 que deveriam substituir as t?cnicas tradicionais e manipulativas, ou seja, pautada em princ?pios formais do planejamento (FERNADES, 1960). Por outro lado, outras autoras, posteriormente, seguem assinalando a relev?ncia e o problema de uma subteoriza??o frente ? obra de Mannheim (DOMINGUES, 2002), especialmente em rela??o a algumas de suas contribui??es como os conceitos te?ricos metodol?gicos: gera??o e o m?todo document?rio, os quais ser?o discutidos oportunamente. 1.1 O conceito de Gera??es: alguns aportes O problema das gera??es, como perspectiva sociol?gica, constituiu um dos marcos da sociologia, dados os estudos que prop?em investigar processos de mudan?a social e ?$)&"-$($-.,?(I&:?6)&"?P(Z&?(?$)<-(#6)?,/#54"-$(Q(%-6$),&D<-("?(&04(8:#$<-("?(0&6"-=>( Mannheim, em seu famoso ensaio O problema das gera??es, publicado inicialmente em 1928, analisa a categoria gera??es, realizando primeiramente uma an?lise comparativa de algumas assimetrias e alguns encaixes existentes nas abordagens positivistas francesas, que primavam pela quantifica??o, em termos lineares, dos eventos sociais e da natureza humana e, por outro lado, pelo pensamento rom?ntico alem?o que valorizava uma perspectiva de cunho qualitativo. Partindo da perspectiva positivista, a contagem do tempo em termos cronol?gicos determinaria a sucess?o da vida e da morte, em rela??o ? realiza??o humana do progresso, que segue uma l?gica mais ou menos est?vel. Altera??es nas rela??es humanas s?o a base para o processo de din?mica social, no que se refere a aspectos ligados ? cultura e ? tradi??o, que s?o consequentes na dura??o desse processo de natureza biol?gica. Nesse tipo de abordagem, Mannheim tamb?m observou outras generaliza??es improv?veis em rela??o ?s gera??es, como a natureza intrinsecamente conservadora dos pais e, por sua vez, a posi??o contestadora dos filhos; contudo, suas considera??es em rela??o ? juventude nazi-fascista (MANNHEIM, 1993) buscaram demonstrar que essas prerrogativas nem sempre correspondiam ?s diferentes configura??es geracionais criadas historicamente. Esses estudos estavam voltados para hip?teses que se empenhavam em determinar Z&4#$(+?,C-"-$("?(#"4"?($?,#40("?)?,0#646)?$(6-(8+,-%?$$-("?($&.$)#)&#D<-("4(:#"4=P(+4,4(-( ingresso ou o abandono dos indiv?duos na vida social, em termos de faixa et?ria. A ! 11 observa??o de diferentes institui??es permitiria constatar din?micas sociais diversas, 4/5&04$( 80-"?,4"4$=P( %-0-( -$( 0#/#)4,?$P( ?( -&),4$( 04#$( 8/#:,?$=P( %-0-( #6)?/?%)&4#$( ?( artistas (MANNHEIM, 1993, p. Apud WELLER, 2005b). Por outro lado, o postulado do pensamento rom?ntico alem?o, de grande influ?ncia de Dilthey, postula que, para al?m do tempo mensur?vel, h? o tempo que ? vivido numa dimens?o intersubjetiva pelos sujeitos sociais. Essa perspectiva est? basicamente vinculada ? no??o qualitativa de tempo. Um tempo que ? experienciado para al?m de um tempo cartesiano, naquilo que se pode "?6-0#64,(%-0-(8%-0+,??6$<-(#6)&#)#:4=> Los individuos que crecen como contempor?neos experimentan !tanto en los a?os de gran receptividad como despu?s ! las mismas influencias directrices de la cultura intelectual que les moldea y de la situaci?n pol?tico-social. Constituyen una generaci?n, una contemporaneidad, porque esas influencias son unitarias. Se produce as? un vuelco: se pasa a considerar que, en lugar de ser un simple dato cronol?gico, la contemporaneidad significa, en la historia del esp?ritu, la existencia de influencias similares (MANNHEIM, 1993, p. 199) 3 . Como menciona Dilthey (MANNHEIM, 1993, p. 199), as intera??es subjetivas dos v?rios atores sociais s?o fundamentais para se definir uma gera??o, pois a mesma ? consequ?ncia de m?ltiplas influ?ncias vivenciadas por indiv?duos de uma mesma ?poca. Essas experi?ncias compartilhadas s?o definidas por fatores como: o per?odo espec?fico do nascimento e as condi??es socioecon?micas dos sujeitos sociais que ir?o contribuir para a forma??o de uma mentalidade espec?fica. Esses elementos, para Mannheim, definem o que $?,#4(&04(8$#)&4D<-("?(%/4$$?=> !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 3 As tradu??es dos textos de Mannheim j? foram objeto de v?rias cr?ticas, como considera Weller (2005) e Ros (1993). No caso das vers?es existentes em l?ngua portuguesa, a portuguesa (Editora R?s) e a brasileira (Editora Zahar, 1967) foram feitas a partir da vers?o inglesa publicada em 1952, em uma colet?nea com textos de Karl Mannheim ! Essays on the Sociology of Knowledge ! organizada por Paul Kecskemeti (Editora Routledge & Kegan Paul, p. 276-322), que teria como objetivo tornar a obra mais acess?vel ao leitor anglo-sax?nico, provocando, assim, uma mudan?a do vocabul?rio te?rico. Essa seria uma prov?vel explica??o das incorre??es quanto aos conceitos empregados originalmente pelo autor. Em fun??o disso, a vers?o mais pr?xima do sentido original da obra seria a vers?o espanhola, vers?o do artigo produzido por Ignacio S?nchez de la Yncera, publicada em 1993, na Revista Espa?ola de Investigaciones Sociol?gicas, traduzida diretamente do alem?o, REIS, n. 62, p. 147-192, abr/jun. 1993. ! 12 ! 13 A contraposi??o de uma proposta positivista de cunho matem?tico com a abordagem de ?mbito qualitativo deixa a quantifica??o e imerge na experimenta??o. A quest?o apontada anteriormente em rela??o ? sucess?o das gera??es ? posta nos termos das viv?ncias e dos riscos dos m?ltiplos atores sociais na contemporaneidade. Contudo, neste mesmo turbilh?o de sentimentos e estimas com os quais os indiv?duos se confrontam, se associam e se realizam, h? supostamente varia??es na constitui??o de gera??es dentro de um mesmo tempo hist?rico. 8b/(+-"?,("?/(c"?$)#6-(%-/?%)#:-3($?(/#.?,4(46)?()-"-(?6(/4( comunicaci?n y en la luc*4>(H-(Z&?(%-6$)#)&2?(?/(+,-+#-(4%-6)?%?,(%4.4/("?/(c$?,(4*C3(?$(?/( c"?$)#6-( %-0d63( #6"#:#"&4/0?6)?( "?$)#64"-( "?/( c$?,( 4*C3( ?6( 2( I&6)-( 4( $&( 5?6?,4%#R63( (MANNHEIM, 1993, p. 200). A conviv?ncia entre m?ltiplos indiv?duos em termos de idade e localiza??o, dentre outras vari?veis, estabelece diferentes tempos para uma mesma ?poca ou seja, uma experimenta??o da vida que tende a unir aqueles que t?m idades mais aproximadas num 8"?$)#6-( %-0&0=>( Y466*?#0( -.$?,:-&( ?$$4( +-$$#.#/#"4"?( "-( %-6:C:#-( "?( "#:?,$4$( gera??es 6&04(0?$04(F+-%4(?0(B#6"?,(?0($&4(+?,$+?%)#:4(8"4(6<-(%-6)?0+-,46?#"4"?( "-$( %-6)?0+-,e6?-$=>( b0( -&),-$( )?,0-$P( "?6),-( "?( &04( 0?$04( %,-6-/-5#4P( +-"?-se encontrar mais de uma realidade que tr?s consigo uma carga multidimensional pela diversidade de n?veis de matura??o e desenvolvimento de cada gera??o. 8J4"4(&6-(:#:?( con gente de su edad y con gente de edades distintas en una plenitud de posibilidades contempor?neas. Para cada uno el mismo tiempo es un tiempo distinto; a saber: una ?poca distinta y propia de F/P(Z&?($R/-(%-0+4,)?(%-6($&$(%-?)e6?-$=( (MANNHEIM, 1993, p. 200). Outro conceito de Pinder chamado entel?quia est? relacionado ? maneira como uma gera??o expressa um sentido de unidade, aquilo a distingue de outros grupos sociais em fun??o de seu prop?si)-P("?($&4(046?#,4("?(8?S+?,#0?6)4,(4(:#"4(6-(0&6"-=P(8$&4$( 0?)4$(C6)#04$=>(M?$$4(1-,04P(6<-(*V(6-(0&6"-(?S+?,#;6%#4(Z&?($?I4(*-0-5;6?4(1,?6)?(Q( complexidade da vida social. La unidad de una ?poca no tiene impulso dinamizador alguno, no cuenta con ning?n principio formativo unitario; carece, por lo tanto, de entelequia. Su unidad consiste, a lo sumo, en una situaci?n de afinidad en cuando a los medios que un mismo momento de tiempo pone a disposici?n de la generaci?n para las distintas tareas (MANNHEIM, 1993, p. 202). ! 14 Uma gera??o possui configura??es diversas que independem de la?os sociais ,?/4%#-64"-$(4(&0(85,&+-(%-6%,?)-=P(%-0-P(+-,(?S?0+/-A(4(140C/#4P(4(),#.-(-&(4($?#)4(4$$#0( como as associa??es de cunho comunit?rio ou qualquer institui??o que se organiza deliberadamente em fun??o de um fim espec?fico. Essa perspectiva dispensa a necessidade de uma espacializa??o para a configura??o de uma gera??o, pois muitos indiv?duos podem compartilhar de uma mesma conex?o geracional sem que necessariamente se encontrem ou se conhe?am para estarem conectados. Por outro lado, isso n?o implica um total desprezo da espacializa??o, pois, conforme discutiremos mais adiante, s?o os movimentos sociais materializados num tempo e espa?o constru?dos dentro de sua exist?ncia social e enquanto intelectuais contempor?neos que ir?o clamar por um reconhecimento social dentro de um sistema de m?ltiplas associa??es sociais. La conexi?n generacional es un ser los individuos unos con otros en el que se est? vinculado por algo; pero de esta adhesi?n no se deriva a?n, de forma inmediata, ning?n grupo concreto. Con todo, la conexi?n generacional es un fen?meno social cuyas propiedades tienen que ser descritas y comprendidas (MANNHEIM, 1993, p. 207). A identifica??o de uma gera??o ? feita atrav?s da observa??o da liga??o de la?os de solidariedade, determinada em fun??o de sua posi??o de classe e sua din?mica, que, por sua vez, est? associada ao ritmo biol?gico das sucess?es de vida e morte. Os indiv?duos que compartilham a mesma posi??o social em termos de classe e nascimento ser?o submetidos ao mesmo conjunto de experi?ncias frequentes e naturalizantes da a??o social condicionante de h?bitos e gostos. Por outro lado, uma excessiva ?nfase nos fatores ?%-6f0#%-$("4(%4)?5-,#4(8+-$#D<-("?(%/4$$?=(+-"?(%-0+,-0?)?,(?$)&"-$($-.,?(I&:?6)&"?( ao n?o levar em conta outras dimens?es da vida social que se articulam em outros n?veis, como os raciais e os relacionados ao g?nero. Num determinado contexto sociohist?rico, os sujeitos sociais que pertencerem ao 0?$0-(85,&+-("?(#"4"?=("?1#6#,<-(4("#6e0#%4("?(?6),4"4(?($4C"4("?(6-:-$(+4,)#%#+46)?$( dos sistemas sociais. Essa din?mica ? determinada pelo sistema et?rio e limitada a um tempo hist?rico. Dessa forma, justifica-se a transmiss?o de valores a uma nova gera??o que se incumbir? de ressignific?-los continuamente em novos sistemas de tradi??o. Al?m disso, um indiv?duo ? limitado a participar de uma ?nica configura??o geracional, dada a ! 15 limita??o de tempo associada a suas experi?ncias com outros indiv?duos na constru??o de uma identidade. La situaci?n de clase se fundamentaba en la correlativa existencia, en la sociedad, de una estructura econ?mica y de poder que est? en transformaci?n. Por su parte, la posici?n generacional (die generationslagerung) se fundamenta ?6(/4(?S#$)?6%#4("?/(,#)0-(.#-/R5#%-(?6(?/(8$?,(4*C=("?/(*-0.,?A(?6(/-$(*?%*-$("?( la vida y de la muerte y en el hecho de la edad (MANNHEIM, 1993, p. 208). O conceito de gera??o ? distribu?do em tr?s importantes subdivis?es que devem ser consideradas enquanto um conjunto: posi??o geracional, conex?o geracional e unidade geracional. A posi??o geracional relaciona-se ? possibilidade dos indiv?duos, enquanto grupos, vivenciarem certas experi?ncias em comum. A conex?o geracional est? relacionada ? experi?ncia propriamente dita da vida coletiva, estabelecida atrav?s de v?nculos concretos ou mesmo virtuais da vida social para al?m do sentido de uma posi??o geracional que est? relacionada a certas potencialidades de experi?ncia coletiva. Em rela??o ? unidade geracional, apesar de alguns autores defenderem a ideia de que h? uma conex?o geracional unificada, Weller considera que diferentes grupos sociais podem constituir unidades geracionais distintas, isso porque diferentes unidades geracionais como os jovens podem apresentar diferentes respostas frente as quest?es que lhes foram apresentadas no seu tempo hist?rico, resultando em diferentes estilos de :#"4P(0?$0-(%-0+4,)#/*46"-("-(0?$0-(c0?#-($-%#4/3(WELLER, 2005b, p. 11). Al?m disso, demonstram-se como as unidades de gera??o s?o os elementos mais pr?ximos dos grupos sociais propriamente ditos. Contudo, seu enfoque est? voltado para a interpreta??o das a??es sociais dos grupos em sua dimens?o mais expressiva, no contexto de uma gera??o determinada pelo conjunto de inten??es e pr?ticas vivenciadas pelos grupos sociais em seu processo de socializa??o. ! 16 1.2 O problema das gera??es enquanto sociologia da mudan?a social A discuss?o de Mannheim sobre o problema geracional se constitui numa refer?ncia fundamental para a compreens?o de uma sociologia contempor?nea (YNCERA, 1993). A terceira via te?rica frente ao positivismo e ao romantismo alem?o permite observar a constru??o de um problema verdadeiramente sociol?gico, que deve passar pela revis?o de abordagens te?ricas de car?ter fixo, que visam a defini??o de ritmos e leis gerais para din?mica geracional. Mannheim, ao lan?ar uma avalia??o cr?tica ?s proposi??es em diferentes contextos sobre o conceito de gera??es, oferece um significativo exemplo de uma sociologia do conhecimento, que observa as diferentes formas de se pensar o mesmo problema num determinado per?odo hist?rico. Al?m disso, o autor demonstra as din?micas que alteram as concep??es sobre o mundo social em cada pa?s em fun??o de v?rios fatores, tais como os pol?ticos. Portanto, as diferentes defini??es encontradas sobre o conceito de gera??o expressam simplesmente mais um evento num processo de competi??o social. Mannheim defende a perspectiva de que cada tempo definir? de modo polif?nico quais ser?o os elementos constitutivos de uma gera??o (YNCERA, 1993, p. 154). Para o autor, uma das principais discuss?es que perpassam o problema geracional ? a quest?o da mudan?a social (cultural) pensada a partir da quest?o geral da constru??o identit?ria no ?mbito das estruturas sociais. Uma identidade social ? constru?da a partir de #6)?,4DT?$($-%#4#$(6-(8$?,(%-0(-(-&),-=>(b$$4(%4+4%#"4"?($-%#4/(+4,4(4(#6)?,4D<-(?6),?( m?ltiplos indiv?duos permite a manuten??o das conex?es geracionais que s?o reveladas simultaneamente pelas posi??es de classe e tempo de nascimento. Observa-se em Mannheim a influ?ncia de m?ltiplas abordagens em seu construto te?rico, assim como em Simmel (1973) em rela??o ?s din?micas da socializa??o e dos indiv?duos no interior dos grupos sociais. A cultura para Mannheim (1993) ? apresentada como elemento estruturador da vida social, conforme definido por Weber (1999) e os problemas relacionados ? consci?ncia de classe, como no pensamento marxista. Al?m disso, para Mannheim sua abordagem interpretativa dos fen?menos sociais parte de um plano macrosc?pico, que implica a influ?ncia do pensamento hegeliano, que pensa a hist?ria a partir de um sentido estrutural. Essa perspectiva visa ? sistematiza??o de m?ltiplos fatores, o que uma abordagem em n?vel micro n?o seria capaz de evidenciar. Desta forma, o autor aponta para a relev?ncia de pequenos eventos na vida cotidiana que podem ser inclu?dos numa reflex?o sistem?tica, como j? demonstrava a psican?lise (YNCERA, 1993, p. 160). ! 17 A perspectiva sist?mica como abordagem de problemas sociol?gicos de base hegeliana aponta para o universo como uma estrutura compreens?vel a raz?o e completa ?6Z&46)-(&04()-)4/#"4"?>(J-6)&"-P(+4,4(Y466*?#0P(?0($&4(8%-6%?+D<-("?(0&6"-=P(6<-( h? uma estrutura un?voca, completa, dispon?vel para a compreens?o racional, mas, de fato, um conjunto de sistemas n?o totalmente estruturados, como se demonstra nos conceitos de 8?$+C,#)-("-()?0+-=(?("4(8?6)?/FZ(5?,4%#-64/=(?0(Z&?()?0-$(-,"?6$(#6%-0+/?)4$(Z&?( n?o partem de perspectivas 4+,#-,C$)#%4$("?(&04(8?$),&)&,4D<-(5/-.4/P(Z&?()40+-&%-($?( ?6%?,,4(6?/4=([g^JbE]P(W__@P(+>(WNKa>(B-,)46)-P(&0(0&6"-(+,?%4,#40?6)?(?$),&)&,4"-( altera-se em fun??o de suas especificidades hist?ricas que demandar?o diferentes modelos te?ricos para sua interpr?)4D<-P( -&( $?I4P( 8?$),&)&,4$( $#$);0#%4$=( %-0( $?&$( 6C:?#$( "?( 8:4,#4D<-=>(?,?6)?(4(#$$-P(41#,04-se que s?o as situa??es concretas vividas pelos indiv?duos coletivamente que determinar?o o sentido dial?tico da hist?ria. Uma gera??o, entendida enquanto din?mica de mudan?a social, se desenvolve a partir do conjunto concreto de alternativas que geram uma configura??o, um sistema de padr?es de comportamento social. Al?m disso, pode ser entendida como o sistema social e alterada por m?ltiplas interfer?ncias, tens?es na totalidade social. Dessa forma, os sentidos das a??es individuais devem ser concebidos dentro de um sistema organizado. Descobrir continuidade onde os outros veem somente descontinuidades, essa ? a miss?o do soci?logo. Este ? o ponto definidor da sociologia da cultura relevante para se entender o :4/-,($-%#-/R5#%-("-(8+,-./?04("4$(5?,4DT?$=> 1.3 No??es de gera??o e habitus: movimentos sociais como formas de estilos de vida e gosto O problema te?rico das gera??es se torna vis?vel atrav?s de sua manifesta??o em termos dos movimentos sociais, que propiciam outro n?vel de reflex?o sobre aportes te?ricos e metodol?gicos da sociologia, conforme discutiremos adiante. Al?m disso, os movimentos sociais, especialmente os movimentos juvenis, s?o relevantes para se entender a configura??o de uma gera??o, pois evidenciam, a partir de sua conduta enquanto sujeitos sociais, que participam de v?nculos de solidariedade e competi??o social, dentro de uma ! 18 unidade geracional. Os movimentos sociais, portanto, constituem um importante elemento de autoorganiza??o social dada a import?ncia das caracter?sticas concretas de cada conjuntura hist?rica de grupos de idade que est?o tentando redefinir seu papel social em termos de estilos de vida que eventualmente se lan?am num conflito geracional. Os movimentos sociais, como os de classes trabalhadoras e/ou os de mulheres, s?o exemplos de mobiliza??o social de grupos que buscam, a partir de seu autorreconhecimento, uma visibilidade, um reconhecimento social redefinindo o sentido de intelectualidade. Como j? referido, uma gera??o pode ser analisada empiricamente a partir de suas manifesta??es em termos dos diversos movimentos sociais, em especial aqueles organizados em torno da juventude. Portanto, cabe evidenciar que a juventude enquanto uma configura??o, uma categoria social se materializa a partir de diferenciados estilos de vida num determinado espa?o social. Bourdieu (2007), nesse contexto, traz importantes aportes em rela??o ao conceito de estilo de vida, o qual ? definido a partir do conceito de habitus 4 , que consiste num sistema de disposi??es mais ou menos dur?veis e que possui um potencial para a mudan?a e que, al?m disso, se expressa a partir de necessidades e desejos definidos dentro de um sistema objetivo de pr?ticas e representa??es sociais. Essas 8?$),&)&,4$( ?$),&)&,4"4$( Z&?( -,546#740( 4$( +,V)#%4$P( -( habitus ? tamb?m estrutura estruturante: o princ?pio de divis?o de classes l?gicas que organiza a percep??o do mundo social ?, por sua vez, o produto da incorpora??o da div#$<-( ?0( %/4$$?$( $-%#4#$=( (BOURDIEU, 1987, p. 191). Essa topologia social proposta pelo conceito de habitus localiza as posi??es dos indiv?duos sociais a partir de determinados estilos de vida. (...) o habitus, enquanto disposi??o geral e transpon?vel, realiza uma aplica??o sistem?tica e universal, estendida para al?m dos limites do que foi diretamente adquirido, da necessidade inerente ?s condi??es de aprendizagem: ? o que faz com que o conjunto de pr?ticas de um agente ! ou um conjunto de agentes que !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 4 Segundo Wacquant, o conceito de habitus ? originariamente utilizado por Arist?teles [hexis] e pela escol?stica medieval por Thomas de Aquino. Posteriormente, o conceito de habitus ? utilizado em diversos enfoques pela fenomenologia ocidental [Hussel , Merlau-Ponty]. Para Wacquant, encontra-$?(?0(h-&,"#?&(84( 04#$(%-0+/?)4(,?6-:4D<-("-(%-6%?#)-=("?$?6:-/:#"-(4(+4,)#,("?($?&$(?$)&"-$($-.,?($-%#?"4"?$(%40+-6?$4s, na Fran?a e comunidades cabilas, na Arg?lia, no seu !"#$%""&?()$*&?+,-./%&?(&?01?Pratique . WACQUANT, Loic. Notas para esclarecer a no??o de habitus. In: RBSE 6(16), 2007 [http://www.cchla.ufpb.br/rbse/WacquantArt.pdf]. ! 19 s?o sistem?ticas por serem o produto da aplica??o de esquemas id?nticos ! ou mutuamete convert?veis ! e ao mesmo tempo, sistematicamente distintas das pr?ticas constitutivas de um outro estilo de vida (BOURDIEU, 2007, p. 163). Para identificar, interpretar e avaliar aqueles tra?os que funcionam como estilos de vida, considera-se que os mesmos foram submetidos a diferentes processos de socializa??o. Isso ocorre de acordo com diversos condicionantes, como classe, g?nero e ra?a/etnia, entre outros. Eles estabelecer?o variados sistemas de distin??o e separa??o social frente a outros grupos. Al?m disso, os agentes sociais definem sua identidade enquanto um grupo espec?fico com sua din?mica de transforma??o ou acomoda??o, de acordo com a configura??o ou n?vel de interrela??o social com outros grupos. Tamb?m a? se encontram afinidades de estilo que s?o intercambi?veis entre diferentes grupos, como exemplo um estilo musical caracter?stico que ? apropriado em diferentes circunst?ncias por outros grupos de m?sicos, como o sampler de um trecho de uma m?sica rock que pode ser redefinido para uma batida rap. O estilo de vida torna-se evidente por tudo aquilo que nos rodeia em termos materiais e, al?m disso, pelas pr?ticas sociais em fun??o de recursos dispon?veis. Esses dois n?veis do opus operantum (conjunto das propriedades) e do modus operandi (conjunto de pr?ticas) definir?o o habitus %-0-(8&6#1#%4"-,("?()-"4$(4$(+,V)#%4$=>(b$$?$("-#$(4$+?%)-$( dos h?bitos s?o essenciais para a compreens?o de um elemento essencial na constitui??o de &0(?$)#/-("?(:#"4A(8-(5-$)-=>( O gosto, propens?o e aptid?o para apropria??o ! material e/ou simb?lica ! de determinada classe de objetos ou de pr?ticas classificadas e classificantes ? a f?rmula geradora que se encontra na origem do estilo de vida, conjunto unit?rio de prefer?ncias distintivas que exprimem, na l?gica espec?fica de cada um dos subespa?os simb?licos ! mobili?rio, vestu?rio, linguagem ou hexis corporal - a mesma inten??o expressiva (BOURDIEU, 2007, p. 165). Aqui se evidencia a defini??o do gosto como um sistema de status social, definidor de um estilo de vida que, assim como em Weber (2002, p. 191), revela um sistema de classifica??o social hier?rquico e seletivo em termos de acesso a bens materiais e/ou simb?licos adquiridos por indiv?duos que ocupam diferentes lugares dentro do sistema de classe e pr?tica social. A autovaloriza??o que um grupo atribui a si mesmo ou a outrem ! 20 est? direta ou indiretamente ligada ao impacto que o gosto compartilhado definido em termos de obten??o de algum lucro econ?mico ou simb?lico. Goffman (1989) atribuiu #0+-,)e6%#4($-%#-/R5#%4(Q(814%*4"4($-%#4/=(%-0-(?/?0?6)-(1&6"40?6)4/(+4,4(+4,)#%#+4,("4( encena??o social. Portanto, valores distintivos baseados numa rela??o de classe estabelecem diferentes experi?ncias em termos do acesso a experi?ncias de vida, al?m disso, esses valores ir?o definir diferentes formas de consumo cultural expressos em diferentes espa?os de diferencia??o social. Os diferentes espa?os sociais, articulados por seus respectivos estilos de vida, determinar?o um sistema de gosto. Al?m disso, a conforma??o dos agentes sociais, suas atitudes, tamb?m ir? configurar um tipo de corporeidade. Isso implica, no sentido social atribu?do a corpo, algo para al?m da pretensa conforma??o biol?gica e, ?s vezes, desumanizada de corpo. A partir de uma cosm?tica ou vestu?rio, o corpo gradualmente se 04)?,#4/#74(%-0(8),4D-$("#$)#6)#:-$=A(body piercings, tatuagens, penteados, modifica??es +-,(+,R)?$?$P(?6),?(-&),4$P(#,<-(8?$%&/+#,=(-(%-,+-P(:<-("?04,%V-lo em algum lugar das infinitas fronteiras da exist?ncia social. Trata-se do corpo como propriedade, como limite individual dentro de uma estil?stica. Essas configura??es est?o em jogo em fun??o dos recursos econ?micos e do meio cultural no qual se est? inserido. Produto social, o corpo ! d6#%4( 046#1?$)4D<-( $?6$C:?/( "4( 8+?$$-4=( ! ? comumente percebido como a express?o mais natural da natureza profunda: n?o *V($#64#$(+,-+,#40?6)?(81C$#%-$=i("?$)?(0-"-P(4(%-,P(4(?$+?$$&,4("-(.4)-0(-&(4( configura??o de uma m?mica, assim como a forma do rosto ou da boca, s?o #0?"#4)40?6)?( /#"4$( %-0-( C6"#%?$( "?( &04( 1#$#-6-0#4( 80-,4/=P( $-%#4/0?6)?( %4,4%)?,#74"4P(-&($?I4P(?$)4"-$("?(e6#0-(8:&/54,?$=(-&(8"#$)#6)-$=P(64)&,4/0?6)?( 864)&,4#$=( -&( 64)&,4/0?6)?( 8%&/)#:4"-$=>( j$( $#64#$( %onstitutivos do corpo percebido, produtos de uma fabrica??o propriamente cultural, cujo efeito consiste em distinguir os grupos de uma fabrica??o propriamente cultural, ou seja, de dist?ncia ? natureza, parecem estar baseados na natureza (BOURDIEU, 2007, p. 183). Apesar de Bourdieu n?o ter se dedicado a uma reflex?o mais sistem?tica em rela??o ?s implica??es do conceito de gera??o, traz algumas considera??es relevantes sobre a juventude e estilo de vida no espa?o social. Contudo, ao tratar do tema juventude, baseado ! 21 no conceito de habitus, o autor se limita a mencionar alguns aspectos relacionados ? faixa ?)V,#4(%-0-($#0+/?$0?6)?(8"#:#$T?$(4,.#),V,#4$=(?(8046#+&/4"4$($-%#4/0?6)?=>(]/F0("#$$-P( ?/?( #6%-,,?( ?0( %?,)-$( ?$)?,?R)#+-$( 4-( %-6$#"?,4,( -( 8?$)4"-( "?( I&:?6)&"?=( %-0-( 0?,-( 8?$)4"-("?(#,,?$+-6$4.#/#"4"?$=>(B-,(-&),-(/4"-P(F("?(?S),?04(,?/?:e6%#4(4(%-6%/&$<-(-.)#"4( a partir de sua considera??o da juventude como um construto social, que dever? ser posto diante de outro, como os velhos, para que desta forma se obtenha um contraste em termos de sistemas de identifica??es. Todavia, cabe chamar a aten??o para os riscos do exagero sociol?gico da aplicabilidade da teoria dos campos de batalha social entre os grupos sociais que vivem em diferentes ritmos de tempo soc#4/>(8](I&:?6)&"?(?(4(:?/*#%?(6<-($<-("4"-$P( mas constru?dos socialmente na luta entre os jovens e velhos. As rela??es entre idade $-%#4/(?(4(#"4"?(.#-/R5#%4($<-(0&#)-(%-0+/?S4$=([hjkEM\bkP(W_?@P(+>(WW@a> Sentidos de oposi??es entre diferentes posi??es em termos de tempo cronol?gico- biol?gico devem ser analisados dentro de suas demandas espec?ficas para que se possa "?1#6#,(Z&?(6C:?/("?(8%-0+?)#D<-($-%#4/=(?$)V(?0(I-5->(j(?S?,%C%#-(#6)?/?%)&4/("?($?(/46D4,( numa an?lise da juventude implica na num esfor?o redobrado para relativizar o olhar do 80&6"-(4"&/)-=(Q$(:?7?$(%4,,?54"-("?(?$)?,?R)#+-$(%-6$),&C"-$(?0(,?/4D<-(4-(8-&),-=P( 6?$$?( %4$-P( -( 8I-:?0=>( ]/F0( "#$$-P( 6-)40-se algumas semelhan?as entre a categoria 8%-6"#D<-("?(%/4$$?=P(?0(Y466*?#0P(?(-(habitus, em Bourdieu. De um modo geral, ambos tratam, ? maneira marxista, dos impedimentos materiais que determinar?o, cada um ao seu modo, uma gera??o para o primeiro e um habitus de classe para o segundo. ! 22 ! 23 C API T U L O 2 EST UD OS E T E O RI AS SO BR E A JU V E N T UD E N O S? C U L O X X E N O PR ESE N T E : U M A BR E V E R E V IS? O M#$%&)#,( 4/5&6$( "-$( +4,e0?),-$( 1-,04"-,?$( "?( &0( 8%40+-=( "4$( +?$Z&#$4$( sociol?gicas sobre a juventude ?, sem d?vida, uma tarefa complexa. Contudo, ? relevante expor de maneira breve alguns marcos definidores dos estudos sobre a juventude. Os primeiros esfor?os dentro de um empirismo sociol?gico para realizar estudos sobre a juventude datam dos s?culos XVIII. A fun??o social da juventude era se integrar ? sociedade maior, de modo a solidific?-la dentro de um sistema de valores prescritos. Isso implicava conhecer os limites das regras sociais que deveriam ser inculcadas desde o in?cio da vida, dados pela psicologia e dos primeiros estudos que tentavam seguir uma sistematicidade dita cient?fica (FLITNER, 1968). A viol?ncia, fruto de um mundo em franca transforma??o, em fun??o do industrialismo, acirrou problemas como a viol?ncia urbana nas suas diversas formas. A criminalidade juvenil, portanto, superava as marcas anteriores ? modernidade. As principais hip?teses eram centradas nas camadas pobres. Diversas perspectivas de cunho psicologizantes eram aplicadas no sentido de se reidentificar as causas da delinqu?ncia jovem e as poss?veis alternativas para sua supera??o (FLITNER, 1968, p. 41). Entretanto, no in?cio do s?culo XX, quando Staley Hall publica sua obra Adolescense (1904), passa-se a uma abordagem de cunho psicogen?tico sobre a juventude. Sua tese aferia que aspectos biol?gicos seriam definidores da constru??o de uma personalidade jovem, para isso recorria a t?cnicas probabil?sticas e estat?sticas para suas generaliza??es. Contudo, suas posi??es foram duramente criticadas por n?o admitir a relev?ncia da cultura como elemento na conforma??o das personalidades juvenis. Nos anos vinte, delineiam-se algumas reflex?es fenomenol?gicas que propiciar?o o surgimento do conceito de gera??es. A princ?pio, destaca-se Eduard Spranger (1924), baseado nos estudos sobre hermen?utica de Wilhem Dilthey, que considera que os aspectos do comportamento ps?quico do jovem deve ser articulado entre as puls?es internas de natureza biol?gica em conjunto com fatores de cunho social objetivos (FLITNER, 1968). Mais adiante, Mannheim publica sua obra sobre gera??es, em 1928, que constituir? um ! 24 marco decisivo na constitui??o de um campo de estudos sobre a sociologia da juventude como parte de suas reflex?es sobre sociologia do conhecimento e dos fatos culturais. 2.1 As velhas teorias: Escola de Chicago (1920-1940) e Teorias Funcionalistas (1950-1960) No contexto norte-americano, em especial aqueles relacionados ? Escola de Chicago, destacam-se alguns autores Thrasher (1927) e Shaw (1930), de Whyte (2005) cautor de A Sociedade de Esquina obra que se refere ao estudo da juventude urbana, nos anos 30 do s?culo XX. Nessa obra, que foi realizada atrav?s do conv?vio com gangues de jovens filhos de imigrantes italianos em uma regi?o segregada de Boston, o autor p?de desenvolver uma an?lise distinta das abordagens quantitativas, realizadas at? ent?o sobre os processos de urbaniza??o. Willian Foote Whyte foi um pesquisador que trouxe uma significativa contribui??o ? chamada pesquisa qualitativa em ci?ncias sociais, sobretudo, no que ficou conhecido no campo dos m?todos e t?cnicas como "observa??o participante". O ?mpeto reformista ! desenvolvido ainda no per?odo acad?mico ! leva Whyte a desejar pesquisar uma "comunidade pobre e degradada", a partir de sua vaga id?ia do que isso poderia representar em termos sociol?gicos. A reigi?o escolhida por Whyte numa regi?o pobre de Bosto foi denominada por ele com Cornerville, lugar onde se materializaria a Sociedade de Esquina. O autor buscou em suas observa??es definir a regi?o estudada em dois grupos de jovens de Cornerville, dividindo-a em rapazes da esquina e rapazes formados. Esses atores sociais revelam, ao longo de seus percursos, aspectos relevantes para a compreens?o de sistemas de status e diferencia??o sociais no espa?o urbano. Sua an?lise trouxe diversos elementos que permitiriam analisar a juventude em dimens?es relacionadas ? classe, bem como problem?ticas de g?nero e etnia para se entender outros n?veis da exclus?o e marginaliza??o por jovens imigrantes de ascend?ncia italiana. Ao se referir ?s rela??es de g?nero, exp?e v?rios tra?os do contexto sexista que regulavam esses encontros entre os jovens, como, por exemplo, a afetividade t?pica do ! 25 amor rom?ntico interage em outros momentos com o tom mis?gino de alguns garotos. Aspectos relacionados ? cultura e identidade italiana os lan?avam na tens?o racializante norte-americana, o que os levava a ser #"?6)#1#%4"-$(%-0-(&04(8,4D4=("#$)#6)4("-$(-&),-$( americanos em geral. Em rela??o ao problema da transi??o para o mundo adulto, Whyte considera que esse fator tende a levar ? desintegra??o da gangue. O autor acompanhou v?rios jovens membros de gangues para compreender como o fato de n?o se ter dinheiro e emprego intensifica o estigma da pobreza, associado ? vida na esquina, al?m da pouca instru??o escolar. Dessa forma, os jovens t?m que se submeter aos empregos tempor?rios pouco remunerados. Os rapazes formados, por sua vez, constituem uma minoria que superou o 6C:?/("?(8,4+47("?(?$Z@=(+-,(0?#-("?(&04(?"&%4D<-(&6#:?,$#)V,#4>(b$$?$(I-:?6$(?$)<-( voltados para o imagin?rio de ascens?o e mobilidade social do t?pico imagin?rio da classe m?dia norte-americana. Whyte se refere a algumas regularidades encontradas no cotidiano dos jovens. Para ele, as gangues resultam de rela??es habituais j? presentes na vida de seus integrantes, desde os primeiros contatos sociais na inf?ncia, quando viviam pr?ximos uns dos outros. A intera??o social, desta forma, ? vista a partir de sua experi?ncia de campo. Para ele, os clubes e as gangues possuem um equil?brio que se estabelece no momento em que seus membros, a partir da intera??o, internalizam os padr?es costumeiros de organiza??o de suas atividades 5 . Posteriormente, outras abordagens, como Parsons (1969), apostam no car?ter de ordem estrutural. O desenvolvimento econ?mico desigual numa sociedade extremamente competitiva exige uma maior prepara??o para o mundo do trabalho e uma maior escolariza??o que, entre outros fatores, prolongam a transi??o do jovem ao mundo adulto. Diante disso, podem ocorrer consequ?ncias como a redu??o de oportunidades no sistema produtivo e, portanto, o surgimento de tipos sociais n?o integrados, considerados 8"?$:#46)?$=> l?R,#%-$( %-0-( Y?,)-6( [W_G_a( %-6$#"?,40( 4( 8%,#$?( ?( 4( 14/;6%#4=( "?( 04,%-$( !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 5 TAVARES, B. Gangsterismo jovem: observa??o participante e a Escola de Chicago. In Sociedade e Estado. Bras?lia, v. 21, n. 3, p. 781-791, set./dez. 2006. ! 26 institucionais e normativos da sociedade moderna, em que as metas prescritas n?o s?o alcan?adas por certos indiv?duos. Esse fracasso social ocorreria em fun??o das restri??es de acesso aos mecanismos intitucionais de promo??o social como a Escola e o trabalho, causadoras da delinqu?ncia. Assim, as institui??es, como a fam?lia, a Escola, a Igreja e a comunidade, respons?veis pela forma??o e sociabiliza??o do jovem e por sua adapta??o ?s normas de conviv?ncia social frente ? exclus?o social geram a crise de valores e, consequentemente, a perda do idealismo frente aos obst?culos do sistema. S. N. Eisenstadt foi respons?vel pela implementa??o de v?rias pesquisas de cunho te?rico e emp?rico sobre as gera??es e juventude, al?m disso, ele foi influenciado pelo funcional estruturalismo norte-americano de T. Parsons e R. Merton. O autor interessado em problemas intergeracionais, discutido em seu trabalho mais conhecido sobre o tema From Generation to Generation (1971), considera que o surgimento da juventude, enquanto um grupo social espec?fico, ocorre quando n?o h? um perfeito ajustamento entre as regras sociais articuladas no interior da fam?lia. Age groups in general and youth groups in particular tend to arise under conditions of non-familial division of labor(...) in those societes whose main integrative principles are different from the particularistic principles governing family and kinship relations (EISENSTADT, 1971, p. X). Desta forma, considera-se que cada indiv?duo atravessa diferentes gera??es durante o seu tempo de vida. Essa premissa relacionada ao tempo de vida e ? defini??o de determinados est?gios geracionais ser?o debatidas exaustivamente pelo autor em sua obra. Em cada est?gio da vida, h? determinadas regras a serem seguidas dentro de pap?is sociais espec?ficos, como a crian?a, o adulto e o velho. Para o autor, apesar de n?o apresentar dados emp?ricos suficientes, esses est?gios em termos biol?gicos seriam praticamente os mesmos em todas as sociedades, contudo, eles seriam diversos, exatamente por serem definidos culturalmente. 8\6( ?:?,2( $-%#?)2( )*?( .4$#%( 46"( %-00-0( .#-/-5#%4/( 14%)$( 4,?( market by a set of cultural definition which ascribe to each age groupi65=([b\Ob^Ol]MlP( 1971, p. 23). ! 27 Na rela??o face a face, os indiv?duos assimilam seus pap?is de comportamentos a ser desempenhados a cada gera??o, portanto, em termos de socializa??o, a crian?a aprende com o adulto as regras de conforma??o que a levam, mais adiante, a negar a sua condi??o de crian?a. O adulto, dessa mesma forma, ir? assimilar o lugar de velho, com o passar do tempo (EISENSTADT, 1971, p. 24). ? interessante frisar que esse processo est? sempre baseado na l?gica da aceita??o das regras sociais pelo vi?s do adulto pela crian?a no ambiente interno ? fam?lia. H? expectativas, portanto, de que o jovem assimile dentro de um processo social difuso os valores correspondentes ?s fun??es sociais que se espera que este desempenhe. Ou nos termos do autor: 8]5?(5,-&+$(042(%-6$)#)&)?(4(.4$#%(#6$)#)&%#-64/( focus as far as the continuity and stability of the social system are concerned, and one of )*?(04#6(%*466?/$(1-,()*?(),46$0#)#-6(-1()*?($-%#4/(*?,#)45?=([EISENSTADT, 1971, p. 270). Por outro lado, dentro de uma l?gica social competitiva, quando os valores transmitidos pela fam?lia n?o permitem ao jovem alcan?ar plenamente o status social pretendido, ele passa a se articular dentro de grupos espec?ficos de gera??o (age groups). Consequentemente, todas as condi??es que lhe permitiriam o perfeito ajuste na estrutura social seriam consideradas como parte do processo de surgimento de grupos jovens articulados em torno de demandas espec?ficas, tais como econ?micas (trabalho, emprego, consumo). Alem disso as restri??es sociais estabelecido o autoritarismo pol?tico e a interdi??o e o controle do comportamento sexual dos jovens (EISENSTADT, 1971). De acordo com o que foi apresentado, a mudan?a geracional, como din?mica social e fator de sua integra??o, nem sempre oc-,,?("?(0-"-(c*4,0f6#%-3(%-61-,0?($?(+-"?( observar. Desta forma, Eisenstadt considera que a falta de realiza??o do jovem, no conjunto de possibilidades de inser??o social definidas como vi?veis, gera a cria??o de grupos de gera??o espec?ficos. Dentro dessas coletividades, o jovem encontra a possibilidade de compartilhar e minimizar suas frustra??es com outros indiv?duos que $-1,?,40( 4( 0?$04( 8$?5,?54D<-( $-%#4/=P( +-,( 6<-( )?,?0( $#"-( 4"0#)#"-$( 6&04( 5?,4D<-( 4$%?6"?6)?P(-&($?I4P(804#$(4"&/)4=>(b$$4(-,546#74D<-(+-de permitir que o mesmo encontre -(%40#6*-("4($&+?,4D<-("?($&4$(+?,"4$(?(4(%-6$?Z&?6)?(+,?+4,4D<-(+4,4(4(804)&,#"4"?("-( 0&6"-( 4"&/)-=P( -&( $?I4P( 4( $?0#-integra??o no sistema social (EISENSTADT, 1971, p. 293). ! 28 O enfraquecimento das rela??es de solidariedade no ?mbito familiar seria, portanto, a base para o conflito geracional que pode ser administrado no sentido de sua supera??o ou +-"?(5?,4,(-($&,5#0?6)-("?(85,&+-$("?$:#46)?$=P(-&($?I4P(4Z&?/?$(5,&+-$(?654I4"-$("?( modo a romper o legado secular transmitido dentro da esfera familiar. Os grupos desviantes se posicionam de modo a contrapor o comportamento esperado pelo mundo adulto que estrutura o sistema social. Ao n?o serem inclu?dos num sistema de valores e oportunidades, eles recriam suas demandas no sentido de marcarem uma oposi??o ante as institui??es oficiais voltadas para a juventude, como escolas, igrejas, programas juvenis "?$+-,)#:-$P(?6),?(-&),-$>(](,?1?,;6%#4("?(#045?0($-%#4/P(-&),-,4(.4$?4"4(6-(804#$(:?/*-=P( passa a ser negada numa rela??o de direta oposi??o. O autor classifica algumas categorias em rela??o ao comportamento jovem desviante, das quais podemos destacar tr?s: ! Grupos de jovens delinquentes surgindo no contexto de cultura de contato (culture contact). Consequente de uma desestrutura familiar que n?o viabilizou os elementos necess?rios para a transmiss?o de valores, que possibilitariam a matura??o dos indiv?duos. ! Grupos de delinquentes com diferentes n?veis de gradua??o, coes?o e organiza??o. Grupos que criticam alguns significados dos valores sociais, mas n?o prop?em uma ruptura. Como exemplo, cita-se a situa??o do jovem que migra de ?reas rurais para ?reas metropolitanas e com isso sofreria de algumas consequ?ncias sociopsicol?gicas adaptativas ou os estudantes que rejeitam a escola (EISENSTADT, 1971, p. 308). ! Movimentos rebeldes e organiza??es jovens de movimentos revolucion?rios e partidos. Desenvolvem uma ideologia jovem espec?fica com fins a uma ,?:-/&D<-(%-6)4(4(8:?/*4(-,"?0=(+?/-(,?I&:?6?$%#0?6)-("4(-,"?0($-%#4/( (EISENSTADT, 1971, p. 311). De fato a abordagem de Eisenstadt, apesar de seu apelo heur?stico no sentido de "?04,%4,( "#1?,?6)?$( %4)?5-,#4$( "-$( 85,&+-$( "?( 5?,4D<-=P( ),-&S?( &04( #0+-,)46)?( contribui??o para a constru??o da juventude enquanto categoria sociol?gica. Al?m disso, ampliou os horizontes da sociologia nos termos de observar determinadas rela??es de conflitos, parte integrante das estruturas sociais. Por outro lado, pode-se observar que ele ! 29 fez arriscadas generaliza??es a partir de um conjunto restrito de estudos comparativos de $-%#?"4"?$(%-6$#"?,4"4$(8+,#0#)#:4$=(+?/4(46),-+-/-5#4(%/V$$#%4(14%?(4$($-%#?"4"?$("#)4$( 8%#:#/#74"4$=( [EISENSTADT, 1971, p. 60), suas generaliza??es induzem a pensar que $-%#?"4"?$( %-0-(4(I&:?6)&"?("-$(m#.&)7($?I40(04#$(-,546#74"4$P(8"?$?6:-/:#"4$=(?0( rela??o aos considerados primitivos membros da tribo Neur da ?frica. Al?m disso, quest?es relacionadas ao g?nero, que adquirem import?ncia posterior nos processos sociais, passam despercebidas ao longo do texto, o que permite deduzir que se est? tratando de um universo masculino heterossexual. O autor se dedica tamb?m a estabelecer certas assimetrias entre o comportamento de classe entre a juventude alem? e israelense dos Kibutz. Segundo Eisenstadt, os jovens, no caso os rapazes, comp?em estes grupos 8#61-,04#$=>( b/?$( ?$)<-( 04#$( :-/)4"-$( Q$( rela??es vicinais ou do conv?vio no ambiente escolar. A transitoriedade de uma etapa geracional para outra ter? diferentes tempos em fun??o da classe social. Nesse caso, os jovens pobres tenderam a entrar no mundo adulto devido ? precoce inicia??o sexual e o consequente interesse pelo casamento. Novamente, o autor parte de hip?teses que refor?am um lugar comum com rela??o ? juventude de classe oper?ria, ao consider?-la mais propensa ? desorganiza??o e a atividades delinquentes (EISENSTADT, 1968, p. 65). Por outro lado, os jovens de classe m?dia, por sua vez, j? tender?o a ter um posicionamento 04#$( 8-,546#74"-=P( %-0( :#$)4$( 4( +/46?I4,( &0( 1&)&,-( ?( $?( #6$?,#,( 6-( $#$)?04( "?( +4+F#$( sociais previsto. Para os jovens do kibutz, a institucionaliza??o e regulamenta??o representam valores relevantes ao lado do senso de hierarquia dentro da organiza??o (EISENSTADT, 1971). 2.2 Estudos Culturais (anos 1970) No contexto europeu, o Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), na Universidade de Birmingham, na Inglaterra, tornou-se uma refer?ncia naquilo que ficou conhecido como estudos culturais nos anos 70 do s?culo passado. Stuart Hall participou da cria??o do centro, em 1964, que tamb?m foi integrado por outros intelectuais, tais como ! 30 Edward P. Thompson, Raymond Williams e o primeiro diretor do Centro, Richard Hoggart. O Centro se dedicava aos estudos relacionados ? teoria da cultura, associada em alguns momentos ao compromisso pol?tico-democr?tico. Os campos de estudos do centro se constitu?ram de forma interdisciplinar e inclu?am diversas abordagens te?ricas. Estudavam-se quest?es relacionadas ? televis?o e consumo associado a quest?es de g?nero, ra?a/etnia e classe social. Havia combina??es entre estudos de literatura comparada e etnografia. Nesse contexto, os estudos sobre a juventude e as subculturas brit?nicas, realizados por Paul Willis, foram bastante difundidos (WILLIS, 2004). Paul Willis foi o membro do CCCS que se destacou no que se refere aos estudos sobre a juventude e sua inser??o nos processos de mudan?a social. Sua obra mais conhecida nos estudos culturais e na sociologia foi Learning to labour (1977), Aprendendo a ser trabalhador (1991), que destaca a transi??o, da escola para o mundo do trabalho, da juventude de origem oper?ria. Willis observou em seu trabalho etnogr?fico como a escola inserida num sistema de domina??o voltado para a forma??o de trabalhadores n?o era +?,$&4$#:4>( j$( I-:?6$P( 6?$$?( %-6)?S)-P( 4$$&0#40( &0( %-0+-,)40?6)-( "?( 8-+-$#D<-=( marcado pelo desprezo pela escola. Portanto, eles se voltam ao culto de seus grupos de afinidade pessoal definido num estilo de vida peculiar, isso como consequ?ncia de o jovem reconhecer as desigualdades como parte de um sistema econ?mico capitalista, que n?o oferece condi??es iguais de mobilidade social. Willis combina, em seu estudo sobre educa??o jovem, aspectos relacionados ? estrutura social e cultura a partir de uma abordagem etnogr?fica. Sobre os estudos do CCCS, pode-se afirmar que o mesmo era pautado em duas diferentes escolas. A mais velha delas, de cunho psicol?gico, estava centrada em discutir como os indiv?duos fazem a transi??o da inf?ncia para a maioridade na vida adulta. O jovem era pensado enquanto adolescente envolvido no processo de matura??o sexual e assimila??o das obriga??es relativas ao mundo adulto (emprego e casamento). A segunda tradi??o, de abordagem sociol?gica, estava voltada para a fun??o social da fase da juventude com ?nfase nos movimentos jovens, que seguiam o mesmo sistema de status (peer groups) e gangues. O foco desses estudos estava relacionado normas, valores e cren?as poderiam ser pertinentes para se analisar estabilidade e mudan?a social (ABMA, 1991). ! 31 2.2.1 Subculturas jovens sob uma perspectiva cr?tica Na segunda metade dos anos 70, no Reino Unido, surge uma nova abordagem que n?o inclu?a as tradicionais abordagens de cunho psicol?gico e sociol?gico da juventude. Ao inv?s disso, essa nova abordagem deriva de uma historiografia de inspira??o marxista combinada com uma antropologia cultural. Em termos hist?ricos, essa nova perspectiva de estudos das subculturas adv?m primeiramente de uma tradi??o dos estudos culturais promovidos pelo CCCS e, em segundo lugar, de uma criminologia cr?tica produzida pela Confer?ncia Nacional sobre Desvio (Social) (National Deviance ConferenceaP(Z&?(%-0.#64:4(04,S#$0-P(84.-,"45?6$( 40?,#%464$=(?(&04(8)?-,#4("4(,?4D<-($-%#4/=([n-o4,"(h?%p?,aP(4/F0("?(&04(#61/&;6%#4("-( interacionismo e da etnometodologia. Para desenvolver o conceito de estilo, diversos autores como Willis (1977), Brake (1985), Murdock (1976) e Hebdige (1979) estudaram a antiga teoria da subcultura da Escola de Chicago, bem como a etnografia. Outros autores, tais como Clarke, Hall e Jefferson (1976) focaram-se mais nas quest?es sobre as aplicabilidades da teoria marxista. Portanto, cabe assinalar que havia uma intensa discuss?o entre culturalistas e estruturalistas. M&,46)?(-$(46-$(KX(?(NXP(4(8%&/)&,4(I-:?0=(?,4("?1#6#"4(+?/4(+?,$+?%)#:4("-($?,( adolescente e gradualmente passa a ser definida em termos de outras especificidades. A 8I&:?6)&"?=(+4$$4(4($?,(%-6$#"?,4"4(4(+4,)#,("-$($?5)?$(4),#.&)-$A(#"#-04P(?$)#/-($-%#4/(?( tipos de divers?o e lazer. Amparadas por pol?ticas do bem-estar social, a chamada generation gap transformou o sentido de classe social anteriormente baseado em fatores econ?micos. A juventude passaria supostamente a se posicionar enquanto uma nova classe em oposi??o ao mundo adulto (FRIEDENBERG, 1969; ROWNTREEW & ROWNTREEW, 1968). Por outro lado, outros autores (CLARKE et al., citados por ABMA, 1991, p. 100) consideraram essa perspectiva como um mito, porque por tr?s do estado do bem-estar social os conflitos de classe continuavam presentes de modo muito evidentes na juventude. Os jovens continuavam se agrupando em torno de valores de classe, o que os define como algo mais espec?fico em uma subcultura. Essa din?mica de grupos de jovens de classe ! 32 trabalhadora se evidencia por dois fatores: primeiro, pelo fim de formas tradicionais de sociedade com o advento do capitalismo moderno, segundo, pelo surgimento de uma ind?stria jovem (teenage industry) voltada para compreender como o jovem gastava seu tempo livre em atividades de lazer. Tudo isso gerou um segmento para jovens de classe trabalhadora, incluindo-se a cria??o de espa?os, como discotecas, clubes jovens, concertos de rock, entre outras atividades de lazer. Esses elementos compuseram a cria??o de uma autoconsci?ncia da gera??o jovem. Essa consci?ncia da nova gera??o expressava-se numa variedade de subculturas, dependendo do grau de proximidade com os tradicionais padr?es de cultura parental. Essas subculturas, por um lado, criavam uma ponte, imagin?ria e simb?lica, entre tradi??o e modernidade. Al?m disso, elas resistiam ? infiltra??o e ? supress?o de cultura da classe trabalhadora pela cultura dominante. Sua cultura de protesto n?o era verbal, tampouco pol?tica, contudo, era manifestada em rituais pelo idioma e apar?ncia da juventude. Nesses termos, um estilo pode ser considerado como uma mistura de elementos advindos da cultura do lazer para a juventude nos termos de uma ind?stria jovem. Como forma para descrever isso, Clarke (1976a) recorreu ao termo bricolage, do estruturalismo "?(H?:#$(O),4&$$P(Z&?($?(,?1?,?(-,#5#64,#40?6)?(%-0-(1-,04$(0V5#%4$(&)#/#74"4$(+-,(8+-:-s +,#0#)#:-$=(+-"?0($?,(:#$)4$(#6),#6$?%40?6)?("?(0-"-(%-?,?6)?P(8,?%-.,#6"-=($?&(&$&V,#-( de significados. Os objetos e as pr?ticas nesse contexto s?o capazes de promover uma infinita extens?o, porque elementos b?sicos podem ser utilizados numa variedade de combina??es improvisadas, fonte geradora de novos significados (CLARKE, 1975) que ser?o contrastados na rela??o face a face com outros estilos culturais. Cohen (1972), por sua vez, menciona quatro componentes essenciais para o desenvolvimento do estilo subcultural: vestimenta, m?sica, ritual e linguagem. Apesar da influ?ncia de uma ind?stria cultural, havia a possibilidade de ressignifica??o desses bens materiais por parte dos seus consumidores para al?m da cultura dominante. Cabe assinalar que nem todas as subculturas estavam alinhadas como uma perspectiva de classe oper?ria, mas se definiam tamb?m por sua capacidade de cria??o de grupos espec?ficos. ! 33 2.2.2 Mercado de bens culturais, estilo e autenticidade Marcadamente, o CCCS era alvo de avalia??es quanto a supostas limita??es de suas propostas pelos seus cr?ticos (MURDOCK, 1967). Uma das principais cr?ticas diz respeito Q( +,?1?,;6%#4( "-( JJJO( +-,( +?$Z&#$4,( ?$)#/-$( ?( $&.%&/)&,4$( 84&);6)#%-$=( "4( %/4$$?( trabalhadora. Clarke (1976) era de fato consciente do limite do conceito de subcultura %-0-(4/5-(84&);6)#%-=("?:#"-(Q(?S+?,#;6%#4(,?4/#74"4(?0(+?$Z&#$4$($-.,?(teddy boys, os mods, the rockers, os skinheads etc. Al?m disso, a id?ia de subcultura remetia a algo ? parte da cultura em geral que n?o tivesse participa??o em outros n?veis da estrutura social. Sob essa perspectiva, a maioria da juventude de classe trabalhadora est? al?m do escopo da 4.-,"45?0("4(%4)?5-,#4(8$&.%&/)&,4=>(b$$4(I&:?6)&"?(+-$$&#,#4()40.F0(-&),4$(1-,04$("?( resist?ncia atrav?s da delinqu?ncia. Outra cr?tica recorrente era (MURDOCK & Mc CRON, citados por ABMA, 1991, +>(WXqa(Z&?P(4+?$4,("4("?1#6#D<-("?(%&/)&,4(%-0-(&0(80?#-("?(:#"4()-)4/=P(+,#0?#,40?6)?( se localizava subcultura no dom?nio do lazer, o que estabelece uma situa??o incongruente, j? que cultura de classe do jovem repercute em outros espa?os, como na escola e no trabalho, conforme demonstrou Willis (1977). O sentido atribu?do ao conceito de subcultura pelo CCCS consistiu na busca de ?$)#/-$( I&:?6#$( 8"#$)#6)-$( ?( 4&);6)#%-$=P( Q revelia de um mercado produtor de bens simb?licos obtidos por espec?ficos grupos juvenis da classe trabalhadora, durante a realiza??o de atividades no tempo dispon?vel para o lazer. Segundo o CCCS, as aut?nticas subculturas se mobilizariam para manter a dist?ncia desse processo de assimila??o mercadol?gica (CLARKE et al., 1976). Contudo, uma s?rie de autores questiona essa posi??o, pois os teds, mods, rockers, skinheads, subculturas consideradas aut?nticas, n?o foram de fato pesquisadas at? que seus estilos fossem descobertos pelo mercado. Portanto, aquele tipo de assertiva n?o encontrava sustenta??o emp?rica, haja vista que a maioria das atividades de lazer considera, implicitamente, que em geral o tempo de lazer consumido pela juventude de classe trabalhadora j? era influenciado pela ind?stria desprovida de elementos de protestos, ou seja, j? estava inserido numa cultura de massa que n?o era 8"#$)#6)4=P()40+-&%-(84&);6)#%4=([YkEMjJmP(W_UNa>(H-5-P(#$$-(/?:4:4(Q(%-6%/&$<-("?( que n?o h? autenticidade na cultura de massa, porque o mercado est? presente, interferindo na constru??o dessa imagem de juventude nas diversas subculturas desde seu princ?pio. ! 34 Esse tipo de interpreta??o ? resultado da confronta??o entre diferentes posi??es marxistas. Para alguns, a no??o de conflito de classes ? algo que se encontra desatualizado. Nesse caso, acredita-se numa id?ia rom?ntica em que a juventude da classe trabalhadora representa uma subcultura revolucion?ria. Aqui a diferen?a entre a moda apresentada pelo mercado de bens simb?licos e a autenticidade seria observ?vel atrav?s de categorias advindas do estruturalismo de L?vi-Strauss como: homologia que consiste na identifica??o do grupo por aqueles elementos distintivos criados numa combina??o espec?fica, definida como bricolagem. Essas categorias que podem ser visualizadas pelo seu discurso, est?tica corporal, entre outros elementos criados internamente pelo grupo. Essas categorias, por outro lado, ser?o objeto de interesses dos empreendedores do mercado de bens de consumo para a juventude. 2.2.3 Sexo ou classes j&),4( /4%&64( 6-( Z&4",-( l?R,#%-( "-( JJJO( %-6$#$)?( 6-( /&54,( "4$( 854,-)4$=( 6-( sentido das rela??es de G?nero. Cr?ticas feministas apontam que nas publica??es do Centro como resist?ncia pensada enquanto ideais nos estudos de Willis lidam exclusivamente com o lado masculino das subculturas. Em verdade, sabe-se que h? v?rios tra?os de cultura sexista na juventude prolet?ria, contudo, h? v?rias quest?es sobre como as garotas participam nas subculturas jovens criando suas pr?prias manifesta??es, que n?o foram discutidas mais profundamente. Clarke (1976) relaciona essas quest?es com outro tema pouco abordado pelo CCCS, que diz respeito ? sexualidade e ? paix?o juvenis. A paix?o cria a possibilidade imagin?ria de lidar com quest?es contradit?rias na cultura parental, algo que pode se manifestar na forma de uma subcultura. Isso de certa forma envolve garotos e garotas. Enquanto o estilo espec?fico escolhido tem aparentemente suas ra?zes na tradi??o da cultura dos pais, o verdadeiro motivo para os rapazes da classe trabalhadora se vestirem e se comportarem de determinada forma tende a expressar aspira??es jovens tais como, 8?$)4,(%-0(-$(40#5-$=(?(+4,4(#0+,?$$#-64,(-($?S-(-+-$)-( (ABMA, 1991). ! 35 Pode-se afirmar que h? diversos autores, como Whitt, (1985), Mcrobbie (1991), Levinson (1996) e Arnot (2002), que demonstram uma cegueira para os estudos do CCCS sobre as rela??es de g?nero, sex-blind, estabelecida desde que se considerou a juventude da classe oper?ria como algo internamente homog?neo. O foco nos jovens de sexo masculino ignorou as formas particulares de sexismo na constru??o da masculinidade. Segundo Arnot (2002), ocorre uma maior frequ?ncia de estudos sobre socializa??o e g?nero nos Estados Unidos que no Reino Unido, pa?s de origem dos estudos culturais. H? uma resist?ncia quanto ? investiga??o da ?rea de g?nero e ra?a nos estudos culturais brit?nicos, apesar de outras estruturas de desigualdades serem inclu?das como algo afetado pelo exagero dos efeitos da divis?o de classe. Consequentemente, os estudos de g?nero se desenvolveram separadamente aos estudos que priorizavam as classes sociais. Ainda hoje, n?o se observa um impacto consider?vel desses estudos sobre as abordagens de cunho universalista como feito sobre classe social. O pr?prio CCCS, que aparentemente rompeu com uma s?rie de tradi??es nas pesquisas das ci?ncias sociais, argumentando em favor de uma nova abordagem para al?m da fam?lia e da economia, pouco pesquisou sobre as suas correspondentes implica??es de g?nero. A vantagem em se estabelecer uma perspectiva alternativa, em que a pol?tica econ?mica seja inversa a teorias culturais, est? na possibilidade de se revelar a diversidade social no interior de uma mesma classe. Al?m disso, torna-se relevante a an?lise da natureza da hegemonia da classe ao se discutir quest?es educacionais (LEVINSON, 1996). De fato, o que passa a ficar mais evidente ? que os garotos e garotas da classe oper?ria compartilham algumas experi?ncias na escola, como os valores da disciplina e conformidade, e estranhamento da cultura escolar, bem como, o ceticismo quanto ? possibilidade de mobilidade individual e social prescrito pela escola. Alguns pesquisadores t?m em comum a preocupa??o em demonstrar que tipos de rela??o podem ser estabelecidas entre teorias sobre reprodu??o da classe social e as divis?es de g?nero. O cerne de pesquisas com ?nfase marxista e feminista est? em se desenvolver uma reflex?o sobre uma economia pol?tica da educa??o da mulher, que seja capaz de superar as limita??es de uma simples teoria cultural de g?nero. Para isso, alguns estudos sofreram influ?ncia de Althusser (1998), no que se refere a sua discuss?o dos ! 36 aparelhos ideol?gicos de estado e sua rela??o com a reprodu??o da for?a de trabalho e as rela??es sociais de produ??o (ARNOT, 2001). Para os estudos feministas, enfatizou-se a escolariza??o como parte do processo da divis?o sexual do trabalho, que segrega homens e mulheres. Contudo, internamente ? classe explorada ? mantida uma hierarquia masculina que se manifesta no ambiente de trabalho, bem como na vida dom?stica. Esses espa?os expressam de modo direto formas de opress?o e explora??o e, da mesma forma, criam culturas de resist?ncia em ambos os lados, para homens e mulheres. 2.2.3 Abordagens qualitativas no ?mbito do C C CS Apesar de o CCCS ter, por um lado, desenvolvido diversas pesquisas emp?ricas, ele ? criticado por ter desenvolvido um quadro te?rico mal estruturado para uma an?lise das subculturas atuais. Contudo, a rela??o do CCCS com a produ??o de um quadro te?rico anal?tico est? pautada basicamente na pesquisa qualitativa, fortemente influenciada pela Escola de Chicago, com observa??o participante e entrevistas abertas. A influ?ncia da tradi??o hermen?utica leva adiante a perspectiva de que mais do que $#0+/?$0?6)?(8)?$)4,=( uma teoria, o cerne de uma pesquisa est? em demonstrar seu valor heur?stico. A identifica??o de classe com as culturas definidas como produto da a??o humana aliada ? prefer?ncia pela etnografia e observa??o participante s?o tra?os distintivos do CCCS. Al?m disso, o engajamento em correntes de esquerda marxista que marcaram sua pol?tica cient?fica estava contra tradi??es de pesquisas da pedagogia social e da sociologia da juventude, que estavam sob influ?ncia de abordagens funcionais estruturalistas nos anos 60 pautadas em pesquisas amostrais quantitativas. Portanto, $?5&6"-(-$(%,C)#%-$("?$$4$(4.-,"45?6$P(#$$-(/?:4:4(-(+?$Z&#$4"-,(4(&04(8+?,"4("-()4)-=( com seus objetos de estudo, ou seja, n?o havia um contato mais aproximado com os sujeitos sociais pesquisados. Diante disso, o CCCS postulou uma nova abordagem da $&.%&/)&,4P( Z&?( #6%-,+-,-&( &0( 8,?)-,6-( +4,4( -( 0&6"-( "4( :#"4( "-( I-:?0=P( %-0-P( +-,( exemplo, atrav?s da observa??o participante (ABMA, 1991, p. 108). ! 37 O CCCS se posicionava intelectualmente de modo a negar o moralismo intr?nseco nas pol?ticas de bem-estar social para moldar e ajustar a juventude. Por outro lado, a excessiva ?nfase ? classe social e o recorte das pesquisas centradas nas subculturas, tidas %-0-( 5,&+-$( 84&);6)#%-$=P frente ao sistema econ?mico, limitaram o alcance dessas abordagens em rela??o a outras juventudes que n?o necessariamente se constroem nessa rela??o de oposi??o ao mercado ou ? moda. Em outros termos, o CCCS enfatizou seus primeiros estudos nas juventudes 8?$+?)4%&/4,?$=P(?0($?&$(),4D-$(04,%46)?$("?("#$)#6D<-( $-%#4/P("?#S46"-("?(1-,4(&0(/4,5-($?50?6)-("4Z&?/?$(I-:?6$("#)-$(86-,04#$=>( Apesar da dificuldade do CCCS de demarca??o de um campo te?rico de pesquisa e da resist?ncia que alguns setores acad?micos t?m em rela??o ? aplicabilidade de uma metodologia marxista, pode-se afirmar que as pesquisas sobre juventude continuam sendo norteadas pelas contribui??es dos Estados Unidos e do CCCS. Al?m disso, o CCCS ficou conhecido por uma nova abordagem cr?tica iniciada no debate e com correntes dominantes de uma sociologia e psicologia do adolescente. Essa posi??o foi baseada num criticismo reunido em torno da promessa de uma nova perspectiva de teoria e pesquisa 846)#.&,5&?$4=(?(846)#+-$#)#:#$)4=P(Z&?($?(-+&6*4(Q generaliza??o de uma imagem negativa da juventude. ! 38 ! 39 2.3 Juventude enquanto categoria social no Brasil J? nos idos dos anos 50 e 60, quando o Brasil j? supunha estar em pleno desenvolvimentismo econ?mico, com um setor industrial em expans?o, cresce a no??o de que o Brasil, assim como a Am?rica Latina, teria se inserido numa ordem capitalista. Ao mesmo tempo, surgem diversas cr?ticas, que evidenciavam, apesar do franco "?$?6:-/:#0?6)-P( Z&?( -( h,4$#/( %-6)#6&4:4( %-0( &04( 5,46"?( +4,%?/4( "?( 8"?$)#)&C"os $-%#4#$=P(%-61-,0?(??,646"?$([W_NUa>( Assim, o Brasil, em vias de sua moderniza??o, deveria sob o novo discurso hegem?nico avan?ar em seu processo de democratiza??o das institui??es sociais. Nesse contexto, a juventude universit?ria, identificada com perspectivas pol?ticas de esquerda, busca um envolvimento com os movimentos sociais das classes trabalhadoras. Desta forma, caberia a esse grupo estruturado nos movimentos sociais e nas universidades 8rst14/46"-( 4-( +-:-( [4( ,?$+?#)-( "-$( +,-./?04$( "-( +-:-aP( -( intelectual passava a ser 8+-:-=(?P(+-,(%-6$?5)?P($?()-,64:4($?&(8+-,)4-:-7=(?(?6)<-(#6)?/?%)&4/("4($-%#?"4"?P(6<-( intelectual da anti-$-%#?"4"?=( [ORTIZ, 1985, p. 72)>( ]( .&$%4( "-$( 8$?6)#0?6)-$( "4$( 04$$4$=P( 4$$#0( %-0-( 845#,( ?0( 6-0?( "-$( #6)?,?$$?$( "-( +-:-=P( +4$$-&( 4( $?,( 4( 6-:4( abordagem das quest?es sociais da ?poca. [...] Ir por todos os meios, ao encontro do povo, ensin?-lo e deixar-se ensinar por ele, fundir-se com ele e, ao mesmo tempo, oferecer-lhe um espelho onde pudesse descobrir a imagem do que era, apesar de ainda n?o o saber: a pr?pria na??o. l&"-(-(Z&?(+,?)?6"#40(-$(8+?6$4"-,?$=("-(\Obh([\6$)#)&)-(O&+?,#-,("?(b$)&"-$( h,4$#/?#,-$P(%,#4"-(+-,("?%,?)-(?0(W_KKa(?,4(1-,0&/4,(-(8$?6)#0?6)-("4$(04$$4$=( (P?CAUT, 1990, p. 108). Diversos movimentos sociais passaram a ser identificados como movimentos de uma juventude, tida ?s vezes como inconformada ou rebelde. Nos Estados Unidos, estudantes se organizam num movimento pela liberdade de express?o, Free Speech, em 1964, e, segundo alguns intelectuais, chegam a influenciar posteriormente os referenciais ! 40 para o movimento estudantil, em 1968, na Europa (SEARLE, 2008). Mais adiante, a luta pelos direitos civis contra o regime racista baseado na leis da era Jim Crow 6 e o movimento pacifista contra a guerra do Vietn? levaram milhares de estudantes a se associar e a se unir a outros ativistas, como os afroamericanos e latinos, para ocuparem as ruas, bem como o espa?o das universidades. Na Europa, o movimento dos estudantes parisienses de maio de 1968, em Sorbonne, irrompeu uma s?rie de manifesta??es de protestos por mudan?as no sistema estudantil, bem como nos valores d? ?poca, como quest?es geracionais associadas ? rela??o de classe, g?nero e ra?a/etnia. Posteriormente, os estudantes obtiveram apoio de diversas inst?ncias dos movimentos sociais franceses, com especial ?nfase do movimento oper?rio, que na ocasi?o iniciou um movimento grevista em fun??o de sua pauta reivindicat?ria (HOBSBAWM, 1994). M?(14)-P(%-0(#61/&;6%#4("#,?)4(-&(6<-("4$(8.4,,#%4"4$(1,46%?$4$=P("iversos pa?ses europeus tiveram manifesta??es de cunho reivindicat?rio estudantil, tais como: na Alemanha Ocidental, influenciada por movimentos ambientalistas e novas correntes do feminismo, na It?lia, pelo movimento maggio rampante, com a ades?o do operariado, na ex-l%*?%-$/-:VZP(%-0(4(8B,#04:?,4("?(B,454=P(0-:#0?6)-(%-6*?%#"-(+?/4("?1?$4("?( mudan?as pol?ticas contra o recrudescimento do socialismo (HOBSBAWM, 1994). Os ecos desse ativismo pol?tico, que est?o relacionados a eventos em n?veis transnacionais, eclodiram todo um sentimento de miss?o e de mudancismo nas estruturas sociais latino-americanas, inclusive na sociedade brasileira, expresso pelo setor universit?rio, em especial pela ades?o dos jovens aos Centros Populares de Cultura ! CPCs, ligados ? Uni?o Nacional de Estudantes ! UNE. Toda essa efervesc?ncia pol?tica e intelectual vivida pelo Brasil atinge diversos n?veis (HOLLANDA, 1982). Esses !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 6 A era Jim Crow trata de um conjunto de leis estaduais, institu?das nos estados do sul dos Estados Unidos, de base racista, que separavam diversos grupos ?tnicos, como negros, latinos e asi?ticos, da popula??o branca. Dentre as v?rias determina??es da lei, estavam aquelas que exigiam a cria??o de escola e de outros espa?os p?blicos, como trens e ?nibus, separados para brancos e negros. Posteriormente, essas leis foram consideradas inconstitucionais pela Suprema Corte Americana, em 1954, e mais adiante foram combatidas pelos movimentos pelos direitos civis norte-americanos. Para maiores detalhes, veja-se McMillen, Neil, Dark Journey, Black Mississippians in the age of Jim Crow. Illinois Books, 1990. ! 41 movimentos em geral defendiam ideais revolucion?rios e contr?rios ao regime militar iniciado em 1964. Diversas manifesta??es estudantis levaram ? ocupa??o do espa?o universit?rio, com especial destaque para as Universidades de S?o Paulo e de Bras?lia, que foram ocupadas e sofreram com a rea??o da pol?cia da ?poca. Diante disso, em termos sociol?gicos, o surgimento da categoria juventude ocorreu de modo diverso da tend?ncia da ?poca, voltada para outros estudos relacionados ? condi??o de classe no Brasil, como fazia o ISEB. O jovem no Brasil apareceria, inicialmente, a partir de uma sociologia das elites especificamente centrada nos estudos sobre a classe m?dia universit?ria. Ocorre, naquele caso, a constru??o generalizada do jovem universit?rio, como assinalou Bourdieu (1968), onde h? um enfoque das representa??es sociais dessa juventude em rela??o a uma cultura hedonista e id?lica. As regras sociais seriam frouxas em detrimento da ?nfase no lazer. Para esse jovem fora das limita??es impostas pelo ritmo das jornadas de trabalho, que estabelecem um controle preciso do tempo t?pico do mundo adulto, n?o h? datas nem hor?rios r?gidos a serem cumpridos. Esse jovem se lan?a na recusa do mundo adulto de se submeter ao processo socializador que o mundo do trabalho lhe reserva. Em diversos artigos dessa gera??o de autores, al?m de criar certos estere?tipos em rela??o ao suposto desinteresse pela pol?tica do jovem das classes trabalhadoras, tamb?m invisibilizava-se toda uma densidade das rela??es sociais orientadas por din?micas relacionadas, como as quest?es de g?nero e ra?a. Iani (1968) 7 tamb?m abordou o jovem universit?rio, sob a perspectiva das classes m?dias. Geralmente esses estudos chegavam a %-6%/&$T?$( ?0(Z&?($?(%-6$#"?,4:4(-(I-:?0(&6#:?,$#)V,#-( 804#$(+-/#)#74"-=P(-&(+-,()?,( acesso a mais informa??o, ou pelo pr?prio contexto acad?mico, que suscita a reflex?o da qu?$)<-(+-/C)#%4("?(&04(046?#,4(04#$(8+,-1&6"4=(?0(,?/4D<-(4-(-+?,V,#-($?0#4/14.?)#74"-( das f?bricas. No caso brasileiro, parte dessa juventude tratada nas an?lises assumiu, em contextos autorit?rios como o do regime militar da segunda metade do s?culo XX, a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 7 Veja-se IANNI, O. O jovem radical. In: BRITO, S. (Org.). Sociologia da juventude, I. Rio de Janeiro: Zahar, 1968, p. 225-242. ! 42 80#$$<-=( +-,( ,?4/#74,( 4( ),46$1-,04D<-( "-( +4C$P( +-,( 0?#-( "-( 0-:#0?6)-( ?$)&"46)#/( "?( %4,V)?,(,?:-/&%#-6V,#->(b$$?$(8,4"#%4#$=(6-,04/0?6)?(4":#6"-$("4$(%#;6%#4$(*&0464$P(Z&?( seguiam de maneira intensa seus ideais de transforma??o social, n?o o faziam por sofrerem as consequ?ncias objetivas do sistema econ?mico, das quais s?o cr?ticos, mas por serem influenciados por uma ideologia esquerdista que circulava nos meios universit?rios. Isso ? preponderante para se manter um sistema de distin??o social. Por um lado, uma elite intelectual universit?ria, que chamava para si a responsabilidade de lideran?a pautada em perspectivas universalizantes de transforma??o social de um marxismo europeu. Por outro, havia o povo semialfabetizado, prolet?rio, composto de uma massa homog?nea e considerado incapaz de se organizar politicamente (IANNI, 1968, p. 180). O jovem universit?rio, conforme priorizado nos primeiros estudos sobre juventude no Brasil, ser? em estudos pesquisadoras como Marialice Foracchi (1972). A autora pioneira nos estudos sobre juventude no pa?s traz uma s?rie de contribui??es em termos de an?lise dos processos de socializa??o e inclus?o da juventude no mundo adulto, bem como mostra como esse processo pode ser conflituoso em fun??o da rebeli?o que comp?e o comportamento jovem. Foracchi (1972) analisou, baseando-se na perspectiva de Mannheim, como uma mesma situa??o de classe propicia uma gera??o com valores semelhantes, como no caso dos estudantes universit?rios. Al?m disso, a autora considera que a relativa condi??o de liberdade pelo desprendimento do mundo do trabalho garantido +?/-(4+-#-(1#646%?#,-(4":#6"-("?($&4$(140C/#4$("?(%/4$$?(0F"#4(-$(147#4(04#$(8/#:,?$=(+4,4( $?("?"#%4,?0(4(Z&?$)T?$(%-0-(4(0#/#)e6%#4(+-/C)#%4>(?-,4%%*#(#"?6)#1#%4(&04(86-:4(%,#$?=( com-(%-6$?Z&;6%#4("?(&04($&+-$)4(804,5#64/#74D<-()?0+-,V,#4=P("4"4(4(%-6"#D<-("?(%,#$?( vivida pelo estudante, ou seja, n?o ser mais adolescente e tampouco adulto, aquele que enfrenta de frente a vida imposta pelo sistema (FORACCHI, 1972, p. 30). ](8,?%&$4(+?/-($#$)?04=(?$)V(,?/4%#-64"4(Q(+-$$#.#/#"4"?("?(,?4/#74D<-("?(0?)4$( ainda n?o alcan?adas previamente pelas gera??es anteriores, que pode passar at? pela "?$),&#D<-( "-( $#$)?04( 4)&4/>( ]( 4&)-,4( %-6$#"?,4( -( I-:?0( &6#:?,$#)V,#-( %-0-( -( 804#$( $?6$#.#/#74"-=P(+-,F0 -(80?6-$(+,?+4,4"-=(+4,4(,?4/#74,(4$(0&"46D4$(Z&?(+,-+T?>(B-,( outro lado, ela refor?a ainda estere?tipos sobre o suposto baixo n?vel de envolvimento que os jovens de origem trabalhadora demonstram pelo pelo interesse no engajamento pol?tico, j? que os mes0-$(4":;0("?(&0(40.#?6)?("?(8+-.,?74(%&/)&,4/=([?jE]JJn\P(W_UqP(+>( 44). ! 43 Durante as d?cadas de 50 e 60 do s?culo XX, o desenvolvimentismo como discurso pol?tico do Estado brasileiro, perante uma grande parcela da popula??o de exclu?dos, leva os setores universit?rios, ocupados por jovens das camadas m?dias e identificados com ideologias pol?ticas de esquerda da ?poca, a assumir um posicionamento de atores pol?ticos, que deveriam estar envolvidos nos movimentos sociais da ?poca. Diante disso, cria-se um senti0?6)-( "?( 80#$$<-( +-/C)#%4=( "-( I-:?0( &6#:?,$#)V,#-P( :-/)4"-( +4,4( 4$( transforma??es das estruturas sociais como j? ocorria nas manifesta??es estudantis em outros pa?ses da Europa e Am?rica. Esses processos influenciaram o enfoque dado pelos primeiros estudos sobre uma sociologia da juventude no exterior (BRITO, 1968) e no Brasil, em virtude da ?nfase numa juventude dos setores m?dios. Contudo, esses mesmos estudos, conforme Ianni (1968) e Marialice (1972), reproduziram uma abordagem universalista, na qual jovens de outros estratos sociais, como aqueles da juventude da classe trabalhadora, eram invisibilizados enquanto sujeitos pol?ticos mediante hip?teses que apontavam para um suposto desinteresse ou mesmo uma incapacidade dos mesmos no sentido de alguma mobiliza??o de cunho pol?tico reivindicat?rio. 2.3.1 Um novo paradigma da juventude nos anos 90: viol?ncia e criminaliza??o ! Uma abordagem sobre os estudos da Unesco Ap?s os estudos de Foracchi (1972) e Ianni (1968), pode-se considerar, de um modo geral, que houve uma lacuna no que se refere 84( ?$),&)&,4D<-( "?( &0( %40+-( consolida de estudos sobre juventude apesar da produ??o de teses e disserta??es no ?mbito da p?s gradua??o brasileira. Durante os anos oitenta e noventa, foram publicados alguns trabalhos baseados na perspectiva dos estudos culturais e, por conseguinte, sobre subculturas, com destaque para algumas publica??es como nos estudos sobre o movimento punk no Rio de Janeiro (CAIAFA, 1985) e S?o Paulo (ABRAMO, 1994) e da cultura da festa funk, no Rio de Janeiro (VIANNA, 1988). ! 44 Contudo, a retomada da juventude enquanto tem?tica de estudos num n?vel mais abrangente ocorrer? pela inser??o dos estudos desenvolvidos pela Unesco no final dos anos 90. Essa institui??o alocada no Brasil estabelecer? uma articula??o no que se refere ao campo institucional de pesquisas sobre juventude, bem como no que se refere ? cria??o e implementa??o de pol?ticas p?blicas voltadas para o jovem, que culminar?o na cria??o de aparatos institucionais como a Secretaria Nacional de Juventude, em 2005 (CASTRO, 2005). A interven??o da Unesco, enquanto agente internacional polarizador, na esfera intelectual e pol?tica, ser? catalisada a partir da redefini??o da categoria juventude, passando pela perspectiva da viol?ncia e cidadania e do protagonismo jovem. De fato, a Unesco historicamente vem desenvolvendo atividades que assimilam aspectos das pesquisas com vistas a definir planos de a??o intervencionista. Dessa forma, ela objetiva conhecer e intervir no contexto no qual est? inserida para a difus?o daquilo que se %-6$#"?,40(:4/-,?$("?0-%,V)#%-$P(4(+4,)#,("4(#6$)4&,4D<-("?(8&04(%&/)&,4("?(+47(?(6<-( :#-/;6%#4=>( b$$?$( :4/-,?$( $?,#40( "#1&6"#"-$( 4( +4,)#,( "?( +,-5,404$( ?0( +4,%?,#4( %-0( -( 9-:?,6-(??"?,4/(?(-$(b$)4"-$P(%-0-(-(8].,#6"-(b$+4D-$A(%-nstru??o de uma cultura de +47=([J]OlEjP(qXXKP(+>(K?a> A entidade realizou tamb?m v?rios eventos em torno da tem?tica da juventude, o que permitiu uma articula??o entre membros da elite pol?tica, tanto em n?veis locais como nacionais, e a aproxima??o da esfera acad?mica. Esses campos pol?tico-acad?micos, ao serem articulados, foram capazes de colaborar com a constru??o para um novo sentido de juventude, a exemplo da divulga??o da Unesco de alguns resultados de suas pesquisas sobre o tema, como feito nas publica??es: Jovens Acontecendo na Trilha das Pol?ticas P?blicas e Juventude, Viol?ncia e Cidadania (CASTRO, 2005). Al?m disso, a Unesco financiou diversas pesquisas em n?vel regional nos anos subsequentes 8 . Essas publica??es, em geral, seguiram a mesma orienta??o te?rico-metodol?gica !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 8 As pesquisas da Unesco, iniciadas em 1996, se chamaram respectivamente Juventude, viol?ncia e cidadania: os jovens de Bras?lia (1998a), Mapa da Viol?ncia (1998b), ambos coordenados por J?lio Waiselfisz. Juventude, Viol?ncia e Cidadania: Gangues, galeras, chegados e rappers: juventude, viol?ncia e cidadania nas cidades da periferia de Bras?lia (2001), coordenado por Miriam Abramovay; Juventude, viol?ncia e cidadania na cidade de Fortaleza (1999), coordenado por C?sar Barreira; Os jovens de Curitiba: esperan?as e desencantos (1999), coordenado por Ana Luisa Fayet Sallas; Fala galera: juventude, viol?ncia e cidadania na cidade do Rio de Janeiro (1999), coordenado por Maria Cec?lia de Souza Minayo. ! 45 durante a realiza??o das pesquisas, a ?nica ressalva fica para o Mapa da Viol?ncia (1998b), uma pesquisa quantitativa de abrang?ncia nacional, que se tornar? uma refer?ncia para muitos estudos posteriores sobre o tema. Esse montante de publica??es expressa o sentido de uma mobiliza??o de um grupo de intelectuais no caminho da (re)defini??o de um campo de pesquisa, difusor de imagens e conceitos em rela??o ? juventude enquanto categoria social e enquanto objeto de pesquisa, que ultrapassa o campo intelectual em dire??o ? luta pol?tica pelo reconhecimento dessas novas abordagens. Associada a essa mobiliza??o, estava a inten??o da Unesco de implementar a??es intervencionistas na esfera das pol?ticas p?blicas para a juventude. Essas publica??es foram ainda decisivas no que se refere ? consolida??o da Unesco enquanto entidade de pesquisa, que, por sua vez, propiciaram que a mesma adquirisse uma posterior inser??o no campo da elabora??o e execu??o de pol?ticas de interven??o, baseada em seus conceitos de juventude, viol?ncia e cidadania. Nesse contexto, a publica??o Os jovens de Bras?lia (1998), de J?lio Waiselfisz, pode ser considerada uma publica??o-piloto, que permitiu o estabelecimento de articula??o entre diversas institui??es, bem como uma reconstru??o conceitual do que vem a ser juventude. De fato, a decis?o de se pesquisar os jovens de Bras?lia se deu em fun??o do marcante assassinato do ?ndio patax?, Galdino Jesus dos Santos, ocorrido na cidade, cometido por jovens de classe m?dia alta. O livro propunha a quebra de vis?es do senso comum sobre a juventude, em especial das classes mais abastadas. Al?m disso, o autor discute como a viol?ncia juvenil vem sendo abordada pela perspectiva da juventude pobre e marginalizada. Era uma proposta que nos dava a oportunidade de refletir sobre muitos de nossos pr?prios estere?tipos. T?nhamos nos acostumado a pensar a viol?ncia como ,?$&/)4"-("#,?)-("4(0#$F,#4>(j$(+?,#5-$(?(#6$?5&,46D4$(:#6*40("-$(8+-.,?$=(r>>>t( o caso Galdino e este estudo posterior nos demonstram que a viol?ncia, em sua express?o atual, permeia o conjunto da vida social. [...] ? uma quest?o global e globalizada que aparece como um dos sintomas da nossa modernidade [...] ? nesse campo que a pesquisa juventude, viol?ncia e cidadania objetiva contribuir: melhorar nosso entendimento da juventude atual, no marco das mudan?as e transforma??es que a vida moderna est? a impor (WAISELFISZ, 1998a, p. 7-8). Waiselfisz (1998) realiza uma pesquisa qualitativa com jovens oriundos do Plano Piloto e cidades-sat?lites, na qual s?o discutidas quest?es relacionadas ? cidade de Bras?lia, ! 46 ? vida familiar, bem como respostas sobre valores como cidadania e viol?ncia. O autor, al?m disso, busca outros subs?dios em ?ndices de homic?dios para definir a viol?ncia causada pelo jovem a partir de organiza??es criminosas e subculturas juvenis. Essas seriam 4$(,47T?$(+4,4(-(8$?6)#0?6)-("?(0?"-=(?(814)-,?$("?(,#$%-=>(]("?1#6#D<-("?(:#-/;6%#4(F(1?#)4( de maneira ampla e dif?cil (CASTRO, 2005). O autor define a viol?ncia enquanto um problema de teoria social e da pr?tica pol?tica. Para efeito desta pesquisa, considera-se viol?ncia como parte da pr?pria condi??o humana, aparecendo de forma peculiar de acordo com os arranjos societ?rios de onde emergem. Ainda que existam dificuldades e diferen?as naquilo que se nomeia como viol?ncia, alguns elementos consensuais sobre o tema podem ser delimitados: no??o de coer??o ou for?a; dano que se produz em indiv?duos ou grupo social pertencente a determinada classe ou categoria social, g?nero ou etnia (WAISELFISZ, 1998a, p. 145). As pesquisas da Unesco refor?am uma cultura acad?mica que mant?m o enfoque de pesquisas sobre juventude sob uma perspectiva quantitativa, como se observa em Abramovay (1999), bem como em outras institui??es, como a Perseu Abramo (2003). Nessas pesquisas, tornam-se evidentes quest?es que n?o priorizam aspectos das representa??es coletivas produzidas pelos jovens no contexto de sua vida cotidiana. Da mesma maneira, n?o se consideram aspectos relacionados a g?nero, ra?a/etnia. O resultado ? que, ao se omitirem quest?es dessa natureza, ocorre uma invisibilidade de certos atores $-%#4#$>( ]/5&6$( ),4.4/*-$( Z&?( 6-,04/0?6)?( %*?540( Q( %-6%/&$<-( "?( &04( 8$?6$4D<-( "?( "?,,-)4=($?6)#"4(+?/-(I-:?0P(?0(?$+?%#4/(- de grupos pobres, geram consequ?ncias diretas no que se refere ? sua cultura pol?tica. Essas pesquisas est?o vinculadas normalmente a uma orienta??o te?rica que n?o contempla aspectos vivenciais dessa juventude. Para a Unesco, o principal argumento no sentido da constru??o da juventude se assemelha ?s abordagens baseadas na no??o de papel social e fun??o social desviante. Dessa forma, a viol?ncia ? resultado da desintegra??o do jovem na estrutura social. A falta de integra??o, e pessimismo s?o consideradas como as princiais fatores que propiciam o surgimento de novas formas subculturais. Al?m disso, Castro (2005) menciona fatores para o avan?o de pr?ticas criminosas, como o desenvolvimento das sociedades modernas, o acelerado ritmo de urbaniza??o, dentre outros. A pobreza segue como fator gerador de desigualdades e do n?o acesso ? educa??o ou emprego, entre outros. Portanto, a busca da ! 47 emancipa??o pela oposi??o ao mundo adulto ? contrabalanceada por movimentos estudantis reivindicat?rios e delinqu?ncia, que leva a associa??o da categoria jovem, ao mesmo tempo, ? condi??o de autor e v?tima da viol?ncia. Quando a defini??o de juventude e de jovem se interpenetra com os fen?menos da viol?ncia, observa-se um esquema diferente. O jovem deixa de ser pensado com-( &0( $?50?6)-( ?0( 8),46$#D<-=( ?( F( #"?6)#1#%4"-( 4( +4,)#,( "?( $?&$( comportamentos e pr?ticas, passando a ser considerado v?tima ou agressor de atos de viol?ncia e tornando-se, portanto, um sujeito pol?tico importante. O ator da viol?ncia ! que n?o havia ainda sido definido, como visto no eixo viol?ncia ! encontra no eixo juventude a sua materialidade (CASTRO, 2005, p. 154). Possivelmente um pa?s como o Brasil sofreria mais com essa crise, dada a profunda desigualdade econ?mica, resultado perverso de seu r?pido desenvolvimento observado nas ?ltimas d?cadas. Desta maneira, no que se refere ? retomada de estudos sobre a juventude, nos anos 90, pode-se afirmar que a mesma esteve associada ? participa??o da Unesco na forma??o de uma nova expertise que desenvolve uma s?rie de abordagens no campo da pesquisa social, com vistas a propor a??es intervencionistas no campo das pol?ticas p?blicas para a juventude (CASTRO, 2005). A id?ia era redefinir o jovem e a juventude num campo discursivo, de modo a produzi-lo enquanto u0(8+,-)45-6#$)4=P(-&($?I4P(&0(4)-,($-%#4/( capaz de apresentar respostas aos problemas de viol?ncia sofridos e cometidos pelos jovens na contemporaneidade. O protagonismo ? constru?do ent?o como uma pedagogia democr?tica e pacificadora, como nos lembra a co6)#6&#"4"?( "4( ?+C5,41?A( 8Nessa concep??o, educar ? criar espa?os reais para que os jovens possam empreender a constru??o do seu ser em termos pessoais e $-%#4#$=([J]OlEjP(qXXKP(+>(@WXa> A Unesco protagonizou, portanto, a retomada da juventude como uma tem?tica sociol?gica, dialogando com distintas esferas, desde pol?tico-governamentais at? setores relacionados ? produ??o de pesquisas e, por conseguinte, de discursos sobre a juventude. Tentando apontar para o problema da viol?ncia num n?vel pluriclassista, de um modo geral, a quest?o da viol?ncia, sofrida e cometida pela juventude, enquanto um reflexo das condi??es de classe, continuar? a permear os discursos dos estudos subsequentes. ! 48 ! 49 2.3.2 Para as juventudes do presente Apesar dos n?meros crescentes de publica??es e do surgimento de grupos de trabalhos que enfatizam de alguma maneira a categoria juventude como um referencial para se pensar em processos de socializa??o e geracionais, ainda n?o representam al?m da constitui??o de um campo estruturado de pesquisadores em rela??o ao tema (SPOSITO, 2000). Al?m disso, muitos desses estudos ainda trabalham com abordagens lineares que se restringem a uma descri??o superficial dos estilos de vida jovem. Poucas s?o as abordagens que tentam reconstruir trajetR,#4$(8+R$-/#6?4,?$=(I&:?6#$(4(+4,)#,("-("#$%&,$-( dos pr?prios jovens, como salientam Dayrell (2005) e Pais (2005). Atualmente, algumas publica??es t?m chamado aten??o para a juventude para al?m de dicotomias entre economia e cultura, para isso, observa-se alguns trabalhos que relacionam ? juventude e trabalho e pr?ticas est?ticas, com especial ?nfase para a juventude pobre e trabalhadora e seu envolvimento com a cultura urbana, como o hip-hop (SPOSITO, 1994). Ademais, abordagens em rela??o ao consumo e ? sociabilidade urbana de jovens de periferia t?m contribu?do sobremaneira para a redefini??o dos estudos geracionais sobre juventude, outrora centrados numa ?tica da juventude de classe m?dia (NUNES, 2007). Diante da busca pela compreens?o das novas formas de vida que uma gera??o imprime atrav?s da materializa??o de uma juventude, verifica-se, a exist?ncia de uma pluralidade de sujeitos sociais por vezes invisibilizados numa condi??o subalterna, mas que estabelecem suas estrat?gias criadas na fronteira da instabilidade desse mundo prec?rio, em termos das velhas expectativas mobilidade e controle social, descritas nas abordagens mais tradicionais do funcionalismo. A tens?o do mundo contempor?neo exige a criatividade para a compreens?o das culturas juvenis (PAIS, 2005). Apesar de seu potencial anal?tico, a categoria juventude seguiu uma tradi??o 8&6#:?,$4/#$)4=P( ?0( )?,0-$( "?( $&4$( 4.-,"45?6$( ?0+C,#%4$>( j$( ?$)&"-$( $-.,?( I&:?6)&"?( pouco foram empregados em estudos relativos ? ra?a/etnia e g?nero. Desta forma, ? recorrente uma invisibilidade de atores sociais, tais como mulheres e negros. Weller (2005) argumenta que uma maior inser??o de v?rias ?reas de estudos sobre as culturas juvenis contempor?neas permitiria uma reavalia??o da no??o de juventude para uma supera??o de ! 50 &04(%-0+,??6$<-(8+,F-$-%#4/=>(b$$4(%-0+,??6$<-($?(,?1?,?(4(&04(#6)?,+,?)4D<-(,?$),#)4P("?( .4$?( .#-/R5#%4P( &0( 14)-,( "?)?,0#646)?( "?( &04( 8%,#$?=( 6-( +,-%?$$-( "?( ),46$#D<-( "4( juventude para o mundo adulto. Se quisermos entender o que vem a ser juventude e como ela ? vivida de fato pelos adolescentes e jovens de ambos os sexos, ser? necess?rio dedicar maior import?ncia ?s descri??es e narrativas dos atores envolvidos associada ? reflex?o te?rico-metodol?gica e ? an?lise rigorosa dos dados emp?ricos (WELLER, 2005, p. 7). Em outros termos, para uma amplia??o da capacidade explicativa da categoria juventude, se faz necess?ria a supera??o de certos estere?tipos anal?ticos, localizados unicamente na juventude europ?ia, branca, heterossexual, das classes abastadas. Assim, paralelamente ? apresenta??o desses v?rios postulados, observa-se que a categoria juventude se constitui de um modo diverso como aqui se apresentou, numa pequena amostra dessa diversidade. Por outro lado, pode-se afirmar que, nas perspectivas 04#$( +,?"-0#646)?$P( -( $?6)#"-( "?( I&:?6)&"?( 4#6"4( F( "?1#6#"-( +?/-( $?6)#"-( "?( 8$?,( "?$:#46)?=P(8,?.?/"?=P(4/:-("?(+,-5,404$(-1#%#4$("?(8#6%/&$<-=(-&(8,?$$-%#4/#74D<-=(-&P(?0( -&),4$(4.-,"45?6$P(%-0-(8+,-)45-6#$)4=(),46$1-,04"-(?0(845?6)?=("?(),46$1-,04D<-("e programas sociais definidos sob a perspectiva do mundo adulto. Al?m disso, houve ),4"#%#-64/0?6)?(&04(;614$?(6-$(?$)#/-$(I&:?6#$(8?$+?)4%&/4,?$=P(0?0.,-$("?($&.%&/)&,4$P( -( Z&?( ?$)4.?/?%?( &0( $?6)#"-( "?( I&:?6)&"?( %-0-( &0( $&I?#)-( $-%#4/( 8?SR)#%-=P( ?0( permanente conflito com as gera??es mais velhas. Dessa forma, nesta d?cada, observa-se o retorno do tema Educa??o, mas com ?nfase na juventude de ensino m?dio ou que esteja fora da escola e do mercado de trabalho. H? tamb?m um foco na diversidade ao se abordarem identit?rias, de g?nero e ?tnico-raciais. ! 51 C AP? T U L O 3 O M ? T O D O D O C U M E N T ? RI O C O M O R E F E R ? N C I A PA R A O EST UD O D AS O RI E N T A ? ? ES C O L E T I V AS D A JU V E N T UD E H IP-H OP Para o desenvolvimento da problem?tica sobre a cultura jovem hip-hop em Ceil?ndia foram enfocados aspectos da hist?ria e da trajet?ria de alguns grupos de jovens que se re?nem em fun??o do rap. A intera??o social dos jovens no espa?o urbano foi analisada a partir do m?todo document?rio de interpreta??o, criado pelo soci?logo h?ngaro Karl Mannheim. Essa proposta ter? um referencial te?rico metodol?gico na avalia??o dos dados emp?ricos produzidos mediante entrevistas, observa??o participante, bem como a partir de produ??o e coleta de materiais audiovisuais. O m?todo document?rio de interpreta??o foi desenvolvido por Mannheim (1990), para a an?lise da categoria weltanschauungP(8:#$<-("?(0&6"-= 9 . Trata-se de um esfor?o te?rico para se desenvolver uma sociologia da cultura que vai atribuir uma importante ?nfase aos aspectos qualitativos das orienta??es coletivas dos grupos sociais. A weltanschauung resulta "?( 8&04( $F,#?( "?( :#:;6%#4$( -&( "?( ?S+?,#;6%#4$( /#54"4$( 4( &04( mesma estrutura que, por sua vez, constitui-se como base comum das experi?ncias que +?,+4$$40(4(:#"4(?0(0d/)#+/-$(#6"#:C"&-$=([Y]^^nb\Y(4+&"(ubLLER, 2005, p. 264). Mannheim (1990) objetivava estabelecer um m?todo interpretativo influenciado +?/4(8*?,0?6;&)#%4(,-0e6)#%4=P("?(u#/*?m Dilthey, produzida entre o final do s?culo XIX e in?cio do s?culo XX, que distinguisse a l?gica do conhecimento entre as ci?ncias naturais e ci?ncias humanas. Ele considerava que compreender (Verstehen) para as ci?ncias sociais ?(4(*#$)R,#4(#0+/#%4,#4(&0(8),4.4/*-("?(/?#)&,4("4($#)&4D<-("?(46V/#$?("-(%-6)?S)-(4-(Z&4/(4( a??o ou cren?a pertencem, compreendendo-as sob a ?tica de outras a??es e cren?as *#$)-,#%40?6)?(%-6$),&C"4$=([OJjJk9H\]P(qXXqP(+>(qKWa>(j&),4$(4.-,"45?6$(de cunho compreensivo nas ci?ncias sociais ocorrem na obra de autores como Max Weber, na fenomenologia de Alfred Schutz, na dramaturgia de Erving Goffman, entre outros. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 9 A categoria 8vis?o de mundo= (weltanschauung) pode eventualmente ser associada a outras express?es como, representa??es ou representa??es coletivas, entre outras categorias, que remetam a conceitos e explica??es advindas da vida di?ria no processo din?mico das intera??es individuais. ! 52 u?//?,( [qXXqa( 464/#$4( -( %-6%?#)-( "?( 8:#$<-( "?( 0&6"-=P( ?0( Y466*?#0P( %-0-( instrumento para compreens?o das a??es dos indiv?duos de um determinado grupo. As vis?es de mundo n?o podem ser constru?das aleatoriamente como teorias dessa forma essas pr?ticas s?o constitu?das a partir do conhecimento a)?R,#%-=>( M?$$4( 1-,04P( 4( conceitualiza??o te?rica se constitui em instrumento para a compreens?o das a??es coletivas que produzem esse conhecimento ate?rico. Para o autor, as experi?ncias do mundo da cultura devem ser entendidas a partir de categorias pr?prias, mas distintas da teoria enquanto tal. Refletir teoricamente, ou seja, traduzir em teoria um fen?meno de natureza sui generis, como express?es da subjetividade de uma juventude, significa voltar-se para dimens?es pr?-te?ricas, ao n?vel da exist?ncia cotidiana. Nesse contexto, h? uma clara tentativa de supera??o da dicotomia entre a reflex?o de car?ter eminentemente te?rico e da pesquisa que seria simplesmente 8?0+C,#%4=>((\$$-($?($&$)?6)4(Z&46"- se admite que a teoriza??o n?o se inicia com a ci?ncia, mas sim no ?mbito da experi?ncia cotidiana. A teoriza??o, pois, n?o come?a com a ci?ncia; a experi?ncia quotidiana pr?- cient?fica ?, portanto, recolhida com peda?os da teoria. A vida na mente ? um fluxo constante, oscilando entre o p?lo te?rico e a-te?rico. Assim a teoria tem o seu lugar pr?prio, a sua justifica??o e o seu sentido mesmo no dom?nio da experi?ncia imediata, concreta ! no dom?nio do a-te?rico (MANNHEIM, 1986, p. 59). Dessa forma, a vis?o de mundo como uma s?ntese, como meio para se traduzir representa??es de uma coletividade, de uma gera??o ? uma entidade ainda n?o contituida, localizada al?m do te?rico. De outra forma, as a??es sociais, como modo de express?o de m?ltiplos sentidos, adv?m do ?mbito racional, embora de natureza a-te?rica. A compreens?o te?rica dessas a??es a partir da categoria de 8:#$<-("?(0&6"-=(?$)V(4/F0("?( todas as realiza??es de sentido, embora seja de algum modo obtida atrav?s delas. Assim, os jovens ceilandenses, na medida de suas realiza??es na vida cotidiana constroem vis?es de mundo a partir das a??es pr?ticas. Contudo, esses jovens se compreendem mutuamente em fun??o de sua conviv?ncia pr?-reflexiva, t?cita, sem empregarem necdess?riamente uma interpreta??o de suas a??es. ! 53 As representa??es coletivas ou orienta??es coletivas, segundo Manhheim, derivam da experi?ncia conjuntiva de um grupo que possui tra?os de generalidade. Elas s?o objetivas porque estabelecem o sentido para as poss?veis experi?ncias de um grupo, para al?m da psique individual. Elas n?o s?o extraindividuais para todos os poss?veis sujeitos, 04$($-0?6)?(?0(,?/4D<-(4-(5,&+-(Z&?(?$)V("?(14)-(+,?$?6)?(6&0(814)-($-%#4/=>(^?$$?( %-6)?S)-P( 814)-( $-%#4/=( F( "?1#6#"-( %-0-( 8?S+?,#;6%#4=( ?0( "?),#0?6)-( "?( 8%-#$4=P( 6&0( sentido durkheimiano 10 >(k04(8%-#$4=(?S#$)?(6-(?$+4D-(?(?$)V(,?$),#)4(4($&4(?S#$);6%#4P(4(&0( ?$+?%C1#%-(+?,C-"-("?()?0+-(?(?$+4D->(k04(8%-#$4=(6<-(0&"4($&4(?$$;6%#4(+-,($#($RP(%-0-( ocorre com as representa??es coletivas. Uma representa??o coletiva incorpora a situa??o externa a sua funcionalidade para uma comunidade em particular, no sentido que isso cont?m. Nem todos os indiv?duos podem ler essa funcionalidade. Contudo, qualquer um pode entender suas liga??es concernentes da situa??o original da representa??o coletiva junto com o sentido que isso cont?m. Para as mesmas raz?es todos os conceitos e representa??es coletivas possuem um car?ter expressivo, assim como um sentido document?rio com respeito a sujeitos individuais ou coletivos que os produzem (MANNHEIM, 1982, p. 208, tradu??o do autor). !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 10 A categoria representa??o possui um amplo espectro conceitual nas ci?ncias sociais. Inicialmente, as representa??es coletivas enquanto categoria criada por Durkheim (1989) se referem a um car?ter coletivo sui generis, um substrato da sociedade. Elas s?o exteriores ?s consci?ncias individuais, assim como um fato social; ou seja, ? tudo aquilo que, afetando a mente ou emanando dela, ? capaz de fixar-se com menor ou maior grau de estabilidade. As representa??es coletivas em Durkheim (1989), mais adiante nos anos 60 do s?culo XX, tornam-se um referencial para o desenvolvimento dos estudos das representa??es sociais a partir de Moscovici (1961) e aprimoradas por Denise Jodelet, que ir?o adquirir maior popularidade no meio acad?mico nos anos 80. Moscovici (1961) considerava as limita??es das representa??es coletivas frente ?s representa??es individuais. Para o autor, representa??es sociais s?o as formas de consci?ncia que s?o associadas ? concep??o contempor?nea de senso comum, ou seja, indicam um conjunto de conceitos, explica??es e afirma??es advindas da vida di?ria no curso de comunica??es entre indiv?duos. Diante do amplo escopo de defini??es da categoria de representa??es sociais, a mais recorrente ? a de Denise Jodelet (2002, p. qqaA( 8]$( ,?+,?$?6)4DT?$( $-%#4#$( $<-( &04( 1-,04( "?( %-6*?%#0?6)-( $-%#4/0?6)?( ?/4.-,4"-( ?( compartilhado, com um objetivo pr?tico, e que contribui para a constru??o de uma realidade comum a um conjunto soci4/=>(]("#$+?,$<-("?("?1#6#DT?$(Z&?(4),4:?$$40(-$(?$)&"-$("4$(,?+,?$?6)4DT?$($-%#4#$(+,?I&"#%4(4( forma??o de propostas metodol?gicas mais precisas. ! 54 Dessa forma, Mannheim (1982) argumenta que nenhum indiv?duo num grupo comanda tudo que ? conhecido, que pode j? estar dispon?vel para o grupo no que se refere ? forma das partes do grupo, na sua produ??o de valores e conhecimento. A totalidade do que pode ser conhecido ? dividido entre v?rios indiv?duos, cada um dos quais se envolve num segmento em particular da poss?vel representa??o do espa?o de experimenta??o coletiva. Entretanto, a totalidade desses segmentos forma um todo org?nico que n?o existe na cabe?a de ningu?m como um todo, mas de certa forma 8suspenso= sobre o grupo. Exemplifica-se que todo culto ? uma totalidade na qual cada indiv?duo tem sua fun??o e regra, mas onde a totalidade ? algo que depende de si mesmo para a atualiza??o e pluralidade de indiv?duos que, nesta perspectiva, alcan?am algo al?m de uma psique individual. 3.1 Sociologia compreensiva e o m?todo document?rio Mannheim (1986), de fato, prop?e um sofisticado sistema para sua metodologia hermen?utica, vinculado ? perspectiva de uma sociologia compreensiva. Nela s?o estipulados tr?s aspectos a serem considerados no processo de interpreta??o do sentido das a??es sociais. Para Mannheim (1986), os fen?menos da cultura s? podem ser compreendidos plenamente se observados como uma coisa em si mesma. A observa??o se )-,64( :#V:?/( 4-( $?( %-6$#"?,4,( Z&?( 4$( 4DT?$( $-%#4#$( ,?:?/40( ),;$( 8?$),4)-$( "?( $?6)#"-=A( objetivo, expressivo e document?rio. Dessa forma, o hip-hop, ao ser definido como um fen?meno de ?mbito cultural, poder? ser compreendido a partir da observa??o de seus estratos de sentido que, em um primeiro contato, ser?o caracterizados pela objetividade para que em etapas posteriores seu significado expressivo e document?rio permita que se -.)?6*4($?&(8$#56#1#%4"-()-)4/=>( b$$4( ),#+/4( "#1?,?6%#4D<-( "-$( ?$),4)-$( "?( $?6)#"-( "4( 8:#$<-( "?( 0&6"-=( $?,V( considerada no contexto dos grupos juvenis vinculados ao hip-hop na Ceil?ndia. Isso ser? vi?vel a partir do momento em que a configura??o social for conhecida por meio da observa??o. O conhecimento da configura??o objetiva ser? fundamental para que se oriente o processo de compreens?o dos significados constru?dos por essa juventude ! 55 ceilandense, na medida em que ocorrer? a intera??o do pesquisador no ambiente onde s?o constru?das essas significa??es. Quando se est? diante de interlocutores ou de um bem simb?lico, como uma letra de m?sica, ? poss?vel que haja intencionalidades distintas daquelas apresentadas no primeiro contato observado ao n?vel objetivo. Assim, para al?m do significado objetivo, o ato observado poder? conter um significado inesperado, ?s vezes, at? contradit?rio. Nesse caso, o observador ter? que recorrer a novas categorias para aquilo que se apresenta de maneira din?mica para al?m d?($&4(0?,4(84+4,;6%#4=i(+4,4(%4"4($#56#1#%4"-(6-:-($?,V( necess?ria uma categoria nova capaz de explicar a expressividade da a??o definida pelos sujeitos sociais. O significado expressivo ? relevante, pois permite observar o sentido ?ntimo que os indiv?duos atribuem a suas a??es, sem separ?-los do mundo da experi?ncia. Dessa forma, o estilo musical rap permite a constru??o de todo um meio expressivo por parte de seus interlocutores, que fazem alus?o a categorias como a pobreza, a vida na periferia urbana ou 4( $&4( #"?6)#"4"?( ,4%#4/>( j( -.$?,:4"-,( "?:?( +?,%?.?,( ?$$?( 8&6#:?,$-( C6)#0-=( ?0( &0( primeiro momento, a partir do sentido atribu?do por esses jovens. Este conte?do expressivo, apesar do fato de n?o possuirmos dele um conhecimento te?rico-refletido, mas somente uma experi?ncia direta, concreta, pr?-te?rica, ? ainda significante, isto ?, de alguma forma interpret?vel, mais do que algo meramente f?sico, um estado difusamente endurecido. Pode-se compreender o significado das a??es pela interpreta??o sem recorrer-se ao que ? subjetivamente pretendido (MANNHEIM, 1986, p. 67). O?5&6"-(-(4&)-,P(-(+?$Z&#$4"-,P(4-($?(+-$#%#-64,(%-0-(8)?$)?0&6*4=(Z&?(-.$?,:4(?( interpreta a cena, est? em condi??es de partir do significado expressivo para o significado document?rio, que se refere ? compreens?o daquilo que ? expresso pelos indiv?duos de modo inconsciente, n?o intencional. No caso em que se pretende documentar as representa??es coletivas de jovens ceilandenses vinculadas ? cultura hip-hop ? relevante atentar-se, inclusive, para aspectos n?o verbais, como gestos, express?es faciais, o modo de conversar. Isso porque, enquanto ocorre uma conversa entre jovens e pesquisador, em alguns casos, o pesquisador pode perceber ou constatar a assimetria entre o que ? dito e o ! 56 que ? expresso, tanto no jogo corporal, como no contato ambiental do lugar. A observa??o desses m?ltiplos aspectos expressivos dos jovens permitir? ao pesquisador uma vis?o mais abrangente da a??o social. Isso se torna relevante para se promover uma an?lise document?ria, ou seja, para que se compreenda a a??o social al?m da intencionalidade dos atores sociais. Uma reconstru??o desse n?vel document?rio parte do sentido da a??o no contexto em que ela ocorre e em que est? inserida. Aquilo que foi denominado por Bohnsack (apud WELLER, 2005) como observa??o de segunda ordem, o acesso ao conhecimento pr?- reflexivo dessa juventude. Como considera Weller (2005c), essa reconstru??o interpretativa parte de algumas quest?es estipuladas diante do n?vel objetivo das representa??es dos sujeitos sociais. Nessa etapa de reconstru??o document?ria, o pesquisador deve analisar que determinados sinais de linguagem inscritos em gestos estereotipados n?o encerram $#0+/?$0?6)?(&04(85,40V)#%4(&6#:?,$4/=>(](4)?6D<-P(6?$$?(%4$-P("?:?(estar voltada para outros poss?veis gestos que possuam uma carga expressiva-significativa para os jovens. Esses gestos individuais demandam uma interpreta??o, o que elimina a tentativa de sua generaliza??o apressada. Contudo, observar a expressividade de gestos individuais n?o implica meramente uma abordagem psicol?gica das representa??es da juventude. De fato, o n?vel de interpreta??o document?ria parte da experi?ncia ps?quica dessa juventude. O sentido document?rio n?o demanda, necessariamente, conhecer toda a trajet?ria dos indiv?duos, para que se possa compreend?-los num determinado contexto das representa??es coletivas. O que se faz relevante no sentido document?rio n?o ? explicar o que significa o hip-hop em termos essenciais, mas compreender como se opera a constru??o de identidades; como, a partir do hip-hop, uma juventude como a localizada na cidade de J?#/e6"#4(-,#?6)4($&4$(+,V)#%4$($-%#4#$>(^?$$?(%4$-P(04#$(#0+-,)46)?(Z&?(+?,5&6)4,(8-(Z&;=( F(+?,5&6)4,(8%-0-=($?(-+?,40(?$$4$(%-6$),&DT?$("?($?6)#"-$ dessa juventude em quest?o. A maneira como os assuntos s?o tratados em uma conversa, bem como o tipo de sele??o dada a esses assuntos em determinado contexto pode ser mais uma pista para a constru??o desse sentido compreensivo. Weller considera que, no ?mbito anal?tico, a postura sociogen?tica do pesquisador %-,,?$+-6"?( ?0( %-/-%4,( 8?6),?( +4,;6)?$?$( -( %4,V)?,( "?( :4/#"4"?( "-$( 14)-$( $-%#4#$=( ! 57 (WELLER, 2005, p. 270). A vontade de verdade reivindicada pelo discurso do informante, sua ?ndole, n?o podem, nesse caso, ser um fator impeditivo para o questionamento do pesquisador sobre as falas apresentadas pelos entrevistados em rela??o ?s suas pr?ticas sociais. O sentido document?rio, diferentemente do sentido expressivo, pode recorrer aspecto parcial da representa??o coletiva tais como depoimentos de jovens sobre suas a??es ou mesmo informa??es de outra natureza como documentos produzidos anteriorment sobre essas a??es como letras de m?sica. Informa??es parciais podem contribuir para a recosntru??o das orienta??es coletivas em termos document?ios. Nesse caso, o sentido objetivo, ou seja, o contato imediato com a juventude e suas falas podem-se constituir aspecto relevante e explicativo, no que se refere ? realiza??o de um trabalho anal?tico. Dessa forma, a interpreta??o document?ria da juventude em Ceil?ndia ? influenciada pelo seu contexto, pela sua localiza??o hist?rica sociogen?tica. Essa condi??o demanda ainda uma cont?nua renova??o da interpreta??o document?ria. A tradu??o, em termos te?ricos, desse conjunto de significa??es da vida cotidiana a-te?rica ocorrer? mediante certos aspectos significativos que prevalecem em rela??o a outros. Ainda em rela??o ?s influ?ncias sobre a representatividade da interpreta??o, est? em jogo a posi??o ocupada pelo pesquisador, que tem uma afilia??o te?rica. O lugar de onde fala n?o corresponde ? neutralidade. As experi?ncias cotidianas, bem como o reconhecimento de uma posi??o de classe, ra?a, g?nero, entre outras, n?o se excluem num processo de an?lise. Em rela??o ao aspecto da objetividade, Bohnsack (apud WELLER, 2005) prop?e que o m?todo comparativo dos dados seja uma forma de controle dessas subjetividades. Dito de outra forma, a reconstru??o te?rica do conhecimento a-te?rico se d? pela perspectiva comparativa de outros casos, que acaba por deixar em segundo plano o 8%-6*?%#0?6)-()?R,#%-("-(+?$Z&#$4"-,=> A an?lise comparativa desempenha, assim, um papel de controle metodol?gico da compreens?o da realidade estranha ou distante do universo do(a) pesquisador(a) ! c0?)*-"#$%*( p-6),-//#?,)?$( ,?0":?,$)?*?63( !, ou seja, de controle das afirma??es ou generaliza??es realizadas sobre a realidade observada (WELLER, 2005, p. 23). ! 58 Na pesquisa sobre jovens da cidade de Ceil?ndia foram relaiados grupos de discuss?es. Essa abordagem foi difundida pelos integrantes da Escola de Frankfurt, nos anos 50 do s?culo passado, principalmente por Pollok (apud WELLER, 2006). Mais adiante, nos anos 70, recebe influ?ncias te?ricas do interacionismo simb?lico, da fenomenologia e da etnometodologia. A abordagem te?rica dessa t?cnica de pesquisa eleva o status dos grupos de discuss?o para um m?todo de pesquisa. Mangold e Bohnsack (apud WELLER, 2006) consideram que os grupos, ao se posicionarem perante certas quest?es trazidas pelo pesquisador, n?o formulam suas respostas simplesmente pela ocasi?o de uma intera??o; essas opini?es constituem reflexos das orienta??es coletivas ou vis?es de mundo referentes ao contexto social dos entrevistados. Nesse caso, torna-se relevante conhecer viv?ncias coletivas, o habitus dos jovens. Portanto, a no??o sociol?gica de grupo ? definida pela rela??o de interdepend?ncia, na qual se compartilham valores numa din?mica que, eventualmente, enfatiza aspectos harm?nicos ou conflitantes, que s?o intr?nsecos a um grupo estruturado (VANDENBERGHE, 2005, p. 115). De fato, na medida em que os costumes e regras compartilhados por um grupo se tornam peculiares, observa-se sua relativa separa??o de outros grupos sociais em fun??o do estilo de vida. O m?todo de pesquisa dos grupos de discuss?o, segundo Ralf Bohnsack (1989, 1999 e 2004, apud WELLER, 2006), permite observar aspectos estruturais da sociedade. b$)?$( 80-"?/-$=( $<-( -,#?6)4"-,?$( "4$( ?S+?,#;6%#4$( #6"#:#"&4#$( ?( %-/?)#:4$( 6&0( determinado meio social, como ? o caso da juventude. Isso associado ? perspectiva do m?todo document?rio de interpreta??o de Mannheim (1990) permite dois modos de -.$?,:4D<-A(&0(8#6)?,6-=P(,?/4%#-64"-(4-($?6)#"-("4(4D<-(4),#.&C"4(4(+4,)#,("-$(#6"#:C"&-$( 6-( %-6)?S)-( "?( $&4( #6)?,4D<-P( ?( -&),-( 8?S)?,6-P=( -,#?6)4"-( +4,4( 4( ,epresenta??o das intera??es num contexto estrutural. Ao ser retomado nos anos 80, o m?todo dos grupos de discuss?o passou a ser empregado especialmente em pesquisas sobre juventude. Os enfoques dessas pesquisas eram variados. Havia interesse em estudos sobre desenvolvimento, gera??es, forma??o educacional, g?nero, meio social, entre outras tipologias. Nesse sentido, o m?todo de grupos de discuss?o ser? relevante para que o pesquisador se aproxime do contexto relacional dessa juventude ceilandense, expresso atrav?s de seus discursos e gestos, de modo que se possa reconstruir teoricamente aspectos do seu meio social, hist?rias e trajet?rias desses grupos e o enfrentamento do racismo no ! 59 contexto de uma segrega??o socioespacial imposta pela l?gica urbana do Distrito Federal. Ser? enfatizada a an?lise do habitus dos grupos hip-hop, com enfoque em sua manifesta??o social resultante da condi??o geracional dessa juventude. Para a operacionaliza??o das entrevistas no m?todo de grupo de discuss?es, foi produzido um t?pico-guia 11 que tem a finalidade de combinar certas leituras relevantes com a tem?tica da juventude hip-hop em Ceil?ndia. Esse t?pico-guia ? resultante de conversa??es preliminares com sujeitos sociais relevantes e tem a fun??o de organizar o encaminhamento do grupo de discuss?o, bem como das informa??es obtidas nesse contexto. As perguntas apresentadas em seu corpo foram direcionadas para as representa??es sociais; pergunta-$?( $?0+,?( 8%-0-=( 4$( 4DT?$( $?( %-6$)#)&?0>( b$$4$( +?,5&6)4$( );0( 4( finalidade de se constituir como um ponto inicial para a constru??o das falas. As terminologias empregadas s?o simples e direcionadas para as pr?ticas cotidianas de jovens que, em muitos casos, n?o tiveram acesso ? escolariza??o. A flexibilidade ? um fator importante nesse tipo de planejamento, uma vez que muitas quest?es, ?s vezes, complexas no contexto da entrevista podem se tornar secund?rias ou irrelevantes. Esse t?pico-guia, de fato, estar? sujeito a inova??es em fun??o das situa??es vivenciadas no contexto de sua aplica??o, por outro lado, a an?lise das orienta??es coletivas dos grupos n?o seguiu necess?riamente a sequ?ncia das quest?es elaboradas. Portanto, as mudan?as e situa??es novas devem sempre ser registradas. Tamb?m ser? aplicado um question?rio com objetivo de se ter acesso a mais informa??es complementares das trajet?rias hist?rico-biogr?ficas dos entrevistados. Em rela??o ? quantidade de entrevistas a serem produzidas numa pesquisa de cunho qualitativo, alguns aspectos que a caracterizam devem ser considerados. Em primeiro lugar, a sele??o das entrevistas, diferentemente de uma pesquisa amostral quantitativa, est? voltada para a descoberta de uma variedade de posicionamentos frente a uma quest?o. No m?todo document?rio de interpreta??o, a an?lise das interpreta??es, ou vers?es da realidade, mesmo que as experi?ncias pare?am ?nicas nas mentes dos indiv?duos, ser?, em termos estruturais, resultado de processos sociais. Num primeiro momento elas s?o surpreendentes; posteriormente, temas comuns come?am a surgir e as surpresas tornam-se mais infrequentes em fun??o do processo comparativo dos dados. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 11 Vide anexo I. ! 60 Durante a pesquisa foram realizados quinze grupos de discuss?o com aproximadamente cinquenta e cinco jovens, organizados em grupos de rap e street dance. Os jovens em geral se identificavam com o hip-hop e com os grupos dos quais fazem parte e, em geral, estavam habituados a realizar apresenta??es p?blicas em escolas, casas de festas ou boates. Durante o trabalho de campo, alguns jovens criaram a expectativa de que se trataria de uma reportagem jornal?stica ou promocional. Essas situa??es exigiram que fossem esclarecidas as devidas circunst?ncias que envolviam a pesquisa em quest?o. Em rela??o aos aspectos metodol?gicos, a interpreta??o document?ria permite compreender a partir do hip-hop e suas manifesta??es art?sticas como a m?sica a partir dos sentidos das a??es coletivas produzidas por esses grupos jovens em suas narrativas, bem como permite observar as representa??es sociais, no gestual, n?o escrito naquilo que est? imanente ? a??o. Em rela??o ao crit?rio de sele??o dos grupos, levou-se em conta a qualidade das respostas apresentadas durantes as discuss?es dos grupos, obtida a partir da demonstra??o do conhecimento dos grupos sobre as quest?es apresentadas, como discute a teoria fundamentada ou ground theory (STRAUSS, 1967, apud WELLER, 2006). Durante o trabalho de campo, a cada entrevista era feita uma avalia??o em rela??o aos grupos entrevistados, de modo a construir uma amostra representativa em fun??o dos interesses te?ricos da pesquisa. Nesse caso, foram selecionados quatro grupos de jovens que se re?nem pelo interesse musical no rap. Al?m disso, os grupos apresentaram em suas respostas aspectos que permitiram a an?lise de suas orienta??es coletivas em torno da forma??o geracional, relacionamento e sexualidade, bem como em torno de suas experi?ncias frente ? discrimina??o e suas estrat?gias. Apesar de algumas exce??es, os jovens, em geral, t?m entre 17 e 27 anos, s?o homens, se identificam como negros e vivem nos setores considerados mais pobres em Ceil?ndia-DF. Os procedimentos de coleta de dados por meio da observa??o participante, bem como a ?nfase na hist?ria de vida dos atores sociais entrevistados, foram utilizados para se reconstruir as vis?es de mundo presentes em suas a??es coletivas. Nesse caso, o m?todo document?rio de interpreta??o encontra operacionalidade de diversas formas. Materiais como imagens fotogr?ficas, documentos e a pr?tica da observa??o participante, incluindo- se a realiza??o de entrevistas, podem constituir referenciais para o processo de compreens?o da vis?o de mundo dos sujeitos sociais. Essa triangula??o de m?todos ou de t?cnicas de coleta de dados ser? de grande relev?ncia para uma maior abrang?ncia da an?lise das entrevistas de grupo. ! 61 Em aten??o a aspectos ?ticos, os nomes dos respondentes, bem como o nome dos setores onde vivem, grupos e organiza??es receber?o pseud?nimos com vistas a garantir o anonimato, bem como para preservar sua integridade. Portanto, pseud?nimos ser?o utilizados para todos aqueles que participaram dos grupos de discuss?o, a exce??o ser? para depoimentos obtidos no contexto de eventos p?blicos. Al?m disso, institui??es como organiza??es assistenciais e movimentos sociais ter?o o mesmo tratamento, a n?o ser que n?o haja a possibilidade de identifica??o dos respondentes. ! 62 ! 63 C API T U L O 4 C ID A D E E DIN A M I Z A ? ? O E PE RI F E RI Z A ? ? O: U M A SO C I O L O G I A URB A N A D E BR AS? L I A Confronto A suntuosa Bras?lia, a esqu?lida Ceil?ndia contemplam-se. Qual delas falar? primeiro? Que tem a dizer ou a esconder uma em face da outra? Que m?goas, que ressentimentos prestes a saltar da goela coletiva e n?o se exprimem? Por que Ceil?ndia fere o majestoso orgulho da fl?rea Capital? Por que Bras?lia resplandece ante a pobreza exposta dos casebres de Ceil?ndia, filhos da majestade de Bras?lia? E pensam-se, remiram-se em sil?ncio as g?meas cria??es do g?nio brasileiro. C. D. Andrade. Favel?rio Nacional In: Corpo, 1984 Enfim, o filme acabou pra voc?! A bala n?o ? de festim! aqui n?o tem dubl?! Para os manos da Baixada Fluminense ? Ceil?ndia ! Eu sei, as ruas n?o s?o como a Disneyl?ndia. ! "#$%&?#%()*+,(- 1998 Sobrevivendo no Inferno Um dos debates que adquire cada vez mais relev?ncia no contexto das novas din?micas do mundo moderno diz respeito ? Cidade e como este espa?o apresenta novos fen?menos, muitos dos quais s?o de interesse das Ci?ncias Sociais. A cidade ? expressa como um espa?o heterog?neo, e pode ser entendida pelo prisma weberiano, no qual uma rela??o social ou uma intera??o de pessoas, d? origem a sistemas complexos de rela??es como a fam?lia, o Estado, uma Economia de Mercado, uma fortifica??o, entre outras, que por sua configura??o, s? poderiam ocorrer no contexto ocidental. A cidade ? um assentamento relativamente fechado diferente de um pequeno povoado fundada em uma sede senhorial-territorial, especialmente uma sede principesca abastecida de um centro econ?mico e pol?tico como o mercado para o com?rcio e aquisi??o de bens. Weber (1864- 1920) ao se referir as cidades medievais europ?ias cita as feiras, como formas de mercados que n?o possuem a capacidade de transformar um lugarejo em cidade. A realiza??o da ! 64 troca de bens n?o apenas ocasional mas regular na localidade, como componente essencial das atividades aquisitivas e da satisfa??o das necessidades dos moradores a exist?ncia de um mercado. Tradicionalmente a categoria metropoliza??o foi empregada para a descri??o e compreens?o dos processos de socializa??o e desenvolvimento do espa?o urbano em m?ltiplas frentes como a econ?mica, pol?tica e cultural. O termo metr?pole ? derivativo de metr- [cd)?,-3P( 0( b$)?( ?$+4D-P( Z&?( 84.,#54( 4( )-"-$=P( "?:?( $?,( compreendido sob aspectos multirrelacionais, sejam eles de estrutura f?sica ou organizacional, como os feitos por Mumford ( The culture of Cities- 1938), que abordam a metr?pole a partir de suas din?micas tecnol?gicas, comunicacionais e arquitet?nicas. Outros autores, como Simmel, est?o mais voltados para aspectos mais psicossociais que se perguntam como a metr?pole estabelece novas rela??es sociais e promove uma nova 8#6)?6$#1#%4D<-( "4( :#"4( #6)?/?%)&4/( %-0-( 4( ,?4D<-( "-( #6"#:C"&-( Q$( 1-,D4$( &,.464$( "?$+?,$-64/#746)?$=([O#00?/P(In: O Fen?meno Urbano, 1973, 22). A cidade de Simmel (1859-1918) ? a trag?dia moderna, movida pela experi?ncia esquiz?ide do indiv?duo que estabelece como media??o das rela??es sociais a cultura do dinheiro. A grande diferencia??o social promovida pela vida metropolitana e a multiplicidade de ocupa??es diferem do ambiente da pequena cidade no que se refere ? vida ps?quica. Rela??es de impessoalidade diante do grande grupo, que representa a cidade dispersa os indiv?duos assumem a atitude blas? que se caracteriza por uma ansiedade recorrente pelo novo e um sentimento de incompletude e melancolia, que leva ? atitude reservada, quase indiferente. Nas rela??es de mercado da pequena cidade os produtores e consumidores se conhecem; na grande metr?pole, movida pela produ??o de mercado, compradores e vendedores s?o an?nimos. Simmel (1973) observa que esse anonimato estabelece rela??es prosaicas e ?s vezes extremamente ego?stas no plano econ?mico. A economia do dinheiro domina a metr?pole e elimina as rela??es diretas de troca de mercadorias. Portanto, a vida urbana repousa sobre uma complexa trama de hierarquias de simpatias, avers?es, indiferen?as ef?meras ou mais duradouras. A influ?ncia de autores como Simmel e Weber se torna percept?vel em grupos como o da Escola de Chicago que empreendeu v?rias pesquisas com grande ?nfase no aspecto do trabalho emp?rico frente ? grande urbaniza??o sofrida nos Estados Unidos a partir da Segunda metade do S?culo XIX. Aqui o desenvolvimento comercial atraiu um grande contingente humano que levou a cidade a ultrapassar a cifra de um milh?o de habitantes at? a d?cada de 1890. Quest?es relativas ? migra??o e aos conflitos entre minorias ?tnicas, ! 65 raciais e de g?nero foram abordadas extensivamente. A cidade seria um grande 8/4.-,4)R,#-("?(%-0+-,)40?6)-(%-/?)#:-=>(]+?$4,("4(,?%-6*?%#"4(#61/&;6%#4(?&,-+F#4P(?0( especial a alem?, no que tange a convers?o do historicismo para a sociologia, etnologia e psicologia popular, a Escola de Chicago obteve o m?rito de criar um quadro te?rico americano centrado na filosofia social do pragmatismo (JOAS:1999, 217). Atualmente a perspectiva de an?lise das cidades, centrada na id?ia da metropoliza??o (como abordada nas escolas do passado) se depara com uma nova densidade dos fatos que dificulta uma real compreens?o de tais fen?menos. Um dos processos observados em meio a esse novo tipo de urbaniza??o f-#("?6-0#64"-P("?(80?54/-+-/#74D<-=> Freitag(2002)P(1?7(&04("?1#6#D<-("#$)#6)#:4(?6),?(4$(%4)?5-,#4$("4(80?54/-+-/#74D<-=( ?(80?),-+-/#74D<-=. A primeira refere-$?P(84(&04(6-D<-(6<-(4+?64$(Z&46)#)4)#:4("4(:#"4( urbana mas a uma dimens?o qualitativa, ou seja, uma forma espec?fica da vida societ?ria ?0(%#"4"?$(5#546)?$%4$P()C+#%4$(+4,4(?$)?(1#64/("?($F%&/-(vv>=>(b$$4(+?,$+?%)#:4(?65/-.4( aspectos ligados ? dimens?o das cidades, em termos populacionais (acima de 10.000.000 de habitantes), crescimento acelerado da urbaniza??o, a constante migra??o de grandes contingentes populacionais que constituir? uma civiliza??o de subculturas em si homog?neas, mas entre si divergentes. Nesse contexto, Bras?lia n?o constitui ainda uma megal?pole em termos quantitativos! com sua popula??o estimada em 2 milh?es de habitantes!, mas diante do ritmo de crescimento pela qual perpassa, dos v?rios conflitos entre Estado e outros grupos sociais no que diz respeito ? ocupa??o de seu solo urbano, indaga-se se essa cidade n?o estaria num franco processo de megalopoliza??o. Modernismo e aventura em Bras?lia Bras?lia ? tida como uma aventura (SILVA, 97) que tenta dar um sentido a vida, a &0( #"?4/( "?( 0-"?,6#"4"?( Z&?( $?( "#,#5?( 4-( 81&)&,-( 04$( %-0( -( -/*4,( :-/)4"-( +4,4( -( +4$$4"-=P(&04(0&"46D4(extraordin?ria. Bras?lia ? o resultado de um esfor?o simb?lico, a materializa??o de uma utopia, que se exprime em todo mudancismo dos anos cinq?enta do s?culo vinte. O desenvolvimento difundido pela agencia estatal Instituto de Estudos Brasileiros (ISEB), grupo de intelectuais articulados H?lio Jaguaribe que formulou um discurso neobismarkiano de desenvolvimento econ?mico para o pa?s, que deveria se efetivar a qualquer pre?o. O Brasil s? seria Brasil quando o litoral se encontrasse com o ! 66 sert?o- 8-("?$+?,)4,("-(5#546)?(4"-,0?%#"-=>(B-,(1#0P(h,4$C/#4("?:?,#4($4/:4,(-(h,4$#/- 84( %4+#)4/("4(?$+?,46D4=- das forma arcaicas de civiliza??o, do atraso do modelo colonial centrado em rela??es pessoais para uma ordem impessoal e democr?tica. Dessa forma, Bras?lia ? o resultado de todo um desenvolvimentismo que dinamizou processos de urbaniza??o no Brasil a partir do anos 50 de acordo com Santos(1996). J? no bojo da elabora??o do projeto da nova capital ficaram evidenciadas influ?ncias de um formalismo positivista (CARPINTERO, 1998) que n?o levava em conta outros elementos que sustentam aspectos relacionados ? vida da cidade e seus habitantes por institui??es como a NOVACAP. Tratava-$?( $#0+/?$0?6)?( "?( )-04,( +-$$?( "-( /&54,A( 84( %-6%?+D<-( urban?stica da cidade n?o ser? decorr?ncia do planejamento regional, mas causa dele: a sua funda??o ? que dar? ensejo ao ulterior desenvolvimento planejado da regi?o. Trata-se de &0(4)-("?/#.?,4"-("?(+-$$?P("?(&0(5?$)-(4#6"4("?$.,4:4"-,=>[J-$)4P(E?/4)R,#-P(B,?e0.&/-- citado em Carpintero:1998-72). No pr?prio projeto de L?cio Costa, j? havia uma preocupa??o com os aspectos relacionados ? popula??o que n?o eram enunciados por ocasi?o do concursos que ?$%-/*?,#4( -( +,-I?)-( +4,4( 4( 6-:4( %4+#)4/>( 8b/4( "?:?( $?,( %-6%?.#"4( 6<-( %-0-( $#0+/?$( organismo capaz de preencher satisfatoriamente e sem esfor?o as fun??es vitais pr?prias de uma cidade moderna qualquer, n?o apenas como URBES mas como CIVITAS, possuidora dos atributos a uma capital, (COSTA, Relat?rio, Pre?mbulo - citado em Carpintero:1998- 72). A id?ia de urbes pode ser atribu?da aos aspectos relacionados ? materialidade urbana, seus edif?cios , vias de acesso, equipamentos p?blicos, civitas se refere a imaterialidade dos aspectos subjetivos: a id?ia de cidadania e pertencimento da vida coletiva da cidade passando pela esfera da pol?tica e da cultura. Em termos te?ricos se evidencia que existiam diferen?as entre o posicionamento frente aos t?cnicos da NOVACAP que se detinham a uma perspectiva formalista de se erguer uma cidade est?tica e funcional, enquanto, os aspectos relacionados ? popula??o e ? vida urbana estariam em segundo plano. A constru??o Bras?lia, acirrou um esp?rito de aventura extraordin?ria e trouxe v?rios grupos sociais advindos de diversas regi?es do pa?s! em especial, do Nordeste(43% em 1958/IBGE). No per?odo da constru??o da nova capital, os acampamentos teriam um car?ter provis?rio, ou seja, ap?s o t?rmino da obra deveriam ser desfeitos. A pr?pria NOVACAP (Houston, 1993) elaborou uma estrat?gia em que um ter?o dos oper?rios seria encaminhado de volta a seus locais de origem, um ter?o seria realocado numa ?rea de "?$?6:-/:#0?6)-(45,C%-/4(+4,4(4(%,#4D<-(?(&0(8%#6)&,<-(:?,"?=(?(-(,?$)46)?($?,#4(4.$-,:#"-( ! 67 na pr?pria cidade no setor de servi?os, contudo em 1958 esse plano foi revogado em funD<-("?(&0(6-:-(+/46-A(4(%,#4D<-("4$(8%#"4"?$($4)F/#)?$=>( No contexto dos acampamentos improvisados de lona e madeira, abrigavam-se os -+?,V,#-$P( -$( 8%46"465-$=P( +4/4:,4( "?( -,#5?0( 41,#%464( [Z.&6"-a( &)#/#74"4( pejorativamente na designa??o que os portugueses davam aos negros no per?odo colonial. Posteriormente, esta designa??o ? utilizada para se referir aos oper?rios, no per?odo da constru??o de Bras?lia. Contudo a conota??o do termo candango sofre uma altera??o, do seu sentido original sendo empregada, no caso de Bras?lia, como uma refer?ncia honrosa aos pioneiros construtores da nova capital. H? relatos de ex-oper?rios, como no filme Conterr?neos de Velhos de Guerra de Vladimir de Carvalho, que faz refer?ncia a uma hist?ria ligada ao Pal?cio do Catetinho, no per?odo em que a? ficava Juscelino Kubitschek segundo a qual havia um c?o vira-lata, mascote dos oper?rios, que era chamado 8%46"465-=>(j$(-+?,V,#-$(Q$(:?7?$($?(&)#/#74:40(("-()?,0-(+4,4($?(,?1?,#,(4-$(%-/?54$>( Mais tarde Juscelino Kubitschek teria sabido do termo e o utilizou com uma conota??o diferente em que candango seria o cidad?o oper?rio especialmente o nordestino. H? tamb?m outra an?lise (LARAIA, 96) que discute alguns mecanismos de distin??o social, estabelecidos no per?odo da constru??o. Havi4( -$( )?,0-$( 8+#-6?#,-=( ?( 8J46"465-=( -( primeiro foi utilizado para se referir ? elite de t?cnicos, engenheiros, arquitetos, autoridades pol?ticas o segundo, era referido aos oper?rios submetidos ?s vezes a condi??es subumanas em longas jornadas de trabalho. Diante das condi??es hist?ricas que lhes foram impostas, reuniram-$?( ?( 8+4$$4,40( 4( #6)?,?/4%#-64,-se criativamente, formando uma ?$+?%#1#%#"4"?( "?( &0( 40.#?6)?( $-%#4/( [O\Hw]AW___P( U_a=>( b$)?$( "#:?,$-$( 5,&+-$( migrantes, n?mades, aventureiros constru?ram a cidade e, frente ? mudan?a social que esta lhes imp?s, reconstitu?ram seus diversos valores, referenciais de identifica??o, muitos dos quais entraram em s?rios conflitos com aquilo que se considerou como referencial de modernidade e transforma??o da sociedade brasileira. A constitui??o de Bras?lia em termos s?cio-arquitet?nicos deveria ser um modelo, um referencial de progresso e brasilidade um contraponto a uma urbaniza??o sem +/46?I40?6)-(+,F:#-(?($#$)?0V)#%->(O?,#4(&04(4/)?,64)#:4(+4,4(-(0-"?/-("-(8$?0?4"-,=(Z&?( lan?a suas semente ao ar aleatoriamente sobre o solo f?rtil, de que fala S?rgio Buarque de Holanda (1978). Este era o tipo urbaniza??o promovida pelos portugueses que tiveram pouco interesse em realizar um planejamento das primeiras cidades brasil?#,4$>(8](%#"4"?( que os portugueses constru?ram na Am?rica n?o ? produto mental, n?o chega a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se enla?a na linha da paisagem. Nenhum rigor, ! 68 nenhum m?todo, nenhuma provid?ncia, sempre esse significativo abandono que exprime a +4/4:,4("?$/?#S-=[njH]^M]P(W_U?A(UNa> Com o objetivo, de se fazer jus ? proposta conceitual de cidade jardim e cidade /#6?4,P(-(+/46-("?(Hd%#-(J-$)4(#6%/&C4(4(6?%?$$#"4"?("?(#0+?"#,(4(8?6Z&#$)4D<-("?(14:?/4$=( tanto na periferia urbana quan)-(64(,&,4/=>(J4.?,#4(Q(^jw]J]B(?$)4.?/?%?,("#,?),#7?$(+4,4( assentamentos para que o Plano Piloto de Bras?lia fosse preservado em suas caracter?sticas -,#5#64#$( #6%/&$#:?( $-.,?( -$( 4$+?%)-$( $46#)V,#-$P( +,-:?6"-( 84%-0-"4DT?$( "?%?6)?$( ?( econ?micas para a tota/#"4"?( "4( +-+&/4D<-=>( Y4#$( 4"#46)?( $?( #6%/&#( -( )?,0-( 8%#"4"?( $4)F/#)?=(?0($&.$)#)&#D<-(Q(#"F#4(04#$()4,"?(,?#)?,4"4(?0(Z&?($?(+4$$4(4(41#,04,(Z&?(4$( cidades sat?lites deveriam surgir ap?s a total ocupa??o do plano piloto. (Costa, Relat?rio, Pre?mbulo-citado em Carpintero:1998-72). A obra que estabeleceu um dos primeiros marcos de um processo de exclus?o s?cio espacial foi a constru??o de uma estrada que contorna o plano piloto em fun??o da bacia hidrogr?fica do rio Parano?, com o objetivo de estabelecer um fronteira, um limite f?sico para que se mediasse sua preserva??o (CARPINTERO, 1997). Esta estrada conhecida %-0-(8b$),4"4(B4,Z&?("-(J-6)-,6-=(?$)4.?/?%#4(4(1&6D<-("?(46?/($46#)V,#-(?0(Z&?($R( seriam permitidas as constru??es de casas isoladas com grandes dist?ncias de mais de 1Km entre cada uma como previu L?cio Costa. Esta obra deliberada pela NOVACAP estabeleceu um referencial de preserva??o ambiental e norteou a expans?o urbana. Esse sistema via?rio for?ou a retirada de v?rias ocupa??es de favelados que ocupavam sua ?rea geogr?fica, viabilizando o surgimento de cidades como Gama, Ceil?ndia entre outras. Contudo, observou-se mais tarde que tal prerrogativa ambiental n?o foi suficiente para impedir a inser??o da classe m?dia, que foi beneficiada com a cria??o de ?reas habitacionais como o Guar?, Lago Sul, a ocupa??o da pen?nsula do Lago Norte. Portanto, o Estado assume a frente de um processo de exclus?o social do espa?o a partir de mecanismos urban?sticos e ambientais como a EPCT 12 que se constituiu em anel sanit?rio um limite da capital administrativa do pa?s, condi??o de defesa do Estado. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 12 Estrada Parque do Contorno. ! 69 4.1 Segrega??o S?cio Espacial: A Invens?o da periferia A categoria segrega??o s?cioespacial, foi originada pela Escola de Chicago (Park e Thomas) e foi empregada para a descri??o dos processos de urbaniza??o no in?cio do s?culo vinte (anos 30 e 40). Ela exprime uma tend?ncia da organiza??o do espa?o com zonas de grande homogeneidade social que se distribuem em fun??o de crit?rios da diferen?a de classe econ?mica gera6"-(8,4%#$0-$(?$+4%#4#$=>(j(+,#6%C+#-(?$$?6%#4/(Z&?( influencia esta separa??o ? a distribui??o da moradia e locais de circula??o no espa?o urbano . Lo que es socialmente significativo no es hecho de la pobreza o de la discriminaci?n en si, sino la fusi?n de ciertas situaciones sociales y de una localizaci?n particular en la estructura urbana. Es de esta manera com se constituye la segregaci?n urbana en tanto que fenomeno espec?fico, y no tan s?lo como reflejo de la estratificaci?n social general (CASTELLS, 1979: 207). De fato a segrega??o urbana n?o ? simplesmente a proje??o direta no espa?o do sistema de estratifica??o, mas uma conseq??ncia da distribui??o de renda e acesso ao espa?o urbano. No que concerne o caso de Bras?lia, a segrega??o espacial ou periferiza??o foi estudada por diversos autores como Paviani (1996), Sousa (1983). Estes estudos destacam o distanciamento das popula??es que s?o removidas das localidades pr?ximas dos servi?os coletivos (p?blicos e privados) como escolas, hospitais, do trabalho, do lazer entre outros e acentuam, o n?vel de exclus?o social. A erradica??o das ocupa??es definidas como invas?es pelo ent?o Governo do Distrito Federal no final dos anos 60 eliminou as favelas, do IAPI, as vilas Ten?rio, Esperan?a, Bernardo Sai?o e o Morro do Querosene, para a cria??o de Ceil?ndia. No que concerne a Am?rica Latina (PORTES & BROWING: 1976, p. 12) o processo de urbaniza??o, em especial a divis?o do solo urbano, expressa n?veis de desigualdade como o de classe social. Esse processo incentiva, determinados grupos a se perpetuarem, apropriando-se dos benef?cios da urbaniza??o deixados por outros segmentos marginalizados nos assentamentos sem infra estrutura. Por outro lado, ocorre a invas?o de terras por grupos de estratos sociais mais elevados e mobilizados, como atualmente acontece nos enclaves-fortificados de v?rios condom?nios distribu?dos no Distrito Federal. ! 70 A id?ia de se promoverem erradica??es de favelas para instaura??o de assentamentos planejados, j? era recorrente na Am?rica Latina, para a solu??o de problemas relacionados com a imigra??o e o crescimento populacional nas grande metr?poles, desde os anos 60 e UX>(^4(%#"4"?("-(YFS#%-([Yj^l]xjA(W_?@a(1-#(+,-./?04)#74"-(-($?6)#"-("-$(8+-.,?$("?( /4(%#&"4"=P(%-0-($?6"-(4$(04$$4$("?(),4.4lhadores migrantes de caracter?stica heterog?nea em termos de cultura e orienta??o geogr?fica. Aqui as classes sociais pobres s?o +,?"-0#646)?0?6)?(:#$/&0.,4"-$(%-0-(4/:-$("4(8J40+4y4("?(?,,4"#%4%#R6("?(%#&"4"?$( +?,"#"4$( ?6( /4( %#&"4"( "?( YFS#%-=( +,-0-:#"4P( pelo Estado. Nesta campanha onde s?o tratados aspectos pol?ticos de assentamentos urbanos para classes populares desde os anos UX( +4,4( $?( ?/#0#64,( 8/-$( 4$?6)40#?6)-$( &,.46-$( ?$+-6)V6?-$=[4$( 14:?/4$a>( ^-( h,4$#/( concomitante ao mesmo per?odo (KOVARICK: 1973) s?o institu?dos programas de remo??o de favelados sob o autoritarismo do regime militar, exemplificadas pela a Cidade de Deus no Rio de Janeiros e as Cidades Sat?lites como Ceil?ndia no Distrito Federal. Em Bras?lia agentes imobili?rios como bancos empresas construtoras bem como o +,R+,#-( 5-:?,6-( /-%4/( $?( 4,)#%&/40( ?0( )-,6-( "4( +-+&/4D<-( "?1#6#"4( %-0-( 845?6)?- +4%#?6)?=[B]w\]^\P(W__Ua(%4)?5-,#4("?($?6)#"-(40.C5&-(Z&?(,?0?)?(Q($#)&4D<-(?0(Z&?(4( mesma popula??o que ? agente por ser trabalhadora, consumidora e construtora de suas moradias ?, por outro, lado paciente ao se curvar diante das a??es do Estado e de empresas que atuam no mercado imobili?rio. Por um lado, se expandem as dist?ncias das novas cidades sem infra estrutura, com grandes contigentes populacionais, com baixo poder aquisitivo e por outro lado, se concentram as atividade de alto poder financeiro e tecnol?gico. ](+?,#1?,#74D<-(+/46?I4"4("?(h,4$C/#4(?$)4.?/?%?&(-($?6)#"-("?(8%#"4"?("-,0#)R,#-=>( Trata-se de espa?os segregados, com prec?rios equipamentos urbanos insuficientes para o suprimento das necessidades locais. Isso refor?ou a secundariza??o da vida dessas cidades que dependem da oferta de empregos e servi?os, do n?cleo central representado pelo Plano Piloto. Nesta condi??o h? um adensamento multifamiliar por moradias divididas at? por "?7(140C/#4$P(%-0-(64$(8%4.?D4$("?(+-,%-$=P(%-,)#D-$(#6$4/&.,?$(6-(h,4$#/("-($F%&/-(v\v>( Segundo esta perspectiva de din?mica urbana, centrada na especula??o do solo urbano e na segrega??o de grandes contingentes de pobres, que t?m diminu?do seu direito ? cidade ao serem lan?ados a grandes dist?ncias dos centros irradiadores do capital financeiro e do trabalho, Bras?lia n?o transcendeu o ritmo das demais cidades brasileiras. Em outra abordagem, apresentada por Nunes (1997: 14) a pobreza na forma da segrega??o s?cioespacial seria o processo por meio do qual se originou uma urbaniza??o perif?rica, ! 71 Z&?( %-6$)#)&#&( :V,#-$( +,-./?04$P( )4#$( %-0-P( 4( 80V( Z&4/#"4"?( "-$( $?,:#D-$( %-/?)#:-$( ?( problemas s?cio-psicol?gicos decorrentes das dificuldades de adapta??o dos migrantes a &0(6-:-(?$+4D-=P(%-0-($4d"?P(?"&%4D<-P(/47?,P(),4.4/*-> No que tange os aspectos de urbaniza??o, com periferiza??o, no Distrito Federal ? id?ntico ao que ocorre nas demais metr?poles do pa?s, demonstrando estarem as solu??es numa escala mais ampla, a nacional. 4.2 Ceil?ndia-D F: o projeto da invas?o erradicada Ceil?ndia, cidade fundada em 1971 tem seu nome resultante da sigla CEF Campanha "?( b,,4"#%4D<-( "?( ?4:?/4$P( +-$)?,#-,0?6)?( "?6-0#64"4( "?( Jb\P( 8J4mpanha de b,,4"#%4D<-("?(\6:4$T?$=>(b$$?(+,-I?)-(&,.46C$)#%-()#6*4(%-0-(+,-+R$#)-(4(,?0-D<-("?( invas?es, termo aferido ?s ocupa??es das v?rias vilas que se formaram dos acampamentos pr?ximos ? cidade do N?cleo Bandeirante (antiga Cidade Livre). A justificativa do ent?o governo do Distrito Federal, implementado em 1969, era a de que n?o seria poss?vel a +?,046;6%#4("4$(:#/4$P(+-#$(?/4$(?$)4,#40(#6:4"#6"-(4(V,?4("-(%*404"-(846?/($46#)V,#-= 13 , o que poria em risco as condi??es de saneamento b?sico da nova capital. De fato, nestas vilas havia uma situa??o de insalubridade s?ria. N?o havia uma urbaniza??o ou qualquer planejamento, essas ocupa??es, mantiveram o mesmo car?ter provis?rio dos acampamentos no per?odo da constru??o de Bras?lia. Nas vilas segundo levantamento feito em 1969, pela Secretaria de Servi?o Social, revelou que neste contexto, existiam quase 15 mil barracos com uma popula??o de superior a 80 mil pessoas, sendo que 71,98% dessas fam?lias tinham a renda familiar entre 0 e 2 sal?rios m?nimos (Codeplan-1969). Havia, no entanto, uma estrutura social estabelecida. Cada vila tinha seu nome: Vila do IAPI, Vila Ten?rio, Morro do Urubu, Morro do Querosene, caracterizando o lugar onde as pessoas recriavam aspectos de suas origens, encontravam-se em barrac?es para dan?ar o forr?, plantavam ?rvores em seus quintais e tinham seus mercados, as feiras. A proposta inicial, que cooptou os moradores das vilas no sentido de sua remo??o, foi a de que os pr?prios moradores construiriam, num sistema de mutir?o, sua pr?pria %#"4"?>(](l?,,4%4+("?)?,0#6-&(Z&?(4(8*4.#)4D<-(+,-:#$R,#4=[(.4,,4%-("?(04"?#,4a("?:?,#4( !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 13 ?rea de proximidades com rios e nascentes, que abastecem o lago Parano? que deve ser preservada para se garantir a qualidade do saneamento b?sico das popula??es que vivem em sua proximidade. ! 72 ser erguida ao fundo do terreno possibilitando que, oportunamente, na parte frente, fosse constru?da a casa de alvenaria definitiva, seja atrav?s do trabalho comunit?rio da pr?pria popula??o, seja atrav?s do financiamento pelo BNH- Banco Nacional de Habita??o. Essa estrat?gia possibilitaria que as fam?lias constru?ssem futuramente moradias de alvenaria na +4,)?( "#46)?#,4( "-( /-)?( -.$),"-( 4( :#$<-( 8#6"?$?I4"4=( "-$( .arracos de madeira. A Comiss?o de Erradica??o de Favelas- CEF leva nove anos para organizar um plano e um projeto, prevendo a remo??o assim como toda estrutura e implanta??o dos 17 mil lotes previstos. A perspectiva para o assentamento estabelecido em Ceil?ndia levaria al?m da quest?o de distribui??o dos lotes e casas, id?ias de remo??o, uma participa??o de todo n?cleo familiar(...)num ambiente dotado de discurso de convencimento da popula??o no que concerne a constru??o de uma cidade que se daria ao longo "?(&0(+,-%?$$-("?(84"?$<-( "?( ?Z&#+40?6)-$( %-0&6#)V,#-$( .V$#%-$P( Z&?( +-$)?,#-,0?6)?P( $?,#40( 40+/#4"-$=( (VASCONCELOS-1988:59). A Ceil?ndia nos anos 70 constitu?a uma materializa??o espacial injusta pois estava distante da oferta de trabalho que era basicamente na constru??o civil (aproximadamente 30 Km de Bras?lia) antes mais acess?vel a partir das vilas. Exce??o constitu?am as atividades construtivas de moradias, ?s vezes sob a forma de mutir?o, um tipo de sobretrabalho, no pr?prio espa?o de Ceil?ndia. Transferidos para Ceil?ndia, viram desestruturar-se o mercado de trabalho, que passou a demandar demorados percursos de mais de uma hora, al?m de gastos com o deslocamento que antes era feito a p? ou de bicicleta. Outra desestrutura??o foi a da vizinhan?a, a do lazer, das feiras e das escolas. Em raz?o do volume de habitantes com que conta a Ceil?ndia, hoje poder-se-ia afirmar que se trata da maior metr?pole dormit?rio do Centro Sul. (Paviani:1991). Estudos como de Ammann (1978) relativizam o perfil social do ceilandense definindo-o como pluriclassista. Al?m de fatores de cunho econ?mico, h? la?os de identidade, de sentimento comuns contra?dos no local de moradia nas rela??es de vizinhan?a que levam o morador a reivindicar o direito de participar da vida na cidade. A cidade adquiriu visibilidade nos idos de 1978 pelo movimento dos Incans?veis Moradores de Ceil?ndia, quando tomam corpo as mobiliza??es de cunho contestat?rio e reivindicativo, quando as associa??es de moradores de Bras?lia constitu?ram um fato, um contraponto ? pol?tica habitacional que refletia a segrega??o espacial. Atualmente, como j? se notava no per?odo da constru??o de Bras?lia, seus habitantes como em Ceil?ndia s?o oriundos de diversas localidades do pa?s com um predomin?ncia da regi?o nordeste (42,6% CODEPLAN (1997). ! 73 Ceil?ndia ? resultante da desocupa??o de vilas de oper?rios, pr?ximas a Bras?lia. Hoje, aos 38 anos de exist?ncia, j? possui aspectos de uma cidade densa e heterog?nea (WIRTH, 1974), possui cerca de 332.445 mil habitantes (CENSO/IBGE-2000), concentrando a maior popula??o do Distrito Federal, sendo que, desse total, 72.521 (21,8%) s?o jovens entre 15 e 24 anos. Essa cidade concentra, segundo a CODEPLAN, uma das menores rendas por chefes de domic?lio do DF, 57% desses chefes de domic?lio recebiam at? dois sal?rios m?nimos, em 2004. Em 1980, Ceil?ndia possu?a 286.147 habitantes, dos quais 65,3% tinham at? 29 anos, ou seja, 186.854 crian?as e jovens aproximadamente (CODEPLAN). Nesse mesmo per?odo, a renda per capita em termos de sal?rio m?nimo era de 0,51 sal?rio para fam?lias com aproximadamente 5,27 pessoas. Portanto, ? poss?vel se considerar que Ceil?ndia, aos 10 anos de exist?ncia, era uma cidade com a maioria de sua popula??o jovem, migrante e de classe econ?mica pobre, situada num espa?o pauperizado. Essas diferen?as sociais estabeleceram diferenciadas expectativas de vida, que por sua vez geraram um grande impacto na forma??o da juventude distante do poder aquisitivo da juventude branca de classe m?dia do Plano Piloto. Outro detalhe a respeito da configura??o urbana de Ceil?ndia est? sob influ?ncia do sistema de nomenclatura das diferentes regi?es da cidade, que s?o definidas por setores identificados por um sistema alfanum?rico, ? maneira de Bras?lia. Portanto, n?o h? bairros em Ceil?ndia, h? setores com nomenclaturas, como QNM, QNP, QNQ, QNR asociados a n?meros que indicam as quadras dos setores como QNO 8 ou QNM 10, como indica o mapa a seguir. Esse fato n?o impediu que a cidade se tornasse estratificada e com um razo?vel n?vel de diferencia??o social expresso por diversas rela??es de vizinhan?a, assimila??o e competi??o social que imprimiram o sentido de pertencimento e exclus?o interna de seus habitantes (PARK, 1980). Outro detalhe relevante ? que, segundo o DIEESE (2000), o Distrito Federal concentra a terceira maior popula??o negra do pa?s em termos percentuais (63,7%), precedida por Salvador-BA (81%) e Recife-PE (64%). Essa caracteriza??o racial de Bras?lia pode ser mais um ind?cio para a compreens?o de tais processos de segrega??o socioespacial. Ainda referente a esse aspecto da distribui??o racial, em termos geogr?ficos, na medida em que a popula??o possui uma configura??o racial mais concentradamente negra, outras vari?veis como renda ou ?ndices demarcadores da viol?ncia s?o maiores. Em rela??o ao processo de segrega??o socioespacial, movido pela especula??o imobili?ria do solo urbano em Bras?lia, observa-se a proporcionalidade entre vari?veis ! 74 como ra?a e viol?ncia. Como exemplo disso, observa-se que Bras?lia possui 25,2% 14 de sua popula??o autodeclarada negra (ou seja, pretos e pardos) e um ?ndice de 12,9 mortes por homic?dio por 100.000 habitantes 15 . Em contrapartida, Ceil?ndia, com 54,2% de sua popula??o negra, acumula um ?ndice de 43 mortes a cada 100.000 habitantes. Essa proporcionalidade entre concentra??o de popula??o negra e pobre com a viol?ncia ? observada em diversas cidades pr?ximas a Bras?lia. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 14 Fonte: Pesquisa Distrital por Amostra de Domic?lio ! PDAD ! em 2004. 15 Fonte: Minist?rio da Sa?de, sistema de informa??es sobre mortalidade, Cd-Rom, 2002 e IBGE, Censo demogr?fico em 2000. ! 75 Mapa 1: Imagem de sat?lite do Distrito Federal. Fonte Google Earth. . Mapa 2: Imagem de sat?lite de Ceil?ndia-DF com a indica??o de seus setores. Fonte: Google Earth 2009. ! 76 Ainda em rela??o aos aspectos metodol?gicos da pesquisa, no caso dos setores de Ceil?ndia, onde foram realizadas os grupos de discuss?o bem como boa parte do trabalho etnogr?fico, foi utilizada uma nomenclatura diferente da original para se remeter aos ?$+4D-$("?(%#,%&/4D<-("-$(I-:?6$P(%-0-(#6"#%4(-(Z&4",-(8J?#/e6"#4(\045#64"4=(4.4#S-A Figura 1: Ceil?ndia Imaginada ! representa??o esquem?tica dos setores de Ceil?ndia. ! 77 C AP? T U L O 5 H IP-H OP C O M O PE NSA M E N T O D ESC O L O NI A L E P?S C O L O NI A L As reflex?es sobre os posicionamentos da juventude hip-hop desafiam certos reducionismos no que se refere ? separa??o entre cultura e pol?tica. Em rela??o a isso, os estudos sobre subalternos s?o, em geral, mais proeminentes em rela??o ?quelas abordagens a partir de suas pr?prias perspectivas e estrat?gias de enfrentamento de um sistema de diferentes hierarquias sociais. Esse enfrentamento, o qual ser? discutido a partir das narrativas dos pr?prios jovens, permite a reconstru??o document?ria de suas novas formas de saber e conhecimentos definidos por alguns autores contempor?neos com pensamento descolonial 16 . Isso implica, dentre outros aspectos, refletir sobre os fen?menos da cultura em uma perspectiva transdiciplinar, que permita observar que tipos de hierarquias sociais est?o configuradas de modo heterodoxo num determinado sistema de poder (GROSFOGUEL, 2005), assim como refletir criticamente sobre a pr?xis social dos sujeitos submetidos ? condi??o da colonialidade para al?m dos discursos de modernidade p?s-colonial, que s?o impostos num sistema de domina??o dos povos n?o ocidentais perif?ricos que est?o dentro e fora do primeiro mundo (MIGNOLO, 2003). Historicamente, o hip-hop se refere ao movimento cultural, produzido por jovens negros e latinos, surgido em espa?os segregados de grandes metr?poles nos Estados Unidos, Inglaterra, no final dos anos sessenta por interm?dio da influ?ncia dub 17 da cultura caribenha que chegava aos EUA trazida por imigrantes. Naquele per?odo havia uma profus?o de estilos subculturais que se estruturavam gradualmente sob a ?tica de uma cultura transnacional, globalizada, como ocorria com o rock, o reggae, entre outros. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 16 Em rela??o ? discuss?o sobre pensamento descolonial e colonialidade, bem como sua cr?tica a categorias como modernidade p?s-colonial ver Walter Mignolo (2003) e, mais recentemente, a tese de doutorado de Joaze Costa-Bernardino (2007). 17 M?sica instrumental combinada com efeitos eletr?nicos. ! 78 Como uma dessas pr?ticas culturais difundidas mundialmente, o hip-hop ? um fen?meno cultural que engloba est?ticas art?sticas, como o break ou street 18 dance (dan?a de rua), o grafite (pintura aerogr?fica), o DJ (como produ??o musical) e o rap 19 (como a combina??o de ritmo e poesia cantada). De fato, cabe ressaltar que essas diferentes manifesta??es est?ticas foram difundidas de modo heterog?neo, nesse caso, o rap foi o que se tornou mais difundido como uma cultura popular de uma juventude globalizada. O hip- hop, desde sua origem, tem sido associado a uma arte voltada para segmentos exclu?dos no espa?o urbano, como jovens, imigrantes, negros, mulheres, entre outros. Paul Gilroy (2001), intelectual negro e brit?nico, se remete ? categoria di?spora como uma proposta para os estudos culturais, com o objetivo de explicar a forma??o de uma cultura vernacular do Atl?ntico Negro. Em sua obra, o autor analisa o estabelecimento de mecanismos de distin??o cultural adaptado ?s novas circunst?ncias do Reino Unido, manifesta??es que atuam em separado e, ao mesmo tempo, em converg?ncia. Gilroy (2001) atesta que o povo negro se recria enquanto grupo conglomerado, ao reinventar sua pr?pria etnia. A ret?rica do poder negro foi desvinculada de seus marcadores ?tnicos e !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 18 Street dance ou dan?a de rua ? um termo amplo que inclui diversos ritmos e performances corporais, que se originaram em espa?os informais, como as ruas, escolas ou boates das grandes cidades em franca metropoliza??o, com fluxo de imigrantes de diversas localidades que trouxeram seus ritmos tradicionais e populares, os quais se recombinaram em novas modalidades. Em geral, street dance ? associada ao hip-hop criado nos Estados Unidos j? nos anos 70, a partir do soul, funk, break e uma grande variedade de ritmos (TOOP, 1984). A permanente cria??o de novos passos em fun??o da intera??o que ocorre entre os seus participantes promove encontros em que se formam 8,-"4$=(-6"?(-$(+4,)#%#+46)?$, organizados em grupos 8crews=, ,?4/#740($&4$(+?,1-,046%?$(6&0(%/#04("?(40#74"?(?("#$+&)4(%*404"-(8.4)4/*4$=>(b0(h,4$C/#4, o grupo DF Zulu Breakers, formado em Ceil?ndia-DF, desde os anos 80, se destaca em competi??es nacionais e internacionais. De fato, o street dance associado ao break nos anos 80 representava enormemente o hip-hop antes do surgimento e da populariza??o do rap, que atualmente ? predominante em rela??o a outras manifesta??es do hip-hop, como o grafite e o break, que eram enfatizados nos videoclipes e filmes a exemplo do cl?ssico Wild Stile (1983), que retrata a juventude porto-riquenha e negra em bairros pobres de Nova Iorque, a qual se envolve com a pintura do grafite, retratado como o grande referencial do hip-hop. 19 Estilo musical integrante do hip-hop que implica cantar uma letra de maneira r?tmica. Rap ? um termo origin?rio do ingl?s que significa rhythm and poetry. O cantor de rap ? chamado rapper ou MC (master of cerimony). O rap ? normalmente acompanhado de bases r?tmicas eletr?nicas chamadas bases coordenadas pelo DJ. ! 79 diante de sua condi??o de explorado, passa a redifini??o de seus projetos sociais frente a suas necessidades locais e pol?ticas, a suas hist?rias de lutas. O povo negro estabeleceu novas linguagens pol?ticas de cidadania voltadas para a justi?a racial e a igualdade. Essas linguagens ultrapassaram a esfera da tradicional luta pelo trabalho e passaram tamb?m a se articular atrav?s do lazer. A di?spora permitiu a 8),46$1?,;6%#4=( "?( 1-,04$( %&/)&,4#$( ?( ?$),&)&,4$( "?( $?6)#0?6)-$P( -( Z&?( 9#/,-2( [qXXWa( %*40-&( "?( 8*#$)-,#%#$0-( +-+&/4,=>( j( 4&)-,( ,?%-,,?( Q( %-6),#.&#D<-( *#$)R,#%4( "4 m?sica negra para reconstruir essa trajet?ria est?tica e pol?tica da modernidade. Dessa mesma hist?ria se originar? o hip-hop e suas respectivas manifesta??es. De certa forma, essa manifesta??o cultural corresponde a esse processo diasp?rico de ressignifica??o, de agenciamento da luta, da inser??o social do negro por meio da ludicidade e da est?tica. Contudo, segundo a discuss?o que associa a di?spora do Atl?ntico negro de Gilroy com a forma??o do hip-hop, praticamente n?o se consideraram aspectos espa?o-temporais presentes numa configura??o geracional (WELLER, 2009, p. 20). Al?m disso, o Atl?ntico negro do autor se refere basicamente a experi?ncias do Atl?ntico do hemisf?rio norte, algo que desconsidera outras especificidades do processo diasp?rico da colonialidade sul- americana, na forma??o de uma popula??o afrolatina. Em outros termos, isso significa que jovens negros afrolatinos, como no Brasil, em fun??o de outros movimentos migrat?rios e acesso a bens culturais simb?licos, como o hip-hop e o rap norte-americano, estabelecer?o outros elementos constituidores de uma identidade geracional em torno do hip-hop nas grandes metr?poles brasileiras. Portanto, a forma??o de gera??o jovem em torno do hip-hop n?o ocorre simplesmente num processo de assimila??o de novos valores numa perspectiva de centro e periferia. O hip-hop produzido de modo diverso sofrer? influ?ncia em sua composi??o, inclusive pela combina??o de elementos musicais advindos de outros estilos musicais j? existentes e consumidos pelos jovens (SANSONE, 2004, p. 169). O sentido atribu?do ? modernidade, enquanto aprecia??o da racionalidade t?cnica de valores universais euroc?ntricos, influenciou atrav?s de um sistema mundial toda cultura existente atrav?s da colonialidade (QUIJANO, 2000). Dito de outra forma, esse projeto monol?tico de modernidade ocidental imprimiu valores que se relacionam ?s outras culturas e povos a partir de uma posi??o de superioridade e incapaz de perceber atrav?s de cosmologias e epistemologias de um mundo n?o ocidental (GROSFOGUEL, 2007). ! 80 Diante disso, o hip-hop produzido por uma juventude negra da di?spora em grandes centros urbanos, em regi?es com na Am?rica Latina, apresenta respostas a partir da subalternidade imposta pela colonialidade de um sistema mundial de valores e produtos simb?licos centrado numa modernidade ocidental. Essa resposta se materializa atrav?s da recria??o de estilos e novas formas de pensamentos e estrat?gias de a??o nas esferas simb?licas, pol?ticas e econ?micas de um sistema em escala mundial. Portanto, esse conjunto de pr?ticas constitu?das pela juventude contempor?nea remete a uma forma de pensamento fronteiri?o, que ? em parte influenciado pelas condi??es de opress?o estruturadas historicamente. Contudo, essa mesma situa??o permite uma reflex?o e cria??o de novas estrat?gias e lutas pela libera??o (DUSSEL, 2008) e redefini??o do pr?prio sentido de humanidade, estruturado hierarquicamente a partir de categorias, como g?nero, ra?a, classe, entre outras. Mecanismos simb?licos de inser??o: luta por reconhecimento Como observa Amorim (1997), o hip hop tradicionalmente se restringia a id?ia de movimento pol?tico ? esfera de grupos e institui??es ligados ?s classes trabalhadoras, ? a??o social de adultos. Movimentos ?tnicos e de minorias seriam con$#"?,4"-$( 8+,F- +-/C)#%-$=(-&(8+$?&"-+-/C)#%-$=>(j(hip-hop tamb?m acaba sendo marginalizado sob essa perspectiva da racionalidade ocidental ou da pol?tica estrat?gica de cunho universalista e euroc?ntrica. Contudo, nova forma de agenciamento promovida no campo simb?lico pela juventude tem um potencial de mobiliza??o da sociedade civil, na luta pelo reconhecimento no espa?o p?blico. A popula??o negra aglomerada nas periferias urbanas tem apresentado novas possibilidades de reagir a essas dificuldades, uma vez que est? em contato com as transforma??es acarretadas pelo desenvolvimento da ind?stria cultural e do capitalismo ocidental. Enfrentar a discuss?o relativa ?s origens do hip-hop $#56#1#%4(#,(4/F0("4(8,?4/#"4"?( 0C)#%4=("?(&04(0d$#%4(Z&?(64$%?&(6-$(5&?)-$ negros dos territ?rios dos Estados Unidos, pois esse estilo musical j? se encontra difundido tanto no Brasil, como em outras localidades, na forma de um produto da ind?stria cultural globalizada. ! 81 O hip-hop, expresso pelos jovens rappers costuma veicular atrav?s da m?sica a constru??o de uma consci?ncia pol?tica. Eles falam em nome de uma gera??o sem voz, perif?rica, estigmatizada. Nesse caso, a pr?tica cultural do rap propicia a emerg?ncia de uma consci?ncia social dos indiv?duos em termos de diversas perspectivas, relacionadas a g?nero, ra?a/etnia. Essa postura combativa definine um sentimento de pertencimento coletivo em termos de uma espacialidade injusta materializada na periferia urbana. Isso significa que, mesmo estando em diferentes pa?ses ou cidades, a juventude hip-hop poder? redefinir suas quest?es geracionais estabelecendo semelhan?as e contrastes em rela??o ao seu envolvimento com os grupos de rap, bem como ao enfrentamento de situa??es discriminat?rias, como observado entre jovens rappers de S?o Paulo e Berlim (WELLER, 2009). O rap ? um estilo musical que ? relativamente acess?vel aos jovens que n?o disp?em de muitos recursos para investir numa produ??o musical. Isso ocorre em fun??o dos artif?cios tecnol?gicos que simplificam sua elabora??o e difus?o. Esse conjunto de possibilidades expressos pelo rap enquanto um estilo proveniente da m?sica eletr?nica o torna mais popular ? juventude . Isso ? menos frequente em outros estilos, que demandam maior conhecimento t?cnico ou a aquisi??o de equipamentos, como instrumentos musicais, est?dio, entre outros. No caso brasileiro, em rela??o a outros g?neros de m?sica popular de identidade negra, como o samba, o pagode, o ax?, entre outros, o rap assume um discurso ao mesmo tempo de orgulho do povo negro e de cr?tica ao racismo, denunciando, num tom 4&)-.#-5,V1#%-P($&4(,?:-/)4(%-6),4(4(-,"?0(?$)4.?/?%#"4(?(%-6),4(&0(8"?$)#6-=("?(%-6)C6&4( exclus?o (CARVALHO, 1994, p. 32). Esses grupos, portanto, aparecem como uma alternativa aos grupos juvenis; constituem &04(6-:4(1-,04("?(,?.?/#<-P(64(Z&4/($?(,?d6?0(?0(854/?,4$=(Z&?(6<-(+-$$&?0( a organiza??o pr?pria das gangues. Ao contr?rio, podem servir como uma op??o efetiva para o jovem situar-se no espa?o p?blico no debate sobre a sociedade e conferem um car?ter de visibilidade ?s aspira??es dos diferentes grupos que englobam. Esses movimentos geralmente s?o conhecidos por movimentos alternativos, contraculturais, subculturais ou marginais, ou ainda movimentos underground. S?o caracterizados por uma luta travada no campo da representa??o simb?lica, da significa??o e da est?tica. Grupos sociais que n?o det?m o poder, nem cultural nem econ?mico, ! 82 desafiam a ordem hegem?nica, expressando-se, geralmente, por meio da m?sica, da dan?a, das vestimentas, das artes visuais e da /#65&45?0(?$%,#)4>(j(80-:#0?6)-=(hip-hop seria um movimento dessa natureza, com a caracter?stica de assumir tamb?m uma atitude de rep?dio ? discrimina??o e ? exclus?o social na qual se encontram os jovens negros e imigrantes que vivem nas periferias urbanas. O hip-hop, de fato, re?ne em suas manifesta??es alguns aspectos que o aproximam "4Z&#/-(Z&?(+4$$-&(4($?("?1#6#,(%-0-(86-:-$(0-:#0?6)-$($-%#4#$=>(b$$?$(0-:#0?6)-$( 804#$($-/)-$=P(4(Z&?($?(,?1?,?(9-*6([qXXGaP($<-(1/?SC:?#$P(4.?,)-$(?0()?,0-$("?(:4/-,?$(?( ideologias. Gohn (2004) observa que os movimentos sociais na atualidade se articulam mediante redes estabelecidas por pequenos grupos, que numa rela??o de compreens?o m?tua constroem suas demandas na vida cotidiana, em que a afetividade e a identifica??o pessoal passam a ser a base para pr?ticas inovadoras da cultura. Contudo, o hip-hop n?o pode ser definido enquanto um movimento social un?voco, pois na medida em que ele se organiza no sentido de suas demandas de reivindica??es, para a??es espec?ficas, seus membros passam a articular e veicular suas falas a partir de redes externas, como #6$)#)&#DT?$(:#6%&/4"4$(4-(/-%4/(5?-5,V1#%-A(-$(80-:#0?6)-$("4(+?,#1?,#4=P(j^9$([Jk?](! Central ?nica das Favelas, MH2O ! Movimento Hip-hop Organizado, Grupo Atitude, entre outras), pequenas e m?dias empresas, como gravadoras de v?rios segmentos da ind?stria fonogr?fica, Igreja, escola, entre outros setores. Os interesses s?o diversos dependendo do grupo social, da mesma forma, as estrat?gias de agenciamento dos atores sociais s?o diversas. Aparentemente, esses jovens ligados ao hip-hop reagem ? marginalidade estabelecendo meios de integra??o de modo espec?fico, convertendo a falta de perspectiva, a falta de utopia em elemento de identidade e a utiliza??o ostensiva e violenta desta como forma de conquistar respeito no espa?o de discuss?o pol?tica propiciado pela ind?stria cultural e pelos ve?culos da m?dia. O hip-hop revela um tipo de alternativa de inser??o pelo vi?s simb?lico, em que uma estetiza??o da pol?tica abre um novo campo de possibilidades para a materializa??o da cidadania. O jovem pode apontar para novos caminhos al?m do tradicional mandonismo do mundo adulto. ! 83 G?nero e Ra?a e hip-hop O hip-hop representa, a partir de sua est?tica, propostas pol?ticas, um tipo de arte social, com apelos frente ? quest?o da exclus?o social (classes), da marginaliza??o no espa?o urbano expressa atrav?s da constru??o de um imagin?rio da periferia (FORMAN, 2002), frente ? quest?o da segrega??o racial e, mais recentemente, ? quest?o de g?nero (POUGH, 2004). No hip-hop, e em especial no rap, h? um discurso voltado ao jovem das classes sociais populares e, em especial ao negro, configurando um meio de express?o afirmativa. Contudo, mesmo os estudos p?s-coloniais, como os enunciados por Gilroy (2001), atestam a conota??o mis?gina e masculinista que expressa uma rela??o de conflito entre homens e mulheres (negros e negras) no contexto norte-americano, como discutidos por Ferguson (2007) e Rosa (2006). O discurso origin?rio da emancipa??o racial negra tem entrado em certas ocasi?es em disson?ncia devido ? constru??o conflitante da sexualidade. Parece cada vez mais invi?vel uma separa??o destas quest?es raciais e de g?nero, presentes nas articula??es estrat?gicas advindas do repert?rio de procedimentos enunciativos do rap. Os estudos multiculturais historicamente lidaram com a desconstru??o da categoria 8%/4$$?=( "?( 4$+?%)-( 5?6?,4/#746)?P( 4-( 41#,04,( Z&?( ?$$4( $R( +-"?,#4( $?,( :#:?6%#4"4( +-,( #6"#:C"&-$("-)4"-$("?(8,4D4=>((](Z&?$)<-("-(%-61/#)-(#nstaurado por um masculinismo no hip-hop %*404(4)?6D<-(+4,4(-&),-(4$+?%)-(4($?,(+,-./?04)#74"-A(8-(5;6?,-(F(4(0-"4/#"4"?( 64(Z&4/(4(,4D4(F(:#:#"4=([9\HEjgP(qXXWP(+>(W?XaP(?0(-&),-$()?,0-$P(-(%-,+-(F(14)-,( significante que d? lugar a conte?dos variados, portanto ao considerar quest?es de g?nero desvinculadas dos aspectos de racialidade corre-se o risco de outro tipo de universalismo. A diferen?a estabelecida pela ra?a constr?i novas variantes simb?licas nas rela??es masculino e feminino, as quais s?o naturalizadas no interior da vida familiar patriarcal e da mesma forma reproduzem refer?ncias de identidades raciais, consideradas est?veis. Essas identidades de g?nero passam a exemplificar diferen?as culturais que aparentemente brotam da diferen?a ?tnica absoluta. Question?-las e questionar sua constitui??o da subjetividade racial ? imediatamente ficar sem g?nero e colocar-se fora do grupo de parentesco racial (GILROY, 2001, p.180)!. ! 84 O hip-hop permite a circula??o em termos planet?rios do discurso de uma identidade racial como manifesta??o proveniente da di?spora africana, que ? agora reinterpretada sob configura??es de g?nero e sexualidade. O hip-hop, enquanto um bem simb?lico produzido no contexto da produ??o est?tica da juventude negra na modernidade, trouxe aspectos de reconstru??o e positiva??o dos negros e exclu?dos. A quest?o de g?nero e especificamente da misoginia presente em rela??es desiguais da juventude, estabelece 61C#,! D3*6-*,! $13! B(#! (1E0/0F#@A1! GB*! ?16-*($/*!3*,$*?-0C#(*6-*!#,!+*(#6+#,!+*!#-13*,!,1?0#0,!?16-3H301,!#1!3#?0,(1!*!#1! ,*I0,(15!! ! 85 C AP?T U L O 6 E T N O G R A F I A URB A N A: JU V E N T UD E H IP-H OP N O DIST RI T O F E D E R A L O hip-hop como um fen?meno global est? associado historicamente a um imagin?rio social de grupos subalternizados, como negros e latinos de grandes metr?poles americanas, como Nova Iorque ou Los Angeles (FORMAN, 2002). A segrega??o racial e espacial teria criado condi??es para uma nova conforma??o cultural desses sujeitos sociais submetidos ? di?spora africana que cruza o Atl?ntico em diversos n?veis, inclusive no musical (GILROY, 2001). O hip-hop se posiciona de modo divergente ? perspectiva dos estudos culturais que enfatizaram os estudos de subculturas nas gera??es jovens com posicionamento de vanguarda frente ao mercado de consumo da ind?stria cultural. Em rela??o a isso, o hip- hop no Brasil , especificamente em Bras?lia, sempre esteve inserido num mercado de bens simb?licos e materiais, como discos, roupas e acess?rios veiculados pelos meios de comunica??o de massa. A exemplo disso, observou-se toda uma s?rie de programa??es em r?dios especializadas em Bras?lia ou programas de entretenimento na TV com videoclipes em cadeia nacional. Em geral eram musicas e v?deos de grupos norteamericaneos que que delinearam toda a constru??o de um gosto pelo consumo de bens culturais da juventude que passa a se identificar o hip-hop em grandes metr?poles brasileiras. DJ Antigas [:normalmente, os lan?amentos do Michael Jackson paravam tudo, o clipe do Michel Jackson, naquele tempo at? que com o tempo come?ou a passar o Break na TV mesmo existia um Programa, era de um camarada chamado Jota Silvestre l? de S?o Paulo, a? tinha um concurso de break em 1982, a gente ficava louco assistindo aquilo ali, e as paradas e os caras fazendo as ondas assim, e as m?sicas, e a gente enlouquecia porque n?o tinha acesso, a gente assistia direto 20 . !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 20 Nesta se??o, parte da vis?o de mundo da juventude hip-hop ser? recuperada a partir de fragmentos retirados de duas entrevistas com dois DJs dos anos oitenta, apresentados com nomes fict?cios. DJ Antigas tem 40 anos e ? morador de Ceil?ndia, atuou em diversos grupos de rap nos anos noventa, ? casado e vive do seu trabalho como DJ. O DJ Virada tem 39 anos, ? morador do Plano Piloto de Bras?lia e pertence ? classe ! 86 O hip-hop surge em Bras?lia concomitantemente a outras metr?poles brasileiras, como Rio de Janeiro e S?o Paulo. Contudo, Bras?lia devido ?s suas especificidades de capital federal, bem como pela presen?a massiva das embaixadas, propiciou um interc?mbio entre jovens de uma classe m?dia alta com acesso a viagens internacionais, ao consumo de discos, videoclipes, bem como ao acesso a tecnologias de produ??o musical que inexistiam no pa?s at? aquele momento. O consumo de discos de funk e rap por jovens da classe m?dia brasiliense trouxe os primeiros materiais para suprir as r?dios. Filhos de artistas ou servidores p?blicos, esses jovens estavam mais pr?ximos das inova??es tecnol?gicas e est?ticas j? no in?cio dos anos oitenta. Pode-se afirmar que Bras?lia, devido ao seu projeto de abrigar uma classe burocr?tica dirigente, estava mais voltada paras as quest?es nacionais (NUNES, 2004). Sua din?mica urbana era restrita ao Plano Piloto. A sociabilidade urbana com as demais cidades do Distrito federal se dava mais em fun??o da oferta de m?o-de-obra para presta??o de servi?os dom?sticos e para a constru??o civil. As cidades do Distrito Federal eram invisibilizadas no que se refere a sua produ??o local de cultura e outros bens simb?licos. Pensar o surgimento do hip-hop no Distrito Federal significa, dentre outras coisas, se lan?ar no movimento pendular das migra??es di?rias que inscrevem, f?sica e metaforicamente, o sentido de centro e periferia do espa?o urbano. Contudo, o caminho de desenvolvimento seguido pelas cidades cria espa?os cada vez mais heterog?neos e, portanto, complexos. Aquivos jornal?sticos e a imagem da juventude no Distrito federal Durante a realiza??o da pesquisa, foi feito um levantamento junto a arquivos jornal?sticos em Bras?lia, especificamente do jornal Correio Braziliense. Foram pesquisados arquivos das edi??es di?rias de 1985 a 1994. A sele??o esteve voltada para artigos que tratassem de temas relacionados ? juventude, lazer nas cidades-sat?lites, em especial, em Ceil?ndia-DF. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! m?dia que introduziu o hip-hop como bem de consumo na cidade, na forma de discos e grava??es. Ele ? casado e trabalha como produtor musical. ! 87 De fato, as dezenas de horas de trabalho permitiram a constata??o de que, at? os anos oitenta, as atividades de lazer, bem como a produ??o cultural do Distrito Federal se r?$),#65#40(4-(B/46-(B#/-)-("?(h,4$C/#4>(j(I-,64/(+-$$&C4(&0(%4"?,6-(%*404"-(8h,4$C/#4=P( no qual eram reportados fatos da cidade, incluindo-se as atividades de lazer. Havia tamb?m -(%4"?,6-(8M-#$=P(,?/4%#-64"-(4(&04(?$%4$$4(+,-5,404D<-(%&/)&,4/()40.F0(%-6%?ntrada ?0( h,4$C/#4P( -( %4"?,6-( 8J#"4"?$=( $R( $?,#4( %,#4"-( 6-( #6C%#-( "-$( 46-$( 6-:?6)4>( ^?$$?( per?odo, os acontecimentos relacionados ?s demais cidades-sat?lites e ? sua juventude se restringiam aos cadernos policiais e esportivos. Os artigos tratavam basicamente de fatos envolvendo tr?fico de drogas, acertos de contas, homic?dios, dentre outros crimes, que, em sua maioria eram cometidos ou sofridos por jovens. Al?m disso, havia a associa??o de diversos grupos de jovens ligados a manifesta??es culturais nas cidades-sat?lites com a viol?ncia e a forma??o de gangues. A juventude envolvida no hip-hop, especialmente em grupos de break, era criminalizada a partir da perspectiva das gangues e tribos urbanas. As mat?rias utilizavam- se de um jarg?o t?cnico para descrever as terminologias dos grupos, bem como aspectos relacionados aos estere?tipos da indument?ria, como cabelos e/ou roupas. Contudo, as trajet?rias sociais e orienta??es coletivas dos jovens eram suprimidas, em seu lugar generaliza??es de cunho policialesco associavam todos os jovens ? delinqu?ncia e ,?1?,?6%#4#$("?(&0(#045#6V,#-("?(85465&?$(6-:4-#-,Z@$=> A pr?pria constitui??o das imagens das mat?rias referentes as figuras 2 e 3 j? induzem a uma vis?o criminosa dos jovens, que s?o apresentados com uma tarja preta sobre seus rostos. Algo bastante utilizado para se referir aos menores infratores. Al?m disso, ao lado da mat?ria h? um ?cone de um personagem com uma tarja preta e um rev?lver. ! 88 ?#5&,4(q((89465&?$(%-6),4$)40(:#-/;6%#4(?("#:?,$<-=>((Reprodu??o de mat?ria do jornal Correio Braziliense, 12 de dezembro de 1991, caderno Cidades. ! 89 ?#5&,4( @( 8B-/C%#4( #6#%#4( -+?,4D<-( +4,4( #"?6)#1#%4,( 5465&?$=>( E?+,-"&D<-( "?( 04)F,#4( "-( I-,64/( J-,,?#-( Braziliense, 2 de janeiro de 1992. ! 90 Paralelamente ? invisibilidade e criminaliza??o da juventude negra das periferias de Bras?lia pela m?dia jornal?stica, surgiram, nos anos oitenta, alguns programas de r?dio que se tornaram um ve?culo representativo das atividades relacionadas ao lazer da juventude das cidades-sat?lites. Essas r?dios promoviam programas especializados em ritmos como o funk e rap, relacionados ao estilo hip-hop, ?(?:?6)-$(%-0-(1?$)4$P(8$-6$= 21 , em diversas localidades. Al?m disso, essas r?dios promoviam concursos de grava??es de mixagens que eram produzidas por pequenas equipes de sonoriza??o espalhadas pelas cidades e respons?veis por pequenas festas locais. DJ Antigas: Mais do in?cio do esquema aqui em Bras?lia era as r?dios FM que ? a Antena 01 hoje da 93.7, Atl?ntida FM tinha um programa que chamava dance night. Ele era sexta-feira de 23h A 00h e dia de s?bado de 00h a 1h da manh?.(...) Ent?o o que chegavam pra gente era o que os caras falavam era o que a gente entendia. M?6),?(?$$?$(:V,#-$(+,-5,404$P(-(8Y#S(Y46#4=P("-(Mz(/-%&)-,(J?/$<-P(?,4(&0("-$( mais ouvidos. Cels?o, al?m de locutor de r?dio, era DJ de v?rias festas que aconteciam ? 6-#)?P(64$(.-4)?$P(-&("&,46)?(-("#4P(%-6*?%#"4$(%-0-(8,&4$("?(/47?,=(-&($#0+/?$0?6)?( 8/47?,=>(^?$)4$(1?$)4$P("#:?,$-$(5,&+-$(-,5anizados apresentavam performance de break em concursos que ofereciam premia??es. A organiza??o dos jovens em grupos que disputavam atrav?s da dan?a o reconhecimento dos seus interlocutores era associada genericamente a gangues. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 21 Sons era o termo atribu?do a festas informais, familiares, que ocorriam em casa de particulares nas cidades- sat?lites nos anos 80. Em geral, eram festas locais em que tocavam ritmos como funk, rap ou outros g?neros musicais. Os sons devido ao seu car?ter local eram ferquentados pela vizinhan?a e normalmente n?o havia a necessidade de um convite formal para participar. ! 91 ?#5&,4(G(8H-%&)-,(F(C"-/-("?(5,&+-$=>(E?+,-"&D<-("?(04)F,#4("-(I-,64/(J-,,?#-(h,47#/#?6$?P(q("?(I46?#,-("?( 1992. Os primeiros espa?os representativos para as festas com m?sica funk e rap ocorriam em Bras?lia, em bairros nobres como o Lago Sul, num espa?o conhecido como 89#/.?,)#6*-=(?(64(8?-6)?("-(h-0(B4/4"4,=P(-6"?(-%-,,?,40(-$(+,#0?#,-$(?6%-6),-$(?0( torno do break e rap, que eram reproduzidos nas r?dios. Jovens de diversas cidades como Ceil?ndia, Gama, Guar?, entre outras, se encontravam e estabeleciam contatos e criavam grupos por afinidade em rela??o ao estilo hip-hop. At? o final dos anos oitenta, o rap enquanto g?nero musical internacional n?o tinha a carga cr?tica que iria adquirir a partir dos anos noventa, como visto em grupos americanos, como o Fat Boys. As letras em geral tratavam de temas l?dicos, desprovidos de carga %,C)#%4P(%-6*?%#"4$(6-(h,4$#/(%-0-(80?/f= 22 . Essa perspectiva mais l?dica sem um discurso !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 22 Os mel?s eram m?sicas que tomavam uma base de um ritmo funk norte-americano e sobrepunham sobre a melodia e ritmo uma letra em portugu?s que tratava de temas simples do cotidiano e, em geral, remetiam ao $?6)#"-(%f0#%->(k0("-$(+#-6?#,-$("?$$?(5;6?,-(1-#(-(80?/f("-()454,?/4=, de Mi?le. Os mel?s tamb?m s?o ! 92 politizado influenciava o Brasil, que chegava a se utilizar do g?nero como recurso publicit?rio ou humor?stico. J? havia algumas propagandas que se utilizavam do rap como meio comercial em S?o Paulo e no Rio de Janeiro, mas o primeiro grupo de rap a produzir um disco no Brasil foi o grupo DJ Raffa e os Magrelos, formado por jovens do Plano Piloto e Guar?. Em seguida, surgiram outros grupos em S?o Paulo, como o do Thaide e DJ Hum e Pepeu, dentre outros. DJ Antigas: Foi da? que come?ou o esquema e a galera ficou conhecendo o primeiro movimento forte, forte assim onde todo mundo de Bras?lia se encontrou. Foi ali que todo mundo come?ou ver a cara um do outro, uma foi no Gilbertinho numa boate que chama Legr?bio l?, o primeiro encontro Hip-hop passou at? 64(,V"#-{(8J4,4%4(:?#-=()?6*-(Z&?(#,(/VP(/V(?,4(&04(.-4)?7#6*4(+?Z&?6#6*4( estava Rap, estava Wave, estava galera que antigamente era da banda do ( ) que era ( ) o Kid, os Ventanias, a galera toda, o Jony que... eu nunca tinha visto algu?m fazer scratch, estava l? o Leandro arranhando o aparelho de scratch, t? ligado, foi o primeiro cara que eu vi fazendo scratch. Nesse contexto, a cria??o dos primeiros espa?os para encontro de jovens envolvidos no hip-hop atrav?s do break e do rap ocorreu no Plano Piloto de Bras?lia, bem como o pioneirismo dos grupos do DJ Raffa e os Magrelos demarcam um momento relevante para pensar o hip-hop brasiliense como um fen?meno de classe m?dia. Por outro lado, seu p?blico era majoritariamente da periferia das cidades-sat?lites que iam em busca de entretenimento e das inova??es musicais que a cidade passa a ofertar. Nesse per?odo muitos jovens formaram grupos de break e rap e muitos jovens das cidades-sat?lites passaram a interagir com os jovens de Bras?lia interessados em break e rap>(b0(0?#-(Q(8%4+#)4/("-(,-%p=P(%-0-(h,4$C/#4(?,4(%-6*?%#"4P(+-,($?&(5,46"?(6d0?,-("?( bandas, os poucos jovens do Plano Piloto que se interessavam por hip-hop decidiram 1,?Z&?6)4,(1?$)4$P(8$-6$=(64$(%#"4"?$-sat?lites. Em geral, esses jovens se identificavam mais com os jovens das periferias. Portanto, isso interferiria em sua sociabilidade local no conjunto das Superquadras de Bras?lia, onde seus melhores amigos passaram a ser os 81#/*-$("-$(+-,)?#,-$=P(Z&?()40.F0()#6*40(-(0?$0-()#+-("?(41#6#"4"?(0&$#%4/> !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! associados a um hip-hop 4%,C)#%-P(Z&?($?,V(+-$)-(?0(%*?Z&?(+?/-(8rap %-6$%#;6%#4=([J]Ew]HnjP(W__GaP(( 04#$(%-6*?%#"-(+-$)?,#-,0?6)?(%-0-(8rap 64%#-64/=> ! 93 DJ Virado: De repente eu comecei a me sentir muito mais em casa nesses lugares, era muito mais bem recebido, n?o tinha frescura, eu me identificava com as pessoas. Estranhamente a minha vida toda come?ou ir pra l?, praticamente eu s? morava aqui, mas eu n?o tinha praticamente amigos. Pra voc? ter uma id?ia, voc? pode at? achar engra?ado, mas os meus melhores amigos aqui na quadra eram filhos de porteiro e a minha m?e confirma isso. Ent?o, n?o sei o que que acontecia, a minha afinidade social era diferente. A intera??o entre os jovens de fam?lias mais abastadas do Plano Piloto e dos jovens pobres de periferia das cidades-sat?lites gerou uma polariza??o de um campo de produ??o do hip-hop que uniu DJ, b-boys, rappers e grafiteiros no sentido de estabelescer contatos com um circuito mais estruturado. Isso ocorreu primeiramente nas boates em Bras?lia, como a Kremelin (Cruzeiro), o Galp?o Dezessete (Sobradinho), Parad?o e City (Taguatinga), o Prim?o e o Quarent?o (Ceil?ndia). Posteriormente, ap?s um circuito estruturado de boates e meios de divulga??o, como as r?dios, as produ??es do rap brasiliense passam a polarizar, em n?vel nacional, a partir de grupos como gravadoras fonogr?ficas, nesse caso, localizadas em S?o Paulo, atrav?s da Equipe Cascatas. Essa associa??o entre diversos jovens permitiu a inser??o de alguns grupos que ir?o posteriormente estabelecer outro centro geogr?fico da produ??o de m?sica popular como o rap para al?m do Plano Piloto. Portanto, gradualmente, os espa?os representativos do hip- hop no Distrito Federal ir?o se voltar mais para as cidades-sat?lites, como foi o caso de Ceil?ndia, representada pelos grupos de break como Refor?os, DF Zulu Breakers, grafiteiros e rappers, como os do grupo C?mbio Negro. Essa nova dimens?o do movimento hip-hop no Distrito Federal, agora articulada nas cidades-sat?lites, em especial em Ceil?ndia, cria uma situa??o inusitada no campo da produ??o cultural do Distrito Federal, j? no final dos anos oitenta e no in?cio da d?cada de noventa. Ceil?ndia se torna uma cidade representativa em termos de um circuito de produ??o do rap nacional que lan?ar? diversos grupos como GOG, C?mbio Negro, ?libi, Cirurgia Moral, Viela 17, Tropa de Elite, entre outros. Diversos grupos que iriam definir um campo de produ??o do rap nacional, como os Racionais MC ou Thaide passaram por Ceil?ndia. Essa diversidade de grupos desenvolveu uma cadeia de produ??o realizada por jovens da pr?pria cidade que contatavam os grupos de outros estados que vinham se apresentar no Distrito Federal, ?s vezes, sem passar pelos espa?os da cultura oficial de Bras?lia. Essa relativa autonomia de Ceil?ndia, constitu?da no campo da produ??o do rap, ! 94 representa um esfor?o coletivo de diversos grupos do Distrito Federal no sentido de mobiliza??o de jovens da periferia que se identificavam com o estilo hip-hop. Inicialmente, o Distrito Federal n?o contava com gravadoras e produtores profissionais, o que levava os grupos inicialmente a se dirigir a S?o Paulo para uma carreira profissional. Posteriormente, surgem algumas gravadoras em Bras?lia, como a Discovery. Contudo, em geral os jovens envolvidos no rap tinham a criatividade, mas pouca experi?ncia como empreendedores, de fato n?o h? dados precisos dispon?veis sobre tiragem de discos, apesar de mais de vinte grupos que gravaram nos anos noventa. Entretanto, poucos realmente lograram o sucesso financeiro correspondente. DJ Antigas: Ele (o propriet?rio) vendeu a gravadora para um cara, ele abriu m?o de tudo em vez de dispensar os artistas, n?o, ele deixou tudo na m?o do cara e est? na m?o do cara at? hoje os direitos, est? tudo l? na m?o do bicho. A? o cara continua fazendo e ganhando, a gente n?o tem direito a nada, ele fez a gente assinar documento pra sair da gravadora, a gente tinha que assinar documento, a gente assinou, veio, a? estava l? constando que a gente n?o recebia nada, que a gente n?o recebe mais dele. Trajet?rias Juvenis/Marcos Geracionais: F?ria Funk na Periferia de Ceil?ndia -D F Nos anos 80, as cidades do Distrito Federal possu?am poucos recursos destinados ?s atividades de lazer para a juventude, dessa forma a cidade de Ceil?ndia se destacava como um refere6%#4/(+4,4(4(%-0+,??6$<-("4(I&:?6)&"?(Z&?(1,?Z&?6)4:4(-$(%*404"-$(8$-6$=P(Z&?( ocorriam normalmente em casas de particulares aos s?bados. Estas festas familiares reuniam a vizinhan?a. Dificilmente algu?m buscava divers?o fora da cidade 23 . Nas tardes de domingo, ocorria sempre o que se chamava rua de lazer ou simplesmente lazer, como preferiam os mais ass?duos. Esse tipo de festa pode ser considerado como pr?tica est?tica organizadora de formas de sociabilidade e experi?ncia !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 23 Ceil?ndia contava com poucas op??es de lazer, contando com apenas dois cinemas. As escolas dispunham de livros em suas bibliotecas e eventualmente ocorria o Projeto Plat?ia, destinado ? popula??o estudantil das cidades-sat?lites, envolvendo m?sica, teatro, dan?a, folclore e literatura. O que, guardadas as devidas propor??es, continua sendo regra at? os tempos atuais. ! 95 constitutiva de uma base subjetiva nas sociedades urbanas contempor?neas. De fato, esses encontros ocorriam em diversos espa?os urbanos, Em cidades como Nova Iorque ou S?o Paulo, jovens de diversos bairros se encontravam para dan?ar break e funk 24 . Nessas cidades, os encontros normalmente ocorriam no centro metropolitano, pr?ximo a esta??es rodovi?rias ou de metr? (FERGUSON, 2007; VIANNA, 1988). No Distrito Federal, os jovens se encontravam em boates ou pr?ximos a espa?os comerciais, como o Conic e o Conjunto Nacional (AMORIM, 1997). Em cidades como Ceil?ndia ocorriam festas, normalmente, em ?reas, ?s vezes sem qualquer pavimenta??o, pr?ximas ao com?rcio local, onde se reuniam muitas galeras (grupos de jovens) de v?rias localidades. Os mais virtuosos se revezavam dan?ando o break e o funk. Havia as %*404"4$(c?Z&#+?$("?($-03i(%-0+-$)4$(+-,(DJs e alguns auxiliares, que eram verdadeiros )F%6#%-$(?0($-6-,#74D<->(n4:#4("?$"?(4(+?Z&?64(8wf-(H#:,?=(4)F(4(140-$4(8O0&,1$(M#$%-( M46%?=P( %-6$#"?,4"4( 4( 04#-,( ?Z&#+?( "?( $-0( "?( h,4$C/#4P( "?$"?( -$( 46-$( ?XP( %&ja 4"0#6#$),4D<-(F(,?4/#74"4(+-,(cY4,Z*-$3>(b,4(%-0&0(&04("#$+&)4(?6),?(4$(?Z&#+?$P(-( reconhecimento da melhor equipe era mediado pelo crit?rio do tamanho e qualidade do equipamento, em termos de equaliza??o, volume, bem como a sele??o das faixas pelos DJs. No cen?rio funk, existiam regras que definiam o lugar de cada um no contexto da festa. Os funkeiros, como eram denominados genericamente, buscavam elaborar uma resposta diferenciada daquelas dispon?veis no mercado. Esses jovens se apropriaram de forma peculiar dos objetivos providos pelo mercado, pela ind?stria cultural, imprimindo neles novos significados, pela invers?o de uso ou pela reuni?o de diferentes objetos num conjunto inusitado, criando assim um estilo subcultural peculiar. O lazer pode ser c-6$#"?,4"-( %-0-( &0( )#+-( "?( 1?$)#:#"4"?( %4,64:4/?$%4A( 81-,04( +,#0?#,4P( 04,%46)?P( "?( civiliza??o humana [...] onde h? uma aboli??o provis?ria de todas as rela??es hier?rquicas, +,#:#/F5#-$P(,?5,4$(-&()4.&$=([h]mnl\^P(W___P(+>(WUa>(](%4)?5-,#4(hibridismo tem sido utilizada para definir as culturas diasp?ricas dentro da l?gica da tradu??o com considera Bhabha (2003). N?o ? simplesmente apropria??o ou adapta??o; ? um processo atrav?s do !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 24 Estilo musical definido pela combina??o de v?rios elementos r?tmicos e mel?dicos, a partir de um instrumental tecnol?gico que passou a ser disponibilizado a partir dos anos 70, principalmente pela juventude negra norte-americana. ! 96 qual se demanda das culturas uma revis?o dos seus pr?prios sistemas de refer?ncia, normas e valores, pelo distanciamento de suas regras habituais -&(8#6?,?6)?$=("?(),46$1-,04D<-( (BHABHA apud HALL, 2003, p. 74- 75). O Quarent?o foi um dos espa?os mais representativos da cultura hip-hop existente nos anos 80 em Ceil?ndia. Tratava-se de um pr?dio que pertence ? Administra??o Regional. Localizado na parte central da cidade, ao lado do com?rcio regular e cercado pelo com?rcio informal dos camel?s nos anos 80, era uma esp?cie de sal?o de m?ltiplas fun??es, utilizado para v?rios fins so%#4#$>(]-$("-0#65-$P(Q(6-#)?P(4%-6)?%#40(-$(8$-6$=( animados pelo DJ Gersom. Por sua posi??o central, tornou-se um p?lo irradiador dos funkeiros de todos os bairros de Ceil?ndia, bem como de outras localidades fora da cidade. S? era permitida a entrada de jovens acima de 18 anos. O local era famoso por ser uma das ?nicas op??es da juventude, geralmente oriunda de classes sociais populares, e por ser espa?o de confronto entre jovens de diferentes localidades. DJ Antigas: Quarent?o era um esquema, ? l?gico que rolava o rap, mas o esquema do Quarent?o era da galera, dos bandid?o velho 25 , o quarent?o era dos bandid?o doido, era por isso que o Quarent?o era muito louco, era por isso que os bandidos tudinho iam, curtiam no Quarent?o velho, l? dentro quase n?o tinham desaven?as, as paradas eram l? fora mesmo, muita gente que morreu e tal, mas l? dentro era tenso, mas era prazeroso estar ali no meio. O Quarent?o foi um dos respons?veis pelo surgimento de um cen?rio art?stico hip- hop em Ceil?ndia. Logo ? frente do local onde se localizava o Quarent?o, existia uma esp?cie de anfiteatro onde jovens se reuniam para treinar coreografias de break, o que era promovido pela entidade social DF Zulu Breakers. Havia o desenvolvimento de projetos relacionados ao grafite, como ,?4/#74"-$( +-,( 4,)#$)4$( %-0-( -( O4)<-( ?( -( O&+/4( ?( 8O=i( tamb?m compareciam alguns m?sicos como DJ z404#%4P(cv3P(z4+<-P(9-5P(?6),?(-&),-$( que, nos anos 90, foram refer?ncias do rap dentro e fora do Distrito Federal. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 25 8w?/*-=(F(&0()?,0-(&)#/#74"-(+4,4($?(,?1?,#,(4(&04(+?$$-4(Z&4/Z&?,P(4/5-(%-0-(8%4,4=P(8$&I?#)-=(-&(80?&( %4,-=> ! 97 DJ Antigas: Tipo assim velho, o Quarent?o, os grandes nomes do rap j? passaram por l?, j? passou o Racionais, o C?mbio Negro j? tocou l?, Thaide (( )). Jackson na ?poca era rap e a gente estava a fim de curtir os metralhas e assim uma galera mesmo.(( )) Os caras tudinho, era massa velho, mas todo mundo conhecia todo mundo, ent?o era s? os caras de novo, a galera n?o queria ver n?o, a galera queria ver era bagaceira, o som velho era as rodas de show, isso ? que era onda de doida, n?o era nem roda de (( )) era roda de soul. Atualmente o Quarent?o, ent?o convertido em uma das unidades dos Restaurantes Comunit?rios do Governo, n?o representa mais esse espa?o para a juventude; existe apenas como um fragmento na mem?ria de uma gera??o que vivenciou a experi?ncia de ser jovem nos anos oitenta em Ceil?ndia. Nos anos noventa, inicia-se uma estrutura??o de v?rios grupos de rap que deixaram de lado as letras c?micas, como as presentes no mel?s, e passaram a aderir a narrativas que abordavam problemas sociais, usando um tom ao mesmo tempo de den?ncia e de reivindica??o de mudan?as sociais. No Distrito Federal, surgem v?rios grupos de rap com letras que abordam quest?es como o racismo e o problema da viol?ncia nas periferias urbanas entre os jovens. Apesar de n?o haver uma vincula??o direta de um movimento hip- hop envolvido diretamente com os movimentos sociais, h? alguns grupos e/ou indiv?duos envolvidos em participa??es com ONGs, como MH2O (Movimento Hip-hop Organizado), Grupo Azulin, CUFA (Central ?nica das Favelas). Portanto, a m?sica nesse contexto possui uma conota??o de discurso conscientizador. Nesse per?odo, o C?mbio Negro liderado por jovens de Ceil?ndia foi um dos grupos a alcan?ar maior repercuss?o frente ? juventude. Contudo, antes do sucesso comercial do grupo, bem como do seu reconhecimento pela juventude do Distrito Federal, o C?mbio Negro, assim como alguns grupos de break, como o DF Zulu Breakers e Refor?os, ? citado 64(0C"#4(%-0-(&04("?6),?(:V,#4$(5465&?$("?("?/#6Z&?6)?$P(Z&?(?$)4,#40(8?$+4/*46"-(-( )?,,-,=(6-(M#$),#)-(??"?,4/ 26 (FERREIRA, 2002, p. 24). Na mat?ria, h? um mapa em que !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 26 No ano de 1993, ocorre em Bras?lia a morte do jovem Marco Antonio Velasco por uma gangue de lutadores de artes marciais do Plano Piloto, chamada Falange Sat?nica. O caso revela a exist?ncia de gangues de jovens de classe m?dia envolvidos em atos de viol?ncia e crimes. Diante disso, a impressa local cria um estere?tipo em que todos os grupos de jovens existentes no Distrito Federal passam a ser tratados como disseminadores de viol?ncia. ! 98 grupos de rap e break aparecem ao lado de outros grupos de jovens acusados de pr?tica de crimes no Distrito Federal. ?#5&,4( K( 8L&4,?6)4( 5&465&?$( ?$+4/*40( -( )?,,-,( 6-( M#$),#)-( ??"?,4/=>( E?+,-"&D<-( "4( 04)F,#4( do jornal Correio Braziliense, caderno Cidades, 18 de agosto de 1993. No campo ? esquerda, h? uma refer?ncia ? Ceil?ndia e supostas gangues locais. O grupo C?mbio Negro marca o per?odo de estrutura??o do rap produzido no Distrito Federal e no pa?s, junto com outros grupos, como Racionais Mc, de S?o Paulo, e MV Bill, do Rio de Janeiro. Tal grupo, criado por jovens negros de Ceil?ndia, produziu um rap que atingiu diversas camadas sociais, inclusive as classes m?dias, especialmente a partir da m?sica Sub-Ra?a, 8 a faixa do 1? ?lbum, relevante para definir a entrada de uma linha discursiva sobre a exclus?o racial em Bras?lia. Trata-se da constru??o do imagin?rio da periferia da capital do pa?s, que reproduz todo um quadro de exclus?o social, objeto do discurso cr?tico frente a toda segrega??o social t?pica das grandes metr?poles, como ocorrido no Distrito Federal ao longo de sua trajet?ria. A m?sica Sub-Ra?a discute a Z&?$)<-("4(?S%/&$<-($-.(4(R)#%4("4($?5,?54D<-(,4%#4/(?($&5?,?(&04(8%-6$%#;6%#4(6?5,4=>( ! 99 Sub-Ra?a (1994) C?mbio Negro Agora irm?o vou falar a verdade, A crueldade que fazem com a gente, S? por nossa cor ser diferente. Somos constantemente assediados pelo racismo cruel, 2&3?4%./?#$&?5-67?-?.?131/8.?(&?&*8.6%/?$3?9"14.:7?";?4./?"&/?4/&<.7?%"".?-?51<.= O valor da pr?pria cor n?o se aprende em faculdades ou col?gios que ser negro nunca foi um defeito ser? sempre um privil?gio. Privil?gio de pertencer a uma ra?a, Que com o pr?prio sangue construiu o Brasil... Sub Ra?a ? a puta que pariu!!!(...) Sub-ra?a, sim ? como nos chamam aqueles que n?o respeitam as caras, dos filhos dos pais, dos ancestrais deles, n?o sabem que seu bisav? como eu era escuro, e obscuro: ser? o seu futuro se n?o agir direito,talvez seja encontrado em esgoto da CEIL?NDIA com tr?s tiros no peito. >?414.?-?&""&?93&/3.:???1?/&16%(1(&?-??5.(1:= @A.?(B?$3?C.<&?316?(1(.?"&?*A.?DEF2G>?<&?9C.(1:7?5%#$&?&"4&/<.?/1H%"<1"?"&?96%81?*1? 5%<1:7 I.3."?91*%31%":?93&/3.:?"&?95.(1:?#$&3?*A.?1H/&(%<1=?I$C-ra?a ? a puta que pariu!!! (Refr?o). Na letra de Sub-Ra?a *V( &0( ),?%*-( ?0( Z&?( $?( 41#,04A( 8^<-( $?( 4+,?6"?( ?0( 14%&/"4"?$(-&(%-/F5#-$(Z&?($?,(6?5,-(6&6%4(1-#(&0("?1?#)-=. Nesse verso apresenta-se a falta de referencial de identifica??o racial por parte de institui??es como a Escola, resultante de um racismo que n?o vislumbra a categoria ra?a como resultado de uma %-6$),&D<-(+-/C)#%4(?($-%#4/>(8|(4(%4)?5-,#4("#$%&,$#:4(?0()-,6-("4(Z&4/($?(-,546#74(&0( sistema de poder socioecon?mico, de explora??o e exclus?o ! -&($?I4P(-(,4%#$0-=([n]HHP( 2003, p. 69). A letra se posiciona de maneira contr?ria ao discurso de inferioridade racial negra. Sub Ra?a reage ? condi??o subalterna da diferen?a em um jogo que supera o tradicional binarismo dominador/dominado. Apesar de a afirma??o em rela??o a uma negritude ser freq?ente, isso n?o significa que essa juventude como um todo se reconhe?a -&( 0?$0-( $?( 41#,0?( 86?5,4=>( ]( %4)?5-,#4( negro, na verdade, n?o ? homog?nea, mas resultado de constru??es que podem apresentar certas ambig?idades, como discutem Carvalho (1996), Fanon (2008) e Sansone (2004). ! 100 No ano de 1994, a inser??o do grupo C?mbio Negro chega ao p?blico do Plano Piloto com apresenta??es nos espa?os mais representativos do campo musical de Bras?lia. Isso permite uma redefini??o da imagem social do grupo junto aos meios de comunica??o. j( 5,&+-P( Z&?( -&),-,4( ?,4( %#)4"-( 64$( +V5#64$( +-/#%#4#$( "-( %4"?,6-( 8J#"4"?$=P( +4$$4( Q( 04)F,#4("?(%4+4("-$(%4"?,6-$("?(%&/)&,4P(-(8J4"?,6-(M-#$=>( ^&04("?$$4$(?"#DT?$P(*V(&04(04)F,#4(?0(Z&?(-(:-%4/#$)4("-(Je0.#-(^?5,-P(8v=( (Equis), junto com outros rappers do Distrito Federal, como GOG e Dino Black, intitulado 8O?0(+4+4$(64(/C65&4=P(64(Z&4/(-$(rappers falam de suas expectativas de futuro sobre a pol?tica nacional com a elei??o do novo presidente, em ano de campanha eleitoral. Em outras mat?rias, os jovens lan?am coment?rios antirracistas e contra a segrega??o socioespacial de Bras?lia. Al?m disso, alguns deles assumem suas posi??es pol?tico- partid?rias. ?#5&,4(N(8O?0(+4+4$(64(/C65&4A(H#54"-$(?0()&"-P(-$(rappers GOG, X e Dino Black d?o o seu recado aos %46"#"4)-$(Q$(+,RS#04$(?/?#DT?$=>(E?+,-"&D<-("4(04)F,#4("-(I-,64/(J-,,?#-(h,47#/#?6$?P(J4"?,6-(M-#$P(WX("?( setembro de 1994. Geralmente, o rap procura manter uma posi??o de arte social a servi?o de uma conscientiza??o da juventude exclu?da; observa-se quase que permanentemente o apelo ? 8+?,#1?,#4(6?5,4("?(h,4$C/#4=>(j(?$)#504("-(/&54,(+?,+4$$4()-"-(-(#045#6V,#-(hip-hop como o lugar onde se materializam todos os males da modernidade, desde a viol?ncia urbana ?s drogas, assim como a falta de perspectiva e o racismo. ! 101 At? o final dos anos oitenta, a representa??o das cidades do Distrito Federal atrav?s dos meios de comunica??o de massa partia exclusivamente de um princ?pio de negatividade das cidades-sat?lites, tendo Ceil?ndia como um referencial de um imagin?rio urbano e estigmatizado que criminalizava a juventude atrav?s de estere?tipos da forma??o de gangues de delinquentes. Diante disso, o hip-hop especificamente atrav?s do rap, no in?cio dos anos noventa, permitiu a forma??o de grupos de jovens em torno do estilo de vida hip-hop, que assume uma luta concorrencial pelos espa?os de difus?o da cultura local. Gradualmente, esses grupos adquirem relev?ncia no campo art?stico regional e nacional, que lhes conferiu um status diferenciado, de artistas produtores de cultura. Essa inser??o da juventude de Ceil?ndia no in?cio dos anos noventa permitiu que atrav?s de um movimento cultural se polarizassem quest?es numa esfera pol?tica. Os jovens passaram a denunciar, atrav?s de um discurso antirracista, diversos aspectos da segrega??o socioespacial vivida pela juventude, n?o apenas de Ceil?ndia, mas de qualquer periferia urbana que tivesse suas caracter?sticas. Dessa forma a juventude negra redefine a imagem criminalizada de uma das cidades sat?lites que sob essa nova +?,+?%)#:4("?(4&)-41#,04D<-(4Z&#,?0(-($?6)#"-("?(8%?6),-$=("#1&$-,?$("?(&0(6-:-($?6)#"-( para a m?sica popular e, ao mesmo tempo, constituiu uma lideran?a representativa da juventude. Esse processo de inser??o pol?tica de uma juventude em busca de reconhecimento social para suas quest?es atrav?s do rap possibilitar?, dentre outras coisas, a inclus?o de quest?es relacionadas ? juventude da classe trabalhadora, bem como o lan?amento de alguns candidatos ao parlamento local oriundos do hip-hop ou que se utilizam dessa indument?ria para a constru??o de sua plataforma pol?tica, como ocorreu com X (C?mbio Negro), pelo PPS, em 2002, e Fl?vio Rap, pelo PP, em 2006, os quais concorreram a uma vaga na C?mara Legislativa do DF. ! ?#5&,4(U(8?/V:#-(rap: esse ? o %4,4>(w40-$(#6:4"#,(-($#$)?04>(M?+&)4"-(M#$),#)4/(J-/#54D<-(?F(?(B,-5,?$$-=>( Reprodu??o de propaganda eleitoral, 2006. ! 102 Novas configura??es geracionais no rap no Distrito Federal No final da d?cada de 90, com a populariza??o de novas tecnologias informacionais, que substitu?ram os antigos discos de vinil pelo CD, associada ? pr?tica da pirataria geraram-se impactos decisivos na produ??o e difus?o de novos grupos. Novos programas de inform?tica permitiram a cria??o de est?dios de grava??o mais simples e econ?micos. Diversos grupos passaram a produzir seus pr?prios trabalhos, construindo redes de distribui??o em toda parte. Comunidades virtuais como Orkut ou My Space, dentre v?rios outras, se tornaram f?runs de divulga??o e discuss?o do rap como m?sica independente. Em feiras livres, como na Feira do Rolo, em Ceil?ndia, ? poss?vel encontrar produtores locais vendendo CDs com bases r?tmicas prontas, criadas com baterias eletr?nicas e samplers digitais, dessa forma, com um aparelho de som dom?stico e algumas letras, pode-se criar um est?dio de ensaio e criar novos grupos de rap. Com a relativa populariza??o de c?meras digitais, os novos jovens cineastas do hip-hop j? produzem seus pr?prios videoclipes. A distribui??o fica a encargo de espa?os de divulga??o, como o s?tio de internet You Tube, para v?deos digitais. A exemplo da configura??o desse campo em que grupos produzem seus pr?prios clipes que s?o divulgados em meios como You Tube, o $&%?$$-(8J4,,-("?(04/46",-=P("-(5,&+-(l,#.-("4(B?,#1?,#4 27 , com quase dois milh?es de acessos de ouvintes do clipe na p?gina do You Tube, ? um grupo desconhecido dos grandes circuitos comerciais do rap nacional, mas se constitui com um referencial para juventude pobre que frequanta as lan houses para compartilhar sua produ??o independente. A facilita??o dos meios tecnol?gicos de produ??o e a pirataria, de fato, n?o eliminaram a grande ind?stria fonogr?fica, mas sem d?vida a tornaram mais heterog?nea e complexa. No Distrito Federal, ainda h? a influ?ncia de produtores, chamados por alguns "?( 8+4",#6*-$=P( Z&?( "#$+T?0( "?( +,?$)C5#-( $-%#4/( I&6)-( 4-$( 0?#-$( "?( "#:&/54D<-( tradicionais, bem como junto ao atores que fomentam a cultura, como o Estado e empres?rios das grandes gravadoras. Entretanto, atualmente h? muitos grupos que produzem rap em suas comunidades, utilizam a Escola, ONGs e outros espa?os p?blicos para divulgar seus trabalhos, bem como apresentar seus trabalhos. Esses jovens vinculados ao estilo hip-hop produzem seu rap ?(%,#40(5,&+-$P((4$(8140C/#4$=>(j$(I-:?6$P("?$$4(1-,04P( est?o relativamente envolvidos enquanto lideran?as nas quest?es locais das cidades que vivem. Eles participam de movimentos sociais ou de trabalhos sociais em ONGs. O !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 27 Link +4,4(-(%/#+?(8J4,,-("?(04/46",-=(64(#6)?,6?)A(*ttp://www.youtube.com/watch?v=X7FE1RQ-ueg ! 103 habitus constitu?do em torno do seu estilo de vida ir? configurar suas estrat?gias de den?ncias e propostas para o enfrentamento de problemas sociais, como a viol?ncia urbana e o racismo. DJ Antigas: Tipo assim, antigamente pra voc? gravar um disco no DF s? tinha dois caras que produziam: um era o Raffa, o outro era o Leandr?nico. O Leandr?nico largou de m?o o esquema, casou e tal, a? sobrou pro Raffa, a? o Raffa montou na ?gua, lavou a ?gua, todo mundo que queria produzir tinha que ser com o Raffa. A? ele cobrava o que ele queria cobrar, ele ganhou dinheiro demais da galera. A? cerca de 10 anos pra c?, a parada mudou, porque a galera foi tendo acesso a computador, acesso a software. Antigamente ??? era uma paradas pra fazer num era ??? tinha que ter tudo, era tudo externo. Hoje n?o, voc? compra ??? todos os teclados do computador, as baterias do mundo inteiro, qualquer tipo de bateria voc? tem dentro do computador, e tudo, vai a orquestra inteira dentro de um computador. A? quer dizer, acabou, se ele cobrava mil reais por m?sica, hoje ele cobra trezentos, entendeu? DJ Virada: Eu fui come?ando a entender que a t?cnica n?o era importante mais pra essa gera??o, o importante era mostrar o trabalho, era mostrar as m?sicas, era cantar, era mostrar as letras e que eles n?o tinham acesso a bons produtores e ? informa??o pra fazer boas m?sicas de qualidade. Antigamente a pr?pria periferia n?o dava valor aos artistas locais, s? para os grandes, e hoje eles d?o valor ao artista local muito mais do que antigamente, principalmente no Rap. Em rela??o ao gosto musical dos jovens, apesar dos mesmos reiterarem sua predile??o pelo rap, em conversas informais eles admitem frequentar outros ambientes, especialmente rodas de pagode e, eventualmente, forr?, quando querem se divertir e encontrar outras pessoas. No que se refere ? influ?ncia de ritmos diferenciados, como samba ou maracatu, apesar de serem considerados referenciais de uma negritude, s?o menos difundidos entre os jovens pobres da periferia. De fato, h? grupos de rap, como o GOG, que realizam parcerias com m?sicos associados ao conceito mais geral de m?sica popular brasileira (MPB), como Maria Rita ou Lenine, contudo, esse tipo de parceria leva o rap para o p?blico consumidor universit?rio de classe m?dia, mas n?o populariza necessariamente esses estilos em meio ? juventude de classe popular. O hip-hop, enquanto uma escolha existencial, permite a constru??o de uma linha narrativa sobre suas expectativas de futuro, o amor e a sexualidade. Esse estilo de vida expresso a partir de uma subcultura apresenta uma configura??o espec?fica de relacionamento entre os jovens em que o sexismo, ?s vezes, ? desafiado. Nos ?ltimos anos, ! 104 desde, o reconhecimento da participa??o feminina no hip-hop tem sido mais enfatizado a partir de grupos, como Vera Ver?nica, Atitude Feminina, BsB Girls, entre outros, que tematizam a quest?o da mulher no hip-hop, denunciando a misoginia que atravessa a rela??o entre jovens nesse estilo de vida. ! 105 C AP? T U L O 7 O RI E N T A ? ? ES C O L E T I V AS E G E R A C I O N A IS D E JO V E NS RAPPERS N O DIST RI T O F E D E R A L (...) Se tem problema, aqui n?o tem esquema, a? eu te pergunto pra voc?, qual ? o seu dilema& morrer na ambi??o sem d? e nem perd?o, se entregar t?o f?cil assimJ Escuta a? irm?o! N?o sou poeta, mas dou a id?ia certa N?o sou doutor, mas eu vou te falar quem eu sou Eu sou igual a voc? a? daquele jeito, ?dio e a maldade guardada no peito ? com rancor. Assim n?o se segue a vida. Eu sei como ? que ? ter que conter a ira: de detonar, de espalhar o terror na favela A? eu me lembro o quanto a vida ? bela. (...) N?o vai dar nada, se der, ? pouca coisa. Rei ! Cirurgia Moral 2007. 7.1 O rienta??es Coletivas e Geracionais: estilo de vida hip-hop e o envolvimento com trabalho social G rupos BR45 e Rap Comando Para a constru??o de um tipo anal?tico das orienta??es coletivas dos grupos selecionados, ser?o enfocados aspectos relacionados ?s quest?es de sua estrutura familiar e sua viv?ncia na regi?o onde vivem. Esse enfoque permitir? que se observe como a fam?lia e as rela??es interpessoais de amizade s?o relevantes para a constru??o de um sentido de pertencimento, observado a partir das orienta??es coletivas dos jovens em torno do estilo hip-hop, em especial pela aprecia??o do rap como forma de express?o est?tica. O espa?o urbano em sua complexidade, bem como as semelhan?as no que se refere ? condi??o de classe dos grupos, permitiram que os jovens se identificassem numa experi?ncia intersubjetiva geracional. As orienta??es coletivas em rela??o ao estilo hip-hop revelam que, em geral, os grupos tentam definir sua identidade em oposi??o a outros grupos. Isso ocorre a partir da ! 106 indument?ria que constr?i um corpo com seus aparatos e gestos, al?m de um discurso no $?6)#"-("?(&0(0-:#0?6)-("?(+,-)?$)-(?("?6d6%#4P(Z&?(%4,4%)?,#74(-($?6)#"-("?(80#$$<-=( que esses grupos pretendem para suas a??es. Os jovens em diversos momentos se voltam para estere?tipos criados por eles como meios distintivos de outros grupos subculturais, %-0-(8+45-"?#,-$=(-&(8,-Z&?#,-$=>(J-6)&"-P(#61-,04/0?6)?P(-.$?,:4-se que nos espa?os de sociabilidade, como escolas, festas ou o setor onde vivem, esses jovens rappers interagem com outros grupos e estabelecem v?nculos de socializa??o que ultrapassam o sentido sect?rio observado em alguns momentos de seu discurso. O sentido das orienta??es coletivas dos grupos de jovens envolvidos com o rap se situa no contexto comparativo realizado entre outros grupos selecionados. Os resultados encontrados sobre suas orienta??es geracionais, portanto, correspondem ? sua vis?o de mundo frente a quest?es relativas ?s suas pr?ticas culturais em rela??o ? musicalidade do rap e outros componentes do hip-hop 28 . G rupo BR45: trajet?rias familiares e envolvimento com o trabalho social Resumo do trabalho de campo na QNZ 29 com o grupo BR45 30 Ap?s as festas de fim de ano de 2006, voltei a ligar para Augusto, o instrutor de rap do grupo Amarras, com o qual eu j? havia feito contato anteriormente para tentarmos remarcar um encontro para a entrevista do seu grupo: o BR45. Augusto havia me perguntado anteriormente se poder?amos produzir umas fotos para a produ??o do novo !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 28 As respostas relacionadas ?s orienta??es geracionais dos jovens rappers, apesar de serem definidoras de seus pr?prios estilos de vida, por outro lado n?o s?o algo que seja necessariamente exclusivo desse tipo de subcultura. Em outros termos, grupos de jovens envolvidos com o samba ou rock podem apresentar elementos comparativamente semelhantes ?s orienta??es coletivas de jovens rappers, apesar da diferen?a expressa pela superficialidade de sua indument?ria. 29 Todos os nomes dos setores ou bairros onde os jovens habitam foram modificados por pseud?nimos ao longo do texto. A ?nica exce??o ocorre com Ceil?ndia, que ? abordada enquanto uma totalidade. 30 Todos os nomes dos grupos ao longo do texto foram modificados por pseud?nimos. ! 107 ?lbum de seu grupo, imediatamente eu aceitei a proposta. Ent?o, combinamos um encontro para o s?bado seguinte, no per?odo da tarde. Nessa ocasi?o, n?s far?amos a entrevista e, logo ap?s, realizar?amos um ensaio fotogr?fico. No dia combinado, eu organizei meu material e fui ? QNZ. Chegando l?, adentrei as ruas estreitas onde quase n?o havia espa?o para cal?adas, al?m disso, reparei que todas as casas eram fortemente gradeadas, de modo irregular. Na rua, n?o havia espa?o para ?rvores ou plantas. A ?rida paisagem era composta pelo asfalto, paredes sem pintura e ferro de cor zarc?o. Apesar de ser a segunda vez que eu ia ? casa de Augusto, me perdi durante o percurso e tive que ligar para ele para poder me localizar. Ele me informou que sua casa era no conjunto 101 e foi muito gentil ao me oferecer v?rias refer?ncias para chegar at? l?, percebi que ele demonstrava ter um amplo dom?nio sobre o espa?o local. Ao chegar ? casa de Augusto, esperei um pouco na entrada at? que me convidaram para entrar. Atravessei uma pequena ?rea coberta, que servia de garagem e de ?rea livre. Ao lado dessa ?rea ficava a sala, onde entrei em seguida. Num ambiente com pouca ilumina??o, ali estavam uma +,#04( ?( &04( #,0<( "?( ]&5&$)->( b/4$( 4$$#$)#40( 4-( +,-5,404( 8J4/"?#,<-( "-( n&%p=( Z&?( acabava de iniciar. Fa?o men??o ao programa, pois, coincidentemente, a primeira atra??o era justamente os rappers cariocas da Cidade de Deus (RJ), MV Bill e Kmilla, que cantaram a m?sica Estilo vagabundo. Augusto e um de seus irm?os, Bantu, que chegou em seguida, ambos do BR45, assistiram a tudo, sempre elogiando a m?sica de Bill. Eles observavam e comentavam sobre sua performance e roupas, dentre outras coisas. De vez em quando, Augusto me perguntava se eu estava com pressa. Eu lhe dizia que n?o havia problema e que eu mesmo queria assistir ao programa tamb?m. Como eu j? conhecia de vista o irm?o de Augusto, Bantu, devido a outras apresenta??es que j? haviam feito no X Norte, simplesmente nos cumprimentamos e continuei acomodado no sof? assistindo ao programa. Nessa estreita e quente sala havia tr?s sof?s. Fiquei em um de frente para Bantu. Est?vamos aguardando Elmo e um outro integrante chegarem. Na sala, estava tamb?m Duarte, sempre discreto, de poucas palavras. Enquanto aguard?vamos as entrevistas, Bantu me perguntou sobre a c?mera, sobre seu modelo e caracter?sticas em geral. Mas, a princ?pio, n?o demonstrou curiosidade sobre a entrevista que realizar?amos. ! 108 Ele passou a conversar com Duarte sobre uma festa que ocorreria naquele s?bado, num barrac?o na QNX e disse que l? n?o era lugar para levar namorada, pois o dono da festa s? chamava piriga, piriguete 31 . Uma das primas de Bantu interveio na conversa e disse, num tom de gracejo, que isso era um absurdo. Al?m disso, enfatizou ainda com tom de gracejo que Duarte n?o deveria ir, pois era um rapaz casado. Todos riram com a situa??o. Pouco depois Bantu come?ou a se referir ? sua prima, empregando palavras de duplo sentido, como sacudo 32 . Diante disso, sua prima passou a se mostrar constrangida com o que Bantu dizia, especialmente devido ? minha presen?a, uma visita desconhecida, um observador. Bantu ainda fez outro gracejo dirigido a sua prima, quando chegou a insinuar que alguma mulher, naquela casa, estaria deixando absorvente ?ntimo no ch?o do banheiro, algo que lhe causava repulsa. Inicialmente, os pais dos jovens n?o estavam presentes na casa. Enquanto Bantu e sua prima continuavam a ca?oar-se reciprocamente, eu me mantive quieto, como um bom ouvinte, eu s? fazia alguns gestos indicando compreender a situa??o, eu chegava a expressar isso atrav?s, at? mesmo, de alguns risos, risos amarelos (constrangidos). Isso porque eu realmente n?o ficaria ? vontade zombando de algu?m que n?o conhecia e, principalmente, para n?o prejudicar a entrevista em quest?o. Algum tempo depois, passados uns quinze minutos, chega Elmo, tamb?m irm?o de Augusto e Bantu. Com olhar indireto, fala pausada e mais direta, ele adentra a sala observando minha presen?a. Ele me cumprimenta de forma breve e deixa a sala em dire??o ? cozinha. Ainda n?o pod?amos iniciar a discuss?o, pois aguard?vamos Cenin. Desde a minha chegada, esperamos mais de uma hora, pois os rapazes ainda resolveram, sequencialmente, tomar banho e almo?ar. Augusto chegou a me convidar para comer, agradeci o convite, mas recusei, at? porque eu j? havia almo?ado e, portanto, estava sem fome. Enquanto esper?vamos os outros, Augusto chegou a me pedir para irmos ao X Norte para buscar uns adere?os como cord?es e an?is de prata para seu irm?o poder utilizar durante o ensaio fotogr?fico. Eu concordei, contudo sugeri que fiz?ssemos a entrevista primeiro. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 31 Piriguete significa mulher vulgar. Piriga ? uma abrevia??o de piriguete. 32 Termo que ? usado para se referir ? 5?6#)V/#4(04$%&/#64P(4/5-(%-0-(8$4%-(5,46"?=>( ! 109 Elmo, que ouviu meu di?logo com Augusto, ficou um pouco reticente diante de minha resposta, por?m n?o fez qualquer coment?rio. Ele deixou a sala e entrou em um dos dois quartos que a casa possu?a para comportar uma fam?lia de, pelo menos, 12 integrantes, incluindo seus pais. Posteriormente, eu soube que, al?m da fam?lia de Elmo, sua casa era um espa?o frequentado constantemente por v?rios outros jovens, que viviam nas redondezas da QNZ. Inclusive, eles dormiam costumeiramente por ali, ?s vezes, por alguns dias at? voltarem para suas casas. Pouco depois, cada um dos membros do BR45 se apresentou com uma indument?ria hip-hop. Eles exibiam seus chap?us, t?nis, botas com pintura personalizada, jaquetas e blus?es, cord?es de prata e ouro, tudo aquilo que, por um lado, os representava enquanto um grupo de rap, por outro lado, aquele estilo era destoante ao mais comum naquela regi?o, apesar dos adere?os se remetem a idument?ria hip hop. De fato, era vis?vel que poucos eram os jovens ali naquela regi?o que poderiam investir em tal elabora??o est?tica. Para o BR45, essa indument?ria carregada pela identifica??o do hip-hop era ao mesmo tempo bem arrojada e expressava algo acerca de sua autoimagem, o sentido de pertencimento daquela juventude, em especial, que buscava se distinguir de uma certa forma de outros grupos de jovens da mesma regi?o. Augusto me convidou para irmos para a ?rea externa da casa, pois estava muito quente dentro da pequena sala, al?m disso, suas irm?s assistiam a um programa de televis?o. Bantu deu-se conta de que j? era um pouco tarde e ainda reclamou sobre a organiza??o das atividades para aquele dia. Ele questionou a escolha de se fazer uma entrevista antes da sess?o fotogr?fica, que naturalmente passou a ser o mais importante. Nesse momento, eu tive que explicar de maneira enf?tica meus objetivos para podermos iniciar o grupo de discuss?o. Eu realmente temia pela dispers?o do grupo, caso eu atendesse a todas as reivindica??es. Contexto da entrevista com o grupo BR45 A entrevista com o grupo BR45 foi inusitada por diversos aspectos. A princ?pio, ir?amos realizar a entrevista na escola local. Contudo, a dire??o da escola n?o foi localizada para a libera??o do espa?o, al?m disso, eu j? havia realizado duas experi?ncias ! 110 anteriores em escolas e em ambas as situa??es eu tive problemas com a capta??o de ?udio, pois havia eco nas salas, o que interferia na qualidade do som, portanto, decidimos realizar a entrevista na casa de Elmo. No momento esperado para a realiza??o do grupo de discuss?o fomos, em alguns momentos, interrompidos por amigos, vizinhos e at? carros de som de propaganda que passaram pela redondeza em frente ? garagem onde est?vamos. De fato, o que ocorria era que aquele espa?o era um ponto intermedi?rio entre estar em casa e estar na rua. Isso causava interrup??es sucessivas. Al?m do mais, Bantu ora atendia ao telefone, ora se levantava para atender a algu?m que chegava ao port?o. Apesar desses 8,&C"-$=(?S)?,6-$P(+udemos realizar a conversa em torno das quest?es propostas, al?m disso, a qualidade do ?udio ficou muito boa devido ? ac?stica do local. No decorrer da entrevista, algumas das irm?s e amigas de Elmo chegaram e se juntaram ao grupo, mesmo sem participarem com considera??es verbais. Elas se aproximavam e observavam silenciosamente a fala dos rapazes, de fato, ?s vezes ocorriam risos ou mudan?as repentinas de olhares, mas como os rapazes estavam praticamente de costas para elas, eles notavam sua presen?a, mas n?o sofriam interfer?ncias do poder comunicador dos gestos. Considero isso relevante, pois como o grupo ? formado apenas por homens, a presen?a das mulheres, mesmo que de forma silenciosa, imp?s certo encaminhamento ao di?logo. A discuss?o era apresentada por homens e para outros homens, mas com uma presen?a latente das mulheres, que levavam a uma, mesmo que sutil, rearticula??o das falas dos que ali estavam presentes. Em boa parte da conversa??o, pude observ?-los rindo ou olhando de forma cabisbaixa para a audi?ncia que estava a nossa :-/)4>(h46)&(%*?5-&(4(%-0?6)4,P(6&0()-0("?(.,#6%4"?#,4P(Z&?($&4(%4$4(+4,?%#4(8.-%4("?( ),41#%46)?=P(+-#$()-"4(*-,4(*4:#4(4/5&F0(?6),46"-(?(4/5&F0($4#6"->(b$$?(%-0?6)V,#-(1-#( realmente ilustrativo do ambiente dual vivido por uma fam?lia que, apesar das prec?rias condi??es materiais, objeto de uma estigmatiza??o por parte da pr?pria vizinhan?a, se mostrava receptiva e participava na vida daquela comunidade. Logo ap?s a realiza??o do grupo de discuss?o, os pais de Augusto chegaram. Sua m?e, dona Maria, vinha do restaurante onde ela trabalha como cozinheira, seu pai, seu Luis chegou de bicicleta. Ambos foram simp?ticos e receptivos com minha presen?a. Eu os cumprimentei com apertos de m?o, primeiramente a m?e e depois o pai. Ap?s alguns instantes, ao conversar com seu Luis e Bantu, eu soube por acaso que seu Luis havia sido ! 111 contempor?neo de Nelson Triunfo 33 , que teriam participado de rodas de dan?a em sal?es comunit?rios nos anos 70, como o Parad?o 34 . A m?e de Augusto, por sua vez, estava sempre pr?xima. Sempre muito simp?tica, ela distribuiu entre os jovens algumas gomas de mascar e pastilhas como Halls. Est?vamos no meio da rua, quando comecei a planejar umas fotos. Tirei algumas na rua e depois subimos no telhado de uma casa ao lado para fazermos fotos captando os telhados da QNZ. Em seguida, descemos e entramos, aproximadamente sete pessoas, num carro e fomos para uma quadra abaixo com um grafite, que, por sinal, ? o ?nico de toda a QNZ. Esse grafite possu?a o nome do grupo, eles queriam um fundo personalizado com a arte do grafite para as fotos 35 . Ap?s realizarmos algumas fotos, eu sugeri que fiz?ssemos outras dentro da casa de Augusto, mas observei nele certo desinteresse. Tamb?m sugeri !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 33 Nelson Triunfo ? dan?arino, core?grafo, educador social, ? considerado por muitos um dos fundadores do hip-hop no Brasil. De origem nordestina (Alto da Boa Vista - PE), cresceu envolto a uma atmosfera favor?vel ? dan?a. Aprendeu v?rios ritmos tradicionais como frevo e maracatu, contudo, Nelson se destacou pela combina??o do ritmo soul de origem norte-americana e o frevo. Essa combina??o ficou conhecida como 8original funk soul=>( Nelson deixou Pernambuco e durante os anos 70 viveu na Bahia e, logo ap?s, em Bras?lia, mais propriamente em Ceil?ndia e Sobradinho. Em Ceil?ndia, participa da equipe Super Som 2000, organizando v?rios eventos na cidade, onde permanece at? 1977. Ao se mudar para S?o Paulo, fundou o grupo de dan?a Funk & Cia, resultado da sele??o dos melhores dan?arinos de soul da ?poca. O Funk & Cia, no in?cio dos anos 80, mesmo sob a tens?o do regime militar que restringia manifesta??es culturais em pra?a p?blica, leva a dan?a dos sal?es de baile para o espa?o da rua, promovendo as primeiras rodas de break dance na rua 24 de Maio, em S?o Paulo, um dos espa?os que se tornaram representativos da cultura hip-hop nacional. Triunfo atualmente est? desenvolvendo diversos projetos relacionados ? dan?a popular e ? educa??o de comunidades em periferias urbanas em S?o Paulo (DIP, junho de 2004, p. 13). Vejam-se alguns links abaixo para maiores informa??es: http://dynamite.terra.com.br/arquivodohiphop/site/page.cfm/nelson-triunfo http://www.youtube.com/watch?v=wVK7Z0nnPa8&feature=related http://andreadip.files.wordpress.com/2006/06/otriunfoedonelson.pdf 34 Parad?o era o nome de um galp?o comunit?rio em Ceil?ndia onde ocorriam diversos bailes nos anos 70. 35 Isso ? curioso, pois quando se fala em grafite como um elemento representativo do hip-hop, observa-se que o mesmo n?o ? t?o presente como se pode pensar baseado em estere?tipos criados pela cena novaiorquina retratada no filme Wild Style (1982), em que o grafite ? o principal elemento motivador da juventude negra e latina no South Bronx. De fato, observa-se que tanto no caso brasileiro, quanto no norte-americano, o rap se consolidou como o elemento mais representativo dessas juventudes. O grafite se tornou uma produ??o mais frequente em meio a uma juventude branca, de classe m?dia das grandes metr?poles. ! 112 que fiz?ssemos o mesmo em outro lugar como, por exemplo, a Ponte JK, o que fez com que eles se entusiasmassem. Ainda quando est?vamos no pared?o com o grafite come?ou uma chuva fina que nos levou de volta para o carro. Ent?o, voltamos ? casa de Bantu. Chegando l?, fomos descarregar as fotos no computador da casa, que ficava no quarto de Bantu, creio. Ali, como no resto da casa, n?o havia qualquer acabamento da constru??o. Tijolos expostos sem reboco e o contrapiso ainda no cimento bruto abrigavam duas camas e um velho guarda-roupas. Num canto, ao lado da cama, havia um velho v?deo de computador, que possu?a conex?o de internet banda larga. A conex?o de internet r?pida vinha por um cabo que chegava ao pequeno c?modo atrav?s de um misterioso furo na parede, provavelmente vindo da casa de um vizinho. Mais tarde constatei que essa conex?o era compartilhada por v?rios vizinhos da redondeza. O computador era uma das atra??es que mantinha a casa onde moravam os integrantes do BR45 sempre cheia, funcionando como uma esp?cie de lan house 36 . Sempre havia algum amigo da vizinhan?a querendo checar as mensagens de e-mail ou seu perfil no Orkut 37 . Enquanto eu preparava a c?mera para baixar as fotos, Bantu negociava com uma de suas irm?s que estava utilizando o computador. Ela estava na p?gina do Orkut observando o perfil de outros amigos, todos da mesma vizinhan?a, agora digitalizada. Ela reclama e diz que ela tem sempre que dar prefer?ncia para Bantu e seus amigos. Assim que baixamos as fotos e todos puderam ver o resultado, houve um grande entusiasmo, o que provocou a troca de figurino de alguns presentes. Bantu enquanto se vestia, mencionava o valor da roupa que vestia, o quanto tinha sido cara (R$120,00). Enquanto isso, a chuva parou e ent?o pudemos sair novamente. Fomos, desta vez, a uma parte nova da QNZ na qual havia uma ocupa??o de catadores de papel e carroceiros que haviam sido desalojados de uma outra ocupa??o, devido a um inc?ndio que destruiu v?rios barracos. Os barracos de madeira, pl?stico e papel?o eram muito pequenos e se !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 36 Espa?o comercial onde se alugam computadores com conex?o de rede de internet. Normalmente, os usu?rios pagam por pacotes que lhe garantem descontos na utiliza??o dos computadores, que ? cobrada por hora, al?m de terem acesso a outros servi?os como impress?o de documentos. As Lan Houses se tornaram um espa?o relevante de encontro para as juventudes de classe popular digitalmente exclu?das. 37 Orkut ? um site de relacionamento p?blico da empresa Google, que permite aos seus usu?rios criarem comunidades virtuais. Essa ferramenta ? utilizada por pessoas de v?rias idades, sendo bem popular entre os jovens. ! 113 aglomeravam de forma quase org?nica em meio a um vazio urbano, antes destinado a uma pra?a ou ? constru??o de uma escola. Ao nos aproximarmos, Augusto foi a uma casa que n?o fazia parte da invas?o. L? vivia um de seus amigos de outro grupo: o Rap Comando. Ao que me pareceu, esse jovem teria a fun??o de nos guiar entre os barracos em seguran?a, pois como aquela ocupa??o era nova, n?o havia de fato sido estabelecidos v?nculos de sociabilidade entre os moradores, pois ningu?m se conhecia. Ao entrarmos no emaranhado de barracos, alguns moradores, homens, apareceram e passaram a observar ? dist?ncia. Outros abriram as portas assustados com nossa presen?a e nos questionaram. A presen?a dos jovens do grupo BR45 ?(-(14)-("?(?&(?$)4,(0&6#"-("?(&04(%e0?,4P(-&($?I4P(?S?%&)46"-(&04(1&6D<-("?(81-)R5,4fo -1#%#4/=(0?(1?7($?6)#,(4&)-,#74"-(4(?S+/#%4,(QZ&?/4$(+?$$-4$(-(Z&?(-%-,,#4>( Eu me aproximei de uma fam?lia e ent?o disse que se tratava da produ??o de fotos de um grupo de rap da cidade e que n?o t?nhamos inten??o de prejudicar ningu?m da comunidade. Ningu?m do BR45 disse uma s? palavra. Ent?o percebi que eles ou estavam assustados ou eram t?o estranhos quanto eu naquele lugar, algo que evidenciava que num mesmo espa?o segregado h? diferentes formas de hierarquias sociais. Os moradores que perguntaram se sentiram satisfeitos com minha resposta e disseram que estava tudo certo. Contudo, isso n?o era garantia de que outros moradores n?o se sentiriam invadidos pela 6-$$4(+,?$?6D4P(+-#$(?6),?(-$(.4,,4%-$(6<-(*4:#4(&04( 8,&4=(6-($?6)#"-("?(&0( ?$+4D-( p?blico, o que havia eram pequenos e estreitos becos, vielas, que permitiam somente o acesso a p?. Elas se entrecruzavam dentro de ?reas que eram ocupadas especificamente pelas fam?lias. Ali estavam alguns varais de roupa e utens?lios de cozinha. Pelo ch?o ainda corria o esgoto, pois n?o havia qualquer infra-estrutura para uma ocupa??o que tinha um car?ter provis?rio e emergencial. Diante dessa imposi??o arquitet?nica, os rappers +,?1?,#,40($4#,("-(#6)?,#-,("4(14:?/4(?()#,4,(1-)-$(4+?64$(%-0(?/4(4-(1&6"-P(IV(8"#$)46%#4"4=>( Enquanto faz?amos as fotos, um grupo de homens se formou novamente, um pouco distante, eles nos observavam atentos enquanto v?rias crian?as brincavam ao nosso redor. Elas sorriam e tentavam se comunicar conosco, demonstravam um certo desejo em serem fotografadas, mas n?o me senti ? vontade para fazer tal coisa, principalmente sem autoriza??o de seus pais, que n?o estavam ali presentes para isso. Cheguei a expressar verbalmente essa minha posi??o para o pessoal do BR45, pois alguns deles tamb?m sugeriram que eu fotografasse algumas crian?as pobres e sujas que estavam brincando ali. ! 114 Eles n?o se opuseram ? minha perspectiva. Ao terminar a atividade, voltamos para a casa de Augusto para ver o resultado. Durante nosso retorno, perguntei a eles se n?o haveria interesse de realizar um show para aquela comunidade. Alguns disseram que a id?ia era #6)?,?$$46)?P(04$(h46)&(1-#()4S4)#:-(4-("#7?,(Z&?(?/?(?,4(8&0(+,-1#$$#-64/=(?()#6*4(Z&?(#,( onde seu p?blico estava, portanto, para ele n?o seria conveniente tocar ali, j? que aquele p?blico n?o se identifica de fato com o seu trabalho. Apesar de o grupo BR 45 defender uma cumplicidade com a periferia e os exclu?dos sociais, nesse contexto, o grupo manifestou uma distin??o em que se valoriza um p?blico jovem, que tenha uma identifica??o espec?fica com o hip-hop, algo que n?o teria sido constatado naquela pequena comunidade de catadores de lixo. Quando voltamos ? casa de Bantu, baixamos as fotos no computador e eles as viram e fizeram v?rias considera??es sobre as imagens. Al?m disso, Bantu passou a me mostrar material sobre o BR45, nesse momento, sua m?e, dona Maria, entra no quarto e me pergunta que tipo de refrigerante eu gostava. Eu lhe disse que n?o precisava se incomodar comigo e que eu gostaria mesmo era de um pouco de ?gua. Ela deixou o quarto e logo voltou com uma garrafa pet com ?gua parcialmente congelada e me serviu um pouco num copo. Bantu aproveitou para mencionar que sua m?e ia a todos os shows do grupo, que gostava e procurava participar de tudo. Minutos depois, dona Maria volta com refrigerante sabor laranja e v?rios p?es de sal e de queijo, ent?o todos ali comeram. Enquanto eu agradecia ? dona Maria, ela me pergunta se eu bebia cerveja, eu acenei positivamente e da? ela disse que eu n?o poderia sair at? seu retorno. Ap?s alguns instantes, ela volta com um copo de vidro, pois est?vamos bebendo em copos descart?veis e uma garrafa de cerveja gelada. A cada gesto, ela expressava sua generosidade anfitri?. Antes que eu terminasse de beber o primeiro copo, ela retornava com a garrafa e punha mais cerveja, eu passei a recusar, mas n?o adiantou. Notei que s? Duarte e eu, al?m, ? claro, de dona Maria, est?vamos bebendo. Tive a impress?o de que seus filhos poderiam estar me reprovando, pois nenhum deles tinha o costume de ingerir bebidas alco?licas. Bantu chegou at? a dizer Z&?(8?/4(F(4$$#0(0?$0-{=P(6&0()-0("?+,?%#4)#:->(M-64(Y4,#4(:-/)4:4(?(+4$$4:4(4(14/4,("?( suas dificuldades financeiras, mas que muitos rapazes naquela comunidade preferiam ficar em sua casa a ficarem nos seus lares de casas bem constru?das. Ela estava fazendo alus?o ao costume de ter sempre a casa cheia, independentemente das dificuldades financeiras que houvesse. Na verdade, eu percebi que isso realmente se sustentava. Em alguns momentos observei as pessoas fazendo uma vaquinha, arrecadando dinheiro para comprar bebida ou ! 115 algo pra comer. Era a efetiva aplica??o do sistema de d?diva de presta??es e contrapresta??es. Ao perceber isso, cheguei a me desculpar, pois naquela ocasi?o eu n?o trazia dinheiro comigo, mas dona Maria disse que isso era desnecess?rio, j? que eu estava 8147?6"-(&0(.?0=(+4,4(-$(1#/*-$("?/4>(b6)<-(%*?54($?&(H&#$(?($?(I&6)4(4(?/4>(Y4,#4(14/-&( de muitos jovens que ela conheceu que se perderam na criminalidade e que, gra?as a Deus, seus filhos seguiam outros caminhos. Ela exp?s um pouco a luta por esse objetivo. Eu ent?o comentei que os pais que lutam por seus filhos deveriam receber um pr?mio por isso. Maria disse que isso seria bom, contudo, Raimundo disse que isso era desnecess?rio, pois o verdadeiro pr?mio eram os pr?prios filhos. Eu realmente achei muito inteligente a resposta de seu Raimundo, apesar de ter me sentido um pouco constrangido, afinal eu tinha feito o coment?rio jocoso sobre a premia??o dos pais. Sua resposta simplesmente refor?ava a id?ia do valor do sentido de comunidade e integra??o dentro da esfera familiar, tudo isso ? revelia de qualquer precariedade material existente. Algum tempo se passou, quando Maria disse que eu seria convidado para um churrasco na casa dela. Eu lhe disse que ficaria satisfeito com o convite. Ent?o, para minha surpresa, ela j? havia decidido que o churrasco seria no dia seguinte para comemorar o trabalho que eu e o BR45 t?nhamos feito. Nesse instante, descobri que dona Maria, como m?e, seria a melhor produtora que o BR45 poderia ter. Em rela??o ao convite, eu o recusei argumentando j? ter compromisso para o domingo. Ainda assim, ela sugeriu que eu dormisse ali, naquela noite, j? que segundo ela era tarde. Eu novamente recusei dizendo que minha fam?lia estava me esperando e que, de fato, n?o estava t?o tarde assim, afinal eram s? 8 horas da noite. Bantu concordou comigo, mas ela retrucou e disse que na pr?xima ocasi?o n?o poderia deixar de fazer isso. A conversa esfriou um pouco e algum tempo depois, eu fui mais incisivo em dizer que iria embora. Augusto ainda insistiu na 0#6*4(+?,046;6%#4("#7?6"-(Z&?(?&(?$)4:4(8,�=([.;.4"-a>(b&("?(14)-(6<-(?$)4:4(8,�=P( eles s? estavam tentando me persuadir, al?m disso, eu j? estava decidido. Eu aleguei que minha fam?lia me aguardava. Bantu disse para sua m?e que eu tinha raz?o e que ela n?o deveria mais insistir. Depois disso, agradeci pela gentileza de todos e logo em seguida fui embora para casa naquela noite chuvosa de s?bado. ! 116 ! 117 O perfil dos jovens do grupo BR45 38 Augusto (Am) 39 ? cantor e uma das principais lideran?as ao lado de Bantu. Augusto trabalha como empres?rio do grupo e costuma atuar na produ??o de festas locais. Ele tem 20 anos, ? negro e vive em Ceil?ndia com seus pais. Al?m disso, menciona possuir uma namorada, apesar de n?o ter declarado isso no question?rio. Antes dela, teve outro relacionamento de quatro anos que resultou num filho que tem um ano de idade. Augusto possui 7 irm?os, dentre eles, Bantu e Elmo, ambos do BR45. Possui ensino fundamental incompleto e n?o frequenta a escola atualmente. Trabalha como oficineiro, coordenando o grupo Rap Comando. Tem o rap como lazer preferido e est? no grupo h? 10 anos. Costuma se encontrar com os outros integrantes em casa e na escola onde formou o grupo. Seu pai veio do Piau?, possui ensino fundamental incompleto e trabalha como serralheiro. Sua m?e veio de Goi?s e tamb?m possui o ensino fundamental incompleto. Ela trabalha como cozinheira e empregada dom?stica. Bantu (Bm) ? cantor e uma das lideran?as do grupo. Ele tem 27 anos, ? negro, sem religi?o e vive em Ceil?ndia com seus pais. ? solteiro, n?o tem filhos, possui 7 irm?os, dentre eles Augusto e Elmo. Bantu possui o ensino m?dio incompleto e est? fora da escola. Bantu realizou um curso profissionalizante em vigil?ncia (reparador predial) e est? desempregado. Ele estava desenvolvento h? dois meses atividades comunit?rias subsidiadas pelo Governo Federal no projeto Segundo Tempo, ministrando aulas de jiu- jitsu. Ele pretende cursar educa??o f?sica. Seu lazer preferido ? capoeira e jiu-jitsu e est? no BR 45 h? 10 anos. O grupo re?ne-se 3 vezes por semana, em quadras de esporte. Bantu conheceu o rap e se motivou a formar o grupo na escola atrav?s de uma oficina de rap, oferecida por um projeto chamado Jovem Consciente, promovido por uma organiza??o internacional. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 38 Esses dados foram, em geral, obtidos mediante a aplica??o de um question?rio ao final dos grupos de discuss?o. Ocasionalmente algumas outras informa??es foram obtidas na observa??o participante durante o trabalho de campo. Para maiores informa??es, sugere-se consultar o ap?ndice. 39 Durante a transcri??o das entrevistas, foi utilizado um sistema de identifica??o dos jovens por ordem alfab?tica em que a letra mai?scula representa a primeira letra do pseud?nimo atribu?do ao entrevistado(a) e a segunda $?(,?1?,?(4-($?&($?S-P(80=(+4,4(04$%&/#6-(?(81=(+4,4(1?0#6#6->(j(?6),?:#$)4"-,(1-#(#"?6)#1#%4"-(+?/4( /?),4(8g=> ! 118 Cenin (Cm) ? cantor. Ele ? o mais jovem do grupo, tem 17 anos, ? negro, cat?lico e vive em Ceilandia com os pais. Ele ? solteiro, n?o tem filhos e possui quatro irm?os. Possui o ensino m?dio incompleto e est? fora da escola. Cenin est? desempregado e pretende ser cineasta. Seu lazer preferido ? praticar street ball (basquete de rua), est? no grupo BR45 h? dois meses e costuma se encontrar com o restante do grupo na quadra. Ele conheceu o grupo no centro comunit?rio e na vizinhan?a. Seu pai ? de Belo Horizonte (MG), possui o ensino fundamental completo e trabalha como servidor p?blico. Sua m?e tamb?m ? de Belo Horizonte (MG), possui o ensino fundamental incompleto e atua como dona de casa. Duarte (Dm) cantor e um dos principais compositores do grupo, ? o membro do grupo com maior conhecimento em inform?tica, al?m disso comp?e as bases eletr?nicas do grupo. Ele tem 24 anos, ? branco, cat?lico e vive em Ceil?ndia com seus pais. ? solteiro, sem filhos e possui quatro irm?s. Duarte possui ensino m?dio completo e trabalha em manuten??o predial, j? realizou curso de inform?tica e pretende cursar sistemas de informa??o. Seu lazer preferido ? cantar rap. Est? no grupo BR45 h? 11 anos, ele se encontra com o grupo nos fins de semana, na casa de Bantu. Conheceu o grupo numa oficina de rap, na escola, no projeto Se liga, Galera. Seu pai ? de Cara?ba (PB) e possui o ensino fundamental incompleto. Sua m?e ? de Goi?nia (GO) e tamb?m possui o ensino fundamental incompleto. Elmo (Em) cantor, 23 anos, ? negro, cat?lico, reside em Ceil?ndia com seus pais e tem 7 irm?os, dentre os quais Augusto e Bantu. Ele ? solteiro, n?o possui filhos e est? ficando com uma garota (namorando), apesar de n?o ter mencionado isso no question?rio. Possui o ensino fundamental completo e est? empregado como instrutor de basquete no programa Segundo Tempo. Elmo pretende cursar Educa??o F?sica, seu lazer predileto ? jogar street ball. Al?m disso, ele participa de uma ONG h? dois meses, chamada Lutadores. Costuma se encontrar com os membros do grupo em casa e nas quadras de esporte locais, 3 vezes por semana. Ele entrou no grupo a partir de uma oficina para jovens num centro comunt?rio, atrav?s do grupo BR45. ! 119 Figura 8 Sociograma do grupo BR45 A fam?lia contra o mund?o: a forma??o do G rupo BR45 Durante a passagem inicial 40 do grupo de discuss?o, foi lan?ada uma pergunta para o grupo para obter sua impress?o sobre a forma??o do BR45. O grupo BR45 menciona com satisfa??o que se conhecem h? quase dez anos atrav?s de uma oficina para jovens realizada na escola pr?xima as suas resid?ncias. Naquela ocasi?o, em 1999, j? existia v?rios grupos de diferentes localidades, dos quais poucos seguem, atualmente, uma carreira profissional. O sentido d?(5,&+-(F("?1#6#"-(+?/4(+4/4:,4(8140C/#4=P(Z&?(F(45,?54"4( 4-(6-0?(hEGKP(+-,)46)-P(8?40C/#4(hEGK=>( Am: " (1)O BR45 ? um dos poucos grupos que:::que teve o privel?gio de nascer (.) de sair de uma escola n?? Hoje a gente v? v?rias ONGs incentivando oficinas de rap 64$(?$%-/4$[Wa>((b(4(5?6)?()?0(-(+,47?,("?(14/4,(#$$-(+,4()-"-(0&6"-A(8-(hEGK($4#&( de uma oficina de rap )40.F0=>( b6)<-AA( FAAAP( -( 5,&+-( F( )#+-( &04( 140C/#4P( :4#( ficando, n?? Vai ficando, vai ficando a fam?lia, o grupo vai virando uma fam?lia (.) As pessoas que::: se d? mais certo umas com as otras ?::: em relacionamento elas v?o ficando. A?: mexer com ser humano ? emba?ado, que nem o pessoal costuma dizer, ? dif?cil mexer com ser humano e::: essa forma??o aqui foi, ?, a que deu certo. Em 2000 a gente(.), a gente formou(.), formou o grupo novamente e sa?mos da escola (.) agora, pras ruas, n?. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 40 Para a transcri??o das entrevistas foi utilizado um sistema de c?digos que tem como objetivo valorizar a carga expressiva da entona??o de voz, bem como aspectos n?o verbais e gestuais que, de alguma maneira, possam contribuir com o processo de an?lise dos dados qualitativos. Para facilitar a leitura dos trechos das entrevistas, ? recomend?vel consultar as normas de transcri??o localizadas no ap?ndice. ! 120 j(?0+,?5-("4(+4/4:,4(8140C/#4=($?,:?(+4,4(#6"#%4,(&04(,?/4D<-(Z&?(),46$%?6"?(4( mera forma??o de um grupo que tenha o interesse musical. Aqui est? em quest?o a intimidade, a natureza desses la?os. A fam?lia ? seletiva, portanto, ficam aqueles indiv?duos que durante o processo de naturaliza??o e ressignifica??o de suas pr?ticas v?o se consolidando em torno de uma ideia, mesmo que provis?ria, de uma unidade, de um grupo. Esse grupo ? identificado atrav?s de um estilo que ? pautado numa abstra??o do que vem a ser o hip-hop. Contudo, essa abstra??o ? reconstru?da cotidianamente de forma t?o exclusiva quanto excludente a partir de suas pr?ticas no que se refere ao gestual, aos trajes e ao tipo de rap que produzem. \$$-($?(-.$?,:4(+?/4(+,-S#0#"4"?(?6),?(+?$$-4$(Z&?($?(#"?6)#1#%40P(8$?("V(04#$( %?,)-(&04$(%-0(4$(-&),4$=>(B4,4(-(5,&+-P(#$$-(,?+,?$?6)4(&0("?$41#-("?1#6#"-(+?/4(#"?#4("?( que ? dif?cil lidar com o ser human-P(%-0-(#6"#%4(-()?,0-(8F(?0.4D4"-=>(B-,)46)-P(4( seletividade de diferentes indiv?duos dentro de um sistema de gosto estabeleceu uma forma??o, que o grupo considera como a que deu certo. Algum tempo depois da primeira forma??o do BR45, a partir de um projeto educacional numa oficina para jovens em 1999, os jovens decidem deixar o projeto pedag?gico, que era restrito ao espa?o da escola, e passam a se apresentar em outros espa?os, Eles v?o 8+,4$(,&4$=>( O sentido pedag?gico associado ? forma??o de um grupo de rap e o desejo de uma autonomia no sentido de suas pr?ticas criativas levam o grupo a assumir o discurso que os jovens, outrora alunos, n?o est?o mais no espa?o da escola, que representa duplamente um espa?o seguro de amparo, mas tamb?m significa um espa?o tempor?rio num processo de $-%#4/#74D<-P("?(%-6$-/#"4D<-("-(I-:?0(?6Z&46)-($&I?#)-($-%#4/>(j($?6)#"-("?($?(81-,04,=(?( 8#,(+4,4(4$(,&4$=(#0+/#%4(4(#"?#4("?(04)&,4D<-P(,?$&/)4"-("?(&04($?/?D<-("?(+?$$-4$(Z&?(1-#( %-0+/?S4P(8?0.4D4"4=P(0?$0-(Z&?(-(5,&+-(4#6da mantenha uma estreita conex?o com a escola, agora eles assumem uma outra posi??o para al?m da condi??o de alunos, o status "?(?"&%4"-,?$(%-0&6#)V,#-$(%-6$)#)&C"-$("?6),-("4(8140C/#4=> M?(14)-P(-($?6)#"-("?(8140C/#4=(F(?0+,?54"-(1,?Z&?6)?0?6)?(+4,4("?$#5nar diversos grupos de rap no Distrito Federal e em outras cidades. Esse termo teria o mesmo sentido de posse, de uma agremia??o de pessoas em torno de algum projeto, seja meramente est?tico ou de cunho assistencial. ! 121 O processo de intera??o social e cria??o do grupo se d? por escolhas individuais frente ?s dificuldades tidas como pr?prias dos seres humanos. Constr?i-se uma imagem do passado em rela??o a outros grupos que participaram do grupo, mas que sa?ram por estarem envolvidos com o abuso de drogas, como a maconha, e com a picha??o. Em: "Katula, Samado, Mec, @e v?rios outros a?@. A? ficou os cinco aqui, isso tinha mais porque a rela??o de ser humano ? dif?cil. Uns queriam t? na picha??o, outros queriam t? na maconha, outros (.) por incr?vel que pare?a assimila rap com droga ((ru?do de carro de som)) pensa que rap e viol?ncia andam juntos, n?? Que o rapper tem que fumar um pra ser o rapper muito louco. Pra tocar umas m?sicas mais (violentas). Muita gente fica indignado, s? porque fuma um e o BR45 n?o. Tem at? uma letra que eu falo isso que:: uns procuram a gl?ria n?? A gl?ria escrevendo o nome na parede. Muitos chamam de picha??o, outros falam que ? arte. Eu n?o posso julgar, picha??o ? arte. Eu tenho meu modo de me aparecer. Eu me apare?o atrav?s do rap, eu falo meu nome atrav?s do rap, me orgulho disso. E muita gente se orgulha tamb?m (.) n?? Fazendo picha??o, fazendo, outro se orgulha fazendo grafite, outros fazendo bleique, break, e assim vai, n?? (.) O BR45 surgiu dessa maneira, e:::: atrav?s do nosso pensamento de fugir de drogas, muitos t?m esse problema. Uns::: entraram, outros conseguiram sair, outros t?o nas droga at? hoje, e a gente t? no rap, n?? A gente continua no rap e vamo ver o que vai d? (5). Para o grupo, o uso de drogas e a dissemina??o da viol?ncia s?o aspectos usados frequentemente para se definir uma imagem estereotipada do jovem, nesse caso, o rapper. Elmo considera que h? uma imagem de que o rapper precisa usar drogas para parecer louco perante os outros e tocar m?sicas violentas. Entretanto, ele alega que o BR45 n?o tem essa postura, portanto, isso seria um fator que causaria rep?dio e surpresa em outras pessoas, o que denota um aspecto distintivo em rela??o a outros grupos locais. O grupo alega que, como retratam algumas de suas letras, h? pessoas que buscam ser reconhecidas atrav?s da picha??o em muros, o que seria considerado arte para elas. Ele n?o discute se isso ? ou deixa de ser arte, apenas reitera que seu modo de aparecer ? atrav?s do rap, o que representa um motivo de seu orgulho. j(+?6$40?6)-("-(5,&+-(?$)V(:-/)4"-(+4,4(81&5#,=("4$(",-54$P(.?0(%-0-("?(+?$$-4$( que t?m esse problema. Os jovens afirmam que algumas das pessoas que conheceram conseguiram sair das drogas, contudo outros continuam envolvidos com esse problema. Paralelamente a tudo isso, eles continuam envolvidos com o rap, que lhes permite a ! 122 cria??o de um espa?o alternativo em rela??o ?quilo que ? visto como trivial e indesej?vel em rela??o a outros jovens que pertencem ao setor onde vivem. ? relevante assinalar que, no grupo, os tr?s irm?os, Augusto, Bantu e Elmo, todos se abst?m de usar drogas e t?m em comum o mesmo pai, seu Luis. Ele, por sua vez, ? um homem que vive um drama pessoal relacionado ao alcoolismo, motivo de constrangimentos na regi?o onde moram. No entanto, muitos que frequentam sua casa v?o ali, pois encontram um espa?o de sociabilidade e, apesar do grupo n?o fazer apologia ao uso de bebidas alco?licas, muitos de seus amigos o fazem. Portanto, para o grupo, o rap ? definido de uma maneira essencialmente contr?ria ao abuso de drogas. O rap, nesse caso, seria um contraponto, aquilo que garante integridade e convic??o de uma escolha, uma aposta no futuro, que, nesse caso, foi a abstin?ncia. Elmo usa a express?o no final de uma de suas 14/4$(8:40&(:?,(6-(Z&?(:4#("4,=P(Z&?(?$)V(,?/4%#-64"4(Q(+-$$#.#/#"4"?("?(?$%-/*4$( que o rap propicia e o sentido de determina??o de levar essas escolhas adiante, mesmo sem um conhecimento muito claro de suas implica??es futuras. Ao continuar a discuss?o, o grupo define o hip-hop como uma assimila??o de v?rias culturas. Exemplifica-se essa condi??o atrav?s da capoeira, dado o seu status marginal no passado, teria passado ? condi??o de cultura ao ser assimilada como um patrim?nio imaterial. Nesse contexto, o grupo faz uma redefini??o do sentido de cultura que consiste naquilo que ? aceito em diversas escalas sociais, especialmente aquelas que historicamente t?m tido o controle sobre a defini??o de tais categorias, como o mercado da ind?stria cultural ou o meio intelectual acad?mico, como j? enunciavam os primeiros trabalhos dos estudos culturais (WILLIS, 1977). Al?m disso, o hip-hop para o grupo, assim como a capoeira, s?o postos num mesmo contexto em termos de status sociais. Ambas as manifesta??es est?o associadas ? ideia de ser negro ou simplesmente de negritude e, segundo o grupo, s? adquirem status de cultura posteriormente. Nesse caso, n?o s? para os negros ou pelo menos para parte deles, mas para uma grande margem de consumidores interessados em consumir bens simb?licos marcados por uma est?tica multicultural. Para o grupo, essas culturas s?o definidas como as mais fortes combina??es no Brasil e no mundo. ! 123 Y: "Como voc?s interpretam o hip-hop? (todos se p?e a pensar )) (2). Bm: "Eu interpreto o hip-hop como uma (2), como se diz(2), como a assimila??o de v?rias culturas, n?? V?rias culturas. Por exemplo, a capoeira (2), ela era marginalizada (e) j? virou cultura. Cultura n?? A capoeira vem da cultura como a m?sica ? cultura tamb?m. Como isso a?. O hip-hop juntou (.) ? uma das combina??es mais forte que tem no Brasil. No Brasil n?o. No mundo, n?? No mundo porque o hip-hop ? mundial, passa confian?a. A combina??o mais forte porque ? a ?nica que trata, mexe com projeto social, mexe com isso, aquilo outro. E pra mim o hip-hop passa confian?a pra quem t? participando. Passa confian?a n?? O grupo redefine a sua maneira, os sentidos do surgimento do hip-hop ao longo do )?0+-(%-0-(4(%-0.#64D<-(%&/)&,4/(04#$(81-,)?(4)&4/0?6)?=(?(#$$-(?$)4,#4(4$$-%#4"-(4(&ma suposta rela??o desse estilo com a cria??o de projetos sociais capazes de envolver o jovem negro, localizado em comunidades pobres, em movimentos sociais no sentido de sua emancipa??o pol?tica. Augusto afirma que, entre os anos de 1997 e 2000, antes do sucesso do grupo Troops, o hip-hop era considerado como o break. Essa concep??o seria algo cunhado pela elite que est? aderindo ao estilo atrav?s dos seus mecanismos de mercado e difus?o cultural. Hoje, por outro lado, o break teria deixado essa posi??o para que o rap cantado ?0(#65/;$P(%*404"-(8rap 5,#65-=P(Z&?()?0(/?),4$(Z&?(),4)40P($?5&6"-(-(5,&+-P("?()?04$( %-6$#"?,4"-$( +?/-( 5,&+-( %-0-( /?:#46-$P( 8.?$)?#,4$=P( -%&+4$$?( ?$$4( +-$#D<->( b/?P( ?0( verdade, considera isso como de pouca import?ncia, pois ningu?m no grupo sabe sequer ingl?s. Contudo, o grupo, independentemente disso, gosta de rap gringo, especialmente por Z&?(?/?(+,R+,#-(6<-(%-0+,??6"?(4$(/?),4$P(8}?&(6<-(?6)?6"-(0?$0-P(?&(5-$)-}>(^F~=(%-0-( afirma Augusto em tom de sussurro. Am: "E o engra?ado que de 1997 at? 2000 e::: essa ?poca que a gente t?, agora que o T ropa de Elite estorou, antes de o Tropa de Elite estourar, o hip-hop era o break n?? entre aspas na l?ngua de: (.) da:: (.) elite n?? Tudo bem, eles t?o aderindo isso, ? bom, a gente gosta disso. S? que antigamente o hip-hop era o break, n?? Eles falavam. Hoje o hip-hop ? aquela m?sica gringa que eles gostam de ouvir (.) Os gringos falando um monte de besteira. N?o que eu n?o goste, eu gosto bastante, ?eu n?o entendo mesmo, eu gosto?. N?? (1) A? o povo achava que o hip-hop era a dan?a, hoje eles acham que o hip-hop ? a m?sica, o break e o grafite ? o rap e o dj s?o quatro elemento que:: que::: formam essa cultura. E se voc? for prestar aten??o, o hip-hop ? uma das ?nicas culturas que se encontra no mundo todo, entendeu? ! 124 Tem muita gente que fala que o hip-hop n?o ? organiza::do, mas como ? que uma coisa desorganizada pode chegar a tal ponto?(2)N?? O hip-hop ? uma cultura e a gente quer deixar bem cla:ro que o hip-hop n?o ? m?sica, o hip-hop n?o ? dan?a, o hip-hop ? uma cultura aonde tem quatro v?rtices: rap, DJ, break e grafite. De fato, para o grupo, o que est? em jogo ? uma redefini??o desse hip-hop, que faz parte de um sistema de s?mbolos mundial, nos seus pr?prios termos. Isso se faz representativo para a autoidentifica??o do grupo enquanto tal. Assim, o grupo se identifica %-0(-(8rap=P(Z&?(6?$$?(%4$-(#0+/#%4(-(8rap 64%#-64/= ?0("?),#0?6)-("-(8hip-hop=(Z&?( possui um car?ter mais fluido e est? associado ao modismo que o grupo n?o assimila. Ao mesmo tempo, o hip-hop, mesmo adquirindo uma identidade local e sendo considerado %-0-( 86<-( -,546#74"-=P( %-6$?5&?( 4"Z&#,#,( &04( ,?+?,%&$$<-( 0&6"#4/P( 4( +4,)#,( "?( $&4( motiva??o para os movimentos sociais nas suas manifesta??es est?ticas definidas pelos quatro elementos: rap, DJ, break e grafite. Ao ser questionado sobre seu cotidiano no setor QNZ, o grupo se posicionou de forma a generalizar os problemas que ali ocorrem. Para o grupo, em geral, n?o h? na cidade condi??es para as crian?as e jovens terem acesso ao lazer. Faltam equipamentos p?blicos para essa finalidade. Essa precariedade levaria crian?as e at? adolescentes a se envolverem com o crime, com as drogas e com o alcoolismo, por falta de ocupa??o, de atividades. Diante da constata??o de que no bairro n?o havia nenhum projeto voltado para a juventude, o BR45 criou, por iniciativa pr?pria, projetos sociais para a comunidade com atividades, como oficinas de rap, jiu-jitsu, basquete, entre outras. Y: Como ? que voc?s veem a vida aqui no setor QNZJ Como que ? o QNZ? Bm: " ((pigarro)) Bom, eu que eu vejo aqui na QNZ aqui, ou qualquer periferia X Norte, Setor ?, Ampliados. A gente v? muito mais ? (.) as crian?as sem ter o que fazer e nisso sem ter o que fazer, sem ter lazer. N?o tem ?rea de lazer aqui na QNZ aqui, eu acho que n?o tem muita ?rea de lazer na Ampliados tamb?m no X Norte. Isso coloca as crian?as, coloca (.) at? um adolescente (.) coloca na vida do crime, na das drogas, do ?lcool. Entendeu? N?o tem o que fazer. Por isso que a gente inventa de colocar algumas coisas aqui pra colocar tipo as crian?as no caminho certo, no caminho correto. Como no. Colocar os projetos sociais, d? aula de jiu jitsu, street ball, ?:: basquete, capoeira, vai indo, aula de rap, entendeu? Pra tirar. Pra ajudar a tirar essas crian?as desse caminho a?. ? aqui t? escasso, isso a? porque aqui o povo s?::: eu acho que o povo t? investindo mais em droga (.) o pessoal ali pra baixo ali. O pessoal ali pra cima em ?lcool. O pessoal s? t? investindo (em si mesmo), s? qu? saber de embelezar sua casa, embelezar o carro, comprar um carrim, deixar ! 125 bunitim. Qu? saber do deles. Que nem fala a B?blia, s? qu? vem a n?s, ao vosso reino nada. N?o que n?o t? olhando pelo menor que t?(1) precisando de alguma coisa, que t? precisando de estrutura. N?o querendo ajudar aquelas crian?a que t? precisando de aten??o, de carinho, de esporte, de lazer, de uma cultura na vida delas. O povo daqui da QNX ou de qualquer tipo de periferia s? qu? t? querendo saber s? mais (.) da vida deles, da vida deles, n?o t? procurando ajudar o pr?ximo. Entendeu? E a gente t? querendo ajudar o pr?ximo com o nosso jeito de agir. Colocando ONG, fazendo uma, uma combina??o dos nossos talentos. Dm: "Dando lazer, n?? Essas atividades ajudam, segundo Bantu, a evitar que as crian?as se envolvam no caminho da criminalidade e das drogas. Bantu alega que na QNZ h? mais investimentos voltados para as drogas e o ?lcool. Al?m disso, as pessoas est?o mais voltadas a investir nelas pr?prias, em termos individuais e de consumo, como comprar um carro, ou em :4/-,?$(?$)F)#%-$P(846"4,(.-6#)#6*-=>(h46)&(41#,04(Z&?(64(L^ (6<-(*V(&0(#6)?,?$$?("4( popula??o em oferecer carinho e estrutura de lazer para as crian?as. O grupo se afirma como uma entidade comunit?ria voltada para promover uma a??o social em seu setor de moradia. Para isso, seus membros se utilizam de talentos individuais. De fato, ocorre aqui a tentativa do grupo em se engajar num trabalho social que tenta atingir uma frente relacionada ao direito ? cidade pelo vi?s do lazer, do esporte e "-(?6),?)?6#0?6)-P(Z&?(F("?1#6#"-(%-0-(8%-/-%4,(6-(%40#6*-(%?,)-=>(b$$4(+-$)&,4(,?1/?)?(4( pr?pria hist?ria do grupo, que surgiu de um projeto assistencial h? dez anos. Bantu interv?m e exemplifica o tipo de trabalho que o grupo realiza atrav?s de oficinas de lazer, como de capoeira, street dance, rap e futebol. Isso deixa as crian?as, adolescentes e at? 0?$0-(4"&/)-$(804#$(Q(:-6)4"?=(64(+?,#1?,#4(-6"?(0-,40P(+-#$(#$$-()-,64(4(%-0&6#"4"?( 04#$(8$?5&,4=(+4,4($?(:#:?,>(b$)4,(804#$($?5&,-=(4Z&#(#0+/#%4(&0($?6)#"-(04#$(40+/-("-( que o policialesco. Esse tipo de medida teria a capacidade de resolver tens?es sociais em )-,6-( "4( :#-/;6%#4( 5?,4"4( +?/-( R%#-( 04)?,#4/#74"-( +?/4( 814/)4( "?( /47?,=>( B-,)46)-P( 4( Educa??o pautada em v?nculos solid?rios ? difundida por atores sociais que compartilham do mesmo espa?o de sociabilidade. O BR45 retoma mais adiante a discuss?o sobre o que definiria um rapper, para al?m da exterioridade da indument?ria e da m?sica propriamente dita. De fato, ocorre que ser rapper implica ser solid?rio, no sentido de compartilhar os valores de positividade para sua comunidade local. Algo que possa ser um meio de tirar as crian?as do mundo das ! 126 ",-54$P(8"-(0&6"<-=>(^?$$?(%4$-P(+-"?0-$(&)#/#74,(-()?,0-(80&6"<-=(?0(-+-$#D<-(Q 8140C/#4=>(b6Z&46)-(80&6"<-=("?6-)4(&0("#$)46%#40?6)-("4(,?/4D<-("?(/4D-$(:#%#64#$("?( amizade e cumplicidade, que levam o jovem a se envolver com aquilo que ? considerado negativamente para aquele grupo, como as drogas e a criminalidade numa vida 80&6"464=P(+-,(-&),-(/4"-P(+?,)?6%?,(Q(140C/#4(F(147?,(+4,)?("-(5,&+-(?(+4,)#%#+4,("?(&04( rede de apoio m?tuo. O grupo considera que um rapper n?o canta a verdade porque isso +?,)?6%?( 4-( %40+-( "4( ,?/4)#:#"4"?( "4( #6"?1#6#D<-P( +-#$( 8%4"4( &0( )?0( 4( $&4( :?,"4"?=( definida em fun??o do que vive. Ele exemplifica ao dizer que n?o se pode cantar a periferia se n?o se vive na periferia. Isso n?o seria cantar rap. Elmo recorda de um outro grupo da QNZ, o Resist?ncia Perif?rica, que define rapper como aquele que se envolve com as lutas de sua comunidade. Finalmente, ele diz que um rapper se define pelo que fala e faz, principalmente pelo que faz, pois, segundo o grupo, ? com a a??o que se mostra o verdadeiro car?ter. Em: "E essa preocupa??o nossa de passar o que a gente aprendeu, isso sim ? ser rap. Ser rapper n?o ? subir no palco e fazer peso(.) cantar a verdade, porque cada um que canta rap ? o que vive, n?? Exemplo ( ) ele n?o vai falar coisas da periferia se ele n?o vive na periferia? Isso n?o ? cantar rap.Cantar n?o ? falar o que voc? vive. Cantar (rap). Eu quero ver ser um rapper. Essa palavra foi dita pelo pessoal do SR e at? hoje eu n?o esque?o disso. Eu quero ver voc?, (.) voc? bater a perna e dizer eu sou um rapper, quando o povo tiver derrubando uma escola na sua comunidade e voce t? l? no meio, n?o deixa (derrubar) eu n?o v? deix?. Entendeu? Faz? o mutir?o, chegar com o pessoal. Eu n?o v? deix?. Eu quero ver voc? ser um rapper na hora de voc? passar pra ele algo que voc? sabe, algo que voc? entende, que voc? tem certeza, que vai, tira do caminho das drogas, do caminho que o mund?o oferece na verdade, n?? Ser rapper n?o ? apenas voc? levar uma verdade apenas que voc? vive. Ser rapper ? voc? agir, ? voc? ajudar a comunidade, ? voc?::: ? voc?::: falar, fazer, n?? Principalmente fazer. Porque o agir ? o que mostra o seu car?ter. Que voc? ? um rapper ou n?o. Os membros do grupo BR45 consideram que, al?m de dinheiro e fama, ? #0+-,)46)?(,?+,?$?6)4,(4(%-0&6#"4"?>(b/?("#7(Z&?(4),4:F$("-(80#%,-1-6?=P(-&($eja, atrav?s de argumentos pode-$?( 8?:465?/#74,=( 4$( +?$$-4$>( \$$-( #0+/#%4( em se reconhecerem enquanto atores pol?ticos que podem, atrav?s da est?tica, imprimir novos valores na sua comunidade. O rap pode influenciar o uso das drogas, consideradas como o lado mal. Descreve- se essa situa??o ao mencionar letras que falam em ser bandidos ou o chefe da m?fia, isso ! 127 estimularia crian?as a se identificar com a postura g?ngster, ou seja, daqueles identificados com a viol?ncia como mecanismo de intera??o social. AM: "? representar. Saber representar a comunidade n?? Porque:: n?o adianta a gente:: (.) ficar cantando rap e representando e s? querendo fama e dinheiro e n?o se preocupando com a comunidade, se preocupando com a ?rea que a gente vive. E::: eu acho tamb?m que quem t? com o microfone na m?o tem o poder de evangelizar as pessoas. Se a gente quiser levar o pessoal pro::: lado mal. A vida na periferia n?o ? feita s? de tristeza. H? os momentos de confraterniza??o com a fam?lia e os amigos. Ali existe um tipo de pol?tica que est? pautada simplesmente em a??es pontuais em datas comemorativas. Para o grupo, essa ? uma postura equivocada, +-#$($?("?:?("?(14)-(8%&#"4,("4(+?,#1?,#4()-"-("#4=P(%-0+/?)4(]&5&$)-(?0(&0()-0("#$%,?)->( De fato, assumir um compromisso no sentido de uma miss?o permeia a fala do grupo, que mais adiante discute as possibilidades do que ? vi?vel a ser feito para ajudar a comunidade, mesmo sem dispor de recursos financeiros. Fala-$?( ?0( 84,,&04,( 4( ,&4=P( )-,6V-la mais 8.-6#)#6*4=(+4,4($?(,?)#,4,(4(:#$<-(8:?/*4(?(1?#4=>(j(5,&+-(+,-+T?(4DT?$(%-0-(4I&"4,(-$( vizinhos a capinar, ensinar capoeira, ligar um aparelho de som e realizar uma festa ou convidar as crian?as para a realiza??o de uma palestra, essas seriam, portanto, algumas possibilidades de se ajudar a periferia. Os jovens ainda mencionam que a aquelas pessoas que disp?em de recursos poderiam realizar doa??es para comprar material escolar para crian?as necessitadas. Em: O rap tamb?m (? alegria), a vida na periferia n?o tem s? tristeza, n?o tem s? tristeza. A gente tamb?m tem nosso momento de alegria, o momento de confraterniza??o com a fam?lia, com os amigos que nem a gente t? aqui reunido aqui. Bm: "Tem a pol?tica ? isso a?. N?o tem s? o momento da periferia que ? estragada, s? tem viol?ncia, droga rolando. N?o(.). Tem o momento de alegria tamb?m. O momento de confraterniza??o. Tipo o pessoal s? se une pra se confraternizar, se une, pra tipo fazer caridade, tipo no natal, reveill?n, dia das crian?as, dessas coisas, s? em datas: datas marcantes. N?o. A gente tem que procur? cuid? da periferia(1) Am: " ?todo dia?. ! 128 Bm: " Todo dia. Todo dia. Oh. O que que eu posso fazer? Eu n?o tenho grana. Mas o que que eu posso fazer pra ajudar essa ?rea, essa rua aqui? A gente pode fazer pra ajudar essa rua aqui. Que ? fazer, pra ficar mais bonita, a rua, pra tirar essa vis?o, v?ia feia. Ajud? os vizinhos a capinar aquelas planta, faz um grafite aqui, ensina uma capoeirinha, p?e um sonzinho aqui, faz uma festinha, ou ent?o chama um monte de crian?as, chama as crian?as e d? uma palestra sadia. Isso ? ajudar a periferia ajudar a comunidade, tem um monte de crian?a carente doida pra entrar na escola, nu tem condi??es de comprar material, a gente tem que ajudar. Ajuda oh, p? ele n?o tem, eu tenho condi??es, t? sobrando aqui em casa, vamos doar praquele pessoal ali. Durante o di?logo, Bantu fez muitas interven??es e por isso passou a chamar a aten??o dos outros para que tamb?m participassem do di?logo, diante disso, o grupo abordou outro aspecto no que se refere ao estilo rap. Elmo em seguida toma a palavra e faz um contraponto ao discurso assistencialista feito anteriormente, ao chamar a aten??o para a 6?%?$$#"4"?( "4$( +?$$-4$( Z&?( :#:?0( 64( +?,#1?,#4P( "#7( Z&?( "?:?0( 8:4/-,#74,( -( rapper=P( especialmente aqueles envolvidos com suas comunidades. Ele argumenta que as pessoas que vivem na periferia s? valorizam aqueles rappers que j? est?o inseridos na m?dia. Isso ,?0?)?(4-(+,-./?04("-(80-"#$0-=>(nV(Z&?(*4:?,(&04(%-6),4+4,)#"4("4(%-0&6#"4"?(?0( rela??o ao apoio ao rapper. Deve-se demonstrar um reconhecimento por suas a??es em prol das comunidades. Am: "@N? Em? (2), Bora Em vamos falar a? p?.@ ((bate palma)). Em: "?N?o?. Eu acho, no meu ver, tamb?m ((que)) a periferia tamb?m tem que d? valor nos rapper da (periferia) quem t? movimentando a periferia, entendeu? A periferia s? d? valor quando voc? t? (.) voc? t? na m?dia, voc? t? tocando Am: " modismo. ! 129 O reflexo do castelo no lago do guerreiro: a rela??o de jovens com a fam?lia e conex?es intergeracionais Y lan?a uma pergunta sobre a rela??o com as pessoas mais velhas. De fato, o grupo considera que as pessoas mais velhas t?m uma grande capacidade de influenciar as mais jovens. Bantu considera que as pessoas mais velhas podem influenciar sua vis?o de 0&6"-(+-$#)#:4(?(6?54)#:40?6)?(4(+4,)#,("?($&4$(,?1?,;6%#4$P(4$$#0(%-0-(8&0(?$+?/*-=( elas t?m maior experi?ncia de vida em rela??o ?s dificuldades superadas, diante disso, elas j? consolidaram uma vis?o de mundo daquilo que se pode chama,("?(8$?&(%4$)?/-=>(]/F0( disso, o grupo considera importante a contribui??o das gera??es mais velhas no sentido da constru??o de sua autoimagem enquanto jovens ao associar as pessoas aos professores. Nesse caso, os jovens fazem men??o ? vida para al?m da esfera familiar no espa?o que se %-6$#"?,4(%-0-(80&6"<-=>(B4,4(?/?$P(4(:#"4(6-(80&6"<-=()40.F0(IV(F(+-,("?1#6#D<-(%*?#4( "?(?6$#640?6)-$P("?1#6#"4(%-0-(8+,-1?$$-,4=>(B-,)46)-P(+4,)?("4(:4/-,#74D<-("4(%-0+46*#4( das pessoas adultas est? no sentido de que elas det?m, segundo sua interpreta??o, o conhecimento acumulado das regras do mundo social. Apesar de o grupo estar em grande parte de seu tempo na companhia de outros jovens em sua vida di?ria, considera-se que a? ocorre uma maior propens?o a influ?ncias indesej?veis, como o uso de drogas, definidos %-0-(8-(%40#6*-(#6:?,$-=> Y: Como ? que ? o relacionamento com seus irm?os e irm?s? E eu aproveitaria tamb?m pra perguntar como ? a rela??o de voc?s com os mais velhos? Bm: "Eu no meu ver eu vejo nos meus olhos assim que a pessoa mais velha ?::: dependendo da pessoa ? um espelho pra mim. Porque eu vejo a pessoa mais velha, aquela pessoa que sofreu a vida toda e fez o seu castelo, seu mundo cresceu e eles s?o mais experientes. Eles t?m muita coisa boa pra passar pra gente, muita coisa ruim tamb?m, entendeu? Porque eles t?m experi?ncia. Eu vejo a pessoa mais velha como::: como professor, um professor. Porque a vida ? professora. A vida, a gente j? ? professora. Porque quem vive j? aprende tudo na vida no mund?o. Mas a pessoa mais velha (tem experi?ncia). Eu prefiro t? mais perto de pessoas mais velhas conversando com ela que eu aprendo muito, que das pessoas mais novas que ao inv?s de me guiar pro caminho mais certo, me guia pro caminho inverso n?? Pro caminho contr?rio. Que deixa a gente ( ) tem a pessoa mais velha (.) ! 130 Em rela??o ao relacionamento entre irm?os e irm?s, o grupo considera que o relacionamento ? bom, o que indica um sentido de integra??o, mas que ? ocasionalmente interferido por brigas e discuss?es entre seus membros. Bantu diz que h? as discuss?es entre irm?os, especialmente com rela??o a Augusto, que ? o mais novo e o ?nico que j? possui um filho. Contudo, o que prevalece ? a amizade. Muitos dizem que quase n?o h? brigas na fam?lia e que ? chamada +?/-$(40#5-$("?(4(8140C/#4(+?,1?#)4=>(^?$$?(%-6)?S)-P(-$( la?os parentais estendem o sentido de integra??o e fam?lia, pois o grupo menciona que, de fato, alguns amigos, mesmo n?o pertencendo ? fam?lia, frequentam sua casa e s?o tratados com os mesmos v?nculos de intimidade como de uma fam?lia comum. Eles comem, dormem, passam boa parte do tempo juntos. Eles recebem aquilo que ficou definido como 8),4)40?6)-("?(#,0<-=>( Y: "E a rela??o entre irm?os e irm?s como ? que se d?? Bm: " Tem as discuss?o. Que a gente discute mais com esse cabe?a dura aqui ? @(.)@. Cabe?a dura aqui mas ? tranquilo. A amizade aqui ( ) um monte de gente fala que::: ( ) sei l? nem parece que voc?s brigam. Que nem o Cabe?a quando chegou aqui, achou aqui em casa aqui. Achou que a gente era uma fam?lia perfeita. Nunca viu a gente discutindo nada. Ele chegou aqui em casa aqui. Viu a gente brincando, brincando um com o outro, conversando. A? quando chegou ali na feira, ele chegou ali na feira, ele viu eu e o Ronin((discutindo)). Ah sim at? que enfim eu encontrei um defeito em voc?s. Eu pensei que fossem uma fam?lia perfeita. Y: "@()@ BM: O Chico aqui n?o foi? Chegou bem assim e comentou isso a?. Por que ? dif?cil a gente brigar, a gente discutir aqui. Ainda mais () a gente como fala? A gente adotou esses dois aqui como irm?os tamb?m, fam?lia BR45, que esse aqui ( ) n?o sai daqui ele mora no X Norte e deixa de fazer a janta na casa deles pra jantar aqui, tratamento de irm?o mesmo de f?, de cora??o mesmo de f?. (2) Normalmente tu que fala pra caramba, v?i. Eu bebi ?gua de chocalho mesmo. @( )@ Bantu, representando a fala do grupo, considera que deseja trabalhar muito, pois $?&$( +4#$( $<-( 85&?,,?#,-$=P( ?$+?%#4/0?6)?( $?&( +4#P( +-,Z&?( )?0( "&4$( 140C/#4$P( &04( ?0( Ceil?ndia e outra em Samambaia, uma com seis e a outra sete filhos respectivamente. Ele )?,#4(4$$&0#"-(4$("&4$(%-0-(&0(85&?,,?#,-=>(b/?(0?6%#-64(Z&?($?&(+4#($?0+,?($?(0-$),-&( ,?%?+)#:-(%-0(+,#0-$P(40#5-$(?(:#7#6*-$P(?/?()?,#4(84"-)4"-=()-"-$>(b/?(4%,?$%?6)4(4#6"4( que sua casa era considerada como ponto de venda de drogas, devido ao fluxo cont?nuo de pessoas. Ele alega que, de fato, sua m?e sempre conviveu com a casa cheia de amigos, ! 131 onde todos se ajudam mutuamente, numa rede de apoio. Ele considera que sua casa ? humilde fisicamente e que isso lhe causa certo embara?o, mas pior que isso ? tentar mostrar uma imagem que, segundo ele mesmo, n?o corresponda com o que ele ? realmente. Bm: (retoma o tema fam?lia) no meu ver eu pretendo trabalhar muito porque meu pai ? guerreiro pra caramba, minha m?e ? guerreira, principalmente meu pai, porque meu pai tem duas fam?lias tem. Af: "sete aqui. Bm: "sete filhos aqui e::: Af: " mais seis l?. Bm: [mais seis l? na Samamba, tem mais seis, pra mim esse cara ? guerreiro mesmo, assumiu as duas fam?lias, sem tirar nem por, chegou, guerreou mesmo e eu n?o quero::: Am: " E adotou mais um. Bm: "E adotou mais um, fora de adotar os primo, os filho e adota os vizin tamb?m. N? Cm? @(.)@ Adota os vizinhos e colegas entendeu? Muita gente j? chegou a falar que a gente tava traficando droga, que ? um entra e sai direto, um entra e sai, aqui nunca fica vazio, aqui ? um entra e sai direto, muita gente achou que a gente trafica droga. Por que? Minha m?e sempre conviveu com a casa sempre cheia, movimentada, e ensinou a gente, tipo assim, a ajudar o pr?ximo mesmo que voc? n?o tenha, ajudar o pr?ximo ali, sem ego?smo, a pessoa entra aqui em casa, ?h a casa ? humilde, a ponto de vez em quando chega um povo aqui, eu sinto at? vergonha da casa, t? assim mas eu vou mostrar uma coisa que eu n?o sou pra eles? Eu prefiro mostrar o que eu sou do que::; mostrar coisa que eu n?o sou entendeu? A escolha da casa de Bantu enquanto um espa?o de encontro dos jovens no setor onde mora reflete aspectos de uma estrutura familiar n?o hegem?nica. Por um lado, seu pai ,?+,?$?6)4($#0.-/#%40?6)?("&4$( 140C/#4$P(4(+4,)#,("4(#045?0("?( 85&?,,?#,-=(+4),#4,%4/>( Contudo, o mesmo n?o prov?m as condi??es materiais para uma habita??o de acordo com as expectativas dos $?&$(1#/*-$P(Z&?($?($?6)?0(%-6$),465#"-$(86&04(%4$4(*&0#/"?=P(04$( que ? aberta e receptiva a todos os seus amigos, que a elegem como um lugar onde eles convivem em fam?lia, entre jovens e com pessoas mais velhas, como os pais de Bantu. Sobre o conv?vio familiar dos membros do grupo, aparentemente h? certas descontinuidades em rela??o ? assimila??o de pap?is atribu?dos pelos pais aos seus filhos. Duarte, por exemplo, alega que sua m?e quer que ele imponha uma conduta moral a sua irm?, que segundo ele, 8?$)V( 64Z&?/4( #"4"?=P( -&( $?I4P( ?6),?( WN( ?( WU( 46-$P( #"4"?( Z&?( $&+-$)40?6)?(,?0?)?(4(&0(04#-,(#6)?,?$$?(?0(?$)4.?/?%?,(,?/4DT?$(41?)#:4$P(%-0-A(81#%4,=( ! 132 ?(8640-,4,=>(]+?$4,("-(.-0(,?/4%#-640?6)-(%-0($&4(#,0(b/?(4/?54(Z&?(6<-()?0(#6)?,?$$?(?0(4)?6"?,(4-( +?"#"-("?($&4(0(B-,(-&),-(/4"-P(?/?(6<-(Z&?$)#-64(-($#$)?04("?(status relacionado ? $?S&4/#"4"?("?($&4(#,0 Em: "@Quando era tu ela n?o fazia nada@. Dm: "Ela qu? eu deixe minha irm? na linha. Eu n?o posso fazer nada. Eu n?o gosto de me intrometer na vida entendeu? ( ) Eu deixo pro meu pai e minha m?e, meu pai resolver. Mas o conv?vio meu ? tranquilo l? em casa, com meus pais, meus irm?o. Elmo tamb?m ri e faz um coment?rio em que considera importante aquela discuss?o que, segundo ele, revela que, ao contr?rio do que se pensa comumente, o grupo n?o s?(#"?6)#1#%4(%-0(&04(+-$)&,4(8,?.?/"?=>(B4,4(#$$-P(?/?(4+,?$?6)4(-&),-(?S?0+/-($-.,?( sua fam?lia em que haveria uma certa dificuldade em convencer sua m?e a n?o ir aos shows de rap, pois seus pais insistentemente procuram frequentar suas apresenta??es. O grupo alega que os shows s?o parte do trabalho que realiza, portanto, n?o h? como conciliar as apresenta??es com a presen?a de seus pais. Em fun??o disso, h? discuss?es quando ela ? #0+?"#"4("?(?$)4,(+,?$?6)?P($#)&4D<-(?0(Z&?(?/4(81#%4(?$),?$$4"4=P(04$(4%4.a aceitando a $#)&4D<-P(1#%46"-(8),46Z&#/4=>(B-,(-&),-(/4"-P(?$$4(4$$?,)#:4P(4+?$4,("?(,?0?)?,(4-("#$%&,$-( de integra??o dos jovens, traz elementos que reivindicam a constitui??o de um ambiente ! 133 espec?fico para as pr?ticas sociais dos jovens. Em outros termos, isso significa que h? um esfor?o deles de constitu?rem um espa?o ? parte do espa?o familiar. Em outros termos, as orienta??es coletivas se tornam uma performance profissional, ela se torna parte exclusiva das trajet?rias juvenis expressas pelo estilo rap voltado para uma audi?ncia espec?fica, que n?o compactua necessariamente com a presen?a de adultos. Em: E por incr?vel que parece isso ? importante n?? ? algo que o pessoal tem curiosidade pra saber mesmo. Como um m?sico de rap, n?? Considerado, considerado vagabundo, marginalizado como eles convive, conv?vio com a fam?lia. ? dez. Isso ? bacana. Esse ? um papo bacana de se discutir. Bm: "Eu acho que eles deve pensar que tu n?o d? certo com seus pais, que n?o d? certo com seus pais. Em: "Que voc? ? um rebelde, a gente ? aqueles rebelde. N?? Em: "@Rebelde@. Cm: "Pelo contr?rio ( ). Bm: "Aqui em casa a gente briga com minha m?e, pra ela n?o ir assistir nosso show. Que todo show se deixa ela vai. Ela, meu pai. Todo show. Se deixar ela vai. Ela e 0?&(+4#>(](5?6)?(14/4A(8^<-(0(B-,(Z&?(?/4(5-$)4([((((a(?( a gente aqui em casa tamb?m ( ) totalmente unido, unido pra caramba. Tem nossas desaven?as, certo. Todo ser humano ? um animal domesticado que nem eu te falei aqui n?? Tem momento que estora, tem otros que tem pavio curto, tem outros que ? mais calmo, outros ficam s? comendo pelas beradas. Ser humano pra mim todo mundo ? legal. Durante o trabalho de campo, encontrei, de fato, a m?e de alguns dos integrantes do grupo BR45 em shows de rap. Ela estava normalmente bebendo cerveja e dan?ando, demonstrando estar bem ? vontade enquanto os jovens estavam preocupados com os detalhes da apresenta??o e os contatos que desejavam fazer com o p?blico e produtores para viabilizar sua participa??o em futuros shows, al?m disso, notei que ?s vezes ela era deixada sozinha, pois os jovens se deslocavam para falar com outros grupos e pessoas, num tipo de dispers?o comum em festas desse tipo. O relacionamento entre os jovens do grupo BR45 e suas fam?lias indica que os mesmos possuem v?nculos de proximidade resultantes do processo de socializa??o vivenciado por eles>(b$$?($?6)#"-("?(+,-S#0#"4"?(F(?S+,?$$-(+?/4(#"?#4("?(8%4$)?/-=(Z&?( ,?0?)?(Q(04)&,#"4"?(?(4(8?$+?/*-=(Z&?(#61/&?6%#4(#6"#:C"&-$("?(5?,4DT?$(+,?%?"?6)?$P(04$( ! 134 que compartilham do mesmo espa?o de conv?vio que, neste caso, ? a fam?lia. No ambiente familiar, pais e filhos encontram certa estabilidade moral, que ? uma alternativa a outros espa?os sociais ex)?,6-$( Q( 140C/#4P( "?1#6#"4( %-0-( 80&6"<-=P( ?0( Z&?( *V( 0d/)#+/4$( influ?ncias que podem encaminhar para o caminho inverso. A rela??o entre irm?os e irm?s ? definida em termos formais por determinadas hierarquias. Elas podem variar em fun??o da idade, em que -$( 04#$( I-:?6$P( 8%4.?D4s "&,4=P($<-(-,#?6)4"-$(+?/-$(04#$(:?/*-$P(?(?0(1&6D<-("-(5;6?,-P(?0(Z&?(-(#,0<-(04#$( :?/*-( "?:?,#4( #6)?,:#,( 64( %-6"&)4( "?( $&4$( #,0<$( 04#$( 6-:4$P( 8%-/-%V-/4$( 64( /#6*4=P( especialmente em rela??o a sua vida amorosa e, por conseguinte, sua sexualidade. Contudo, essa assertiva ? limitadora ao se observar que nas fam?lias dos jovens alguns dos mais novos j? constitu?ram fam?lia ou tiveram filhos antes de seus irm?os mais velhos, al?m disso, apesar de um discurso patriarcal, de fato, as garotas t?m mais possibilidades de intera??o frente a uma postura liberal de seus irm?os mais velhos. k04(?$),&)&,4(140#/#4,(?0(Z&?(-(+4),#4,%4P(85&?,,?#,-=P(,?+,?$?6)4("&4$(140C/#4$P( ambas numerosas, associadas a v?nculos familiares heterodoxos, ir? criar condi??es para um ambiente onde prevalecem la?os de uma fraternidade que ultrapassam a unidade dos v?nculos familiares, criando uma atmosfera aberta, em que todos os amigos e amigas s?o 8),4)4"-$( %-0-( #,0<-$( ?( #,0<$=>( b$$4( 1,4)?,6#"4"?( %,#4( "#:?,$4$( +-$$#.#lidades de comunica??o entre as diferentes gera??es em seus processos interativos. Pais e filhos compartilham das mesmas experi?ncias dentro do estilo rap. Contudo, tal integra??o ? provis?ria quando os jovens decidem estabelecer outros v?nculos a fim de construir um espa?o de intera??o de membros de mesma idade, sem a presen?a de pessoas mais velhas, especialmente em se tratando de seus pais. ! 135 G rupo Rap Comando: Rap ? resist?ncia: a gente fala o que a gente v? Empreendedorismo social e estilo de vida Descri??o do trabalho no bairro setor QNZ Desde o in?cio de dezembro de 2006, eu estava decidido a retomar minha pesquisa, que havia interrompido a mais de um m?s, em fun??o de outras atividades acad?micas. Ent?o resolvi buscar informa??es sobre um grupo chamado BR45 do Setor QNZ da Ceil?ndia. Na verdade, eu j? tinha algumas informa??es sobre o grupo que chegou a se apresentar numa escola em que trabalhei no X Norte. Na ocasi?o me aproximei do grupo e fiz contato, o que ocorreu por volta de 2004. Eu conheci um dos integrantes do grupo, conhecido como Thiago, um pouco antes como capoeirista de um grupo da cidade. Contudo, no meio hip-hop ele era chamado de Bantu. Eu cheguei a acompanhar as atividades desse grupo, oportunidade em que conheci muitos jovens tamb?m ligados ao rap. Depois de conversar com v?rias pessoas em Ceil?ndia, eu cheguei ? conclus?o de que as r?dios locais possu?am uma fun??o importante na difus?o de novos grupos que produziam na cidade. Portanto, eu resolvi come?ar a minha busca atrav?s da Doctor FM, a mais ouvida pelos jovens, com que tive contato atrav?s da capoeira e da escola de ensino m?dio local. Ao sintonizar a r?dio, logo descobri o nome do seu radialista, Black Kart, bem como seu telefone. Ao ligar para Black Kart, apesar de ele n?o ter o telefone do grupo, ele me passou o contato de um rapper, chamado Lebre, que talvez pudesse me ajudar. Dessa forma, tamb?m liguei para Lebre, me apresentei como pesquisador e mencionei a figura do Black Kart. Ele foi gentil e se prontificou a colaborar, informando o n?mero de Liba, um dos membros do Rap Comando; al?m disso, combinamos fazer uma entrevista, assim que fosse poss?vel, pois Lebre alegou que naquele momento estava de mudan?a para outro endere?o. ! 136 Descri??o do trabalho com o grupo Rap Comando Com o objetivo de encontrar o contato para a entrevista com o grupo de rap na QNZ, eu liguei para Liba. Eu me identifiquei como pesquisador e propus a realiza??o da entrevista. Coincidentemente, Liba disse que haveria uma atividade promovida por uma ONG, chamada Juventude Negra, na qual ele trabalhava. Ele mencionou que poder?amos aproveitar o contexto da oficina para realizarmos a entrevista naquele mesmo dia; Liba era, al?m de rapper, uma lideran?a local que coordenava uma oficina em que se ensinavam rap e street dance para jovens da QNZ de 14 a 20 anos. De fato, fiquei surpreso, pois em alguns casos levei mais de um m?s para conseguir agendar uma entrevista, e, nesse caso, tudo foi arranjado logo de imediato. Combinamos de nos encontrar ?s 14 horas, daquele s?bado, dia 09 de dezembro de 2006>(M&,46)?(6-$$4(%-6:?,$4(4-()?/?1-6?P(6-)?#(4/5-(%&,#-$-(?0($&4(14/4(4-("#7?,A(8+-"?( ),47?,(4(%e0?,4(?(1#/04,>(](,4+47#4"4(:4#()V()-"4(/V=>(^4(:?,"4"?P(#$$-(-%-,,#4($?0+,?( quando pensavam que eu estava fazendo uma reportagem jornal?stica ou cinematogr?fica. ^?$$?$( %4$-$P( ?&( )#6*4( Z&?( ?S+/#%4,( 4( 64)&,?74( 8$-%#-/R5#%4=( "4( 0#6*4( +?$Z&#$4( ?P( inclusive, o anonimato em nome da ?tica na pesquisa. Nesses casos, alguns costumavam dizer que n?o haveria problema, outros j? se sentiam mais ? vontade para falarem de 4$$&6)-$(04#$(8"?/#%4"-$=>(^-)?#(Z&?(-(#6)?,?$$?("?(4/5&6$(5,&+-$("?(rap por jornalistas estava relacionado ? sua tentativa de inser??o no meio art?stico, al?m da possibilidade de uma proje??o social da Juventude Negra, que oferecia recursos para o trabalho de oficineiro de rap, coordenado por Liba. ?s 14 horas, cheguei ao lugar combinado. Era um Centro de Ensino Fundamental, numa das regi?es mais pobres de Ceil?ndia, que atuava como um centro de pr?ticas educativas desenvolvidas por ONGs, como Juventude Negra e Juventude e Paz, envolvidas num projeto do Governo Federal, intitulado Segundo Tempo. Na QNZ, bem como em outras localidades pobres do Distrito Federal, eram desenvolvidas atividades, tais como: artesanato de cestaria, pintura, capoeira, jiu-jitsu, rap e break. Ao entrar na escola, observei que alguns garotos estavam pelo p?tio aguardando o in?cio das atividades. Logo em seguida, um rapaz negro, de estatura m?dia e robusto, 20 46-$P( $?( 4+,?$?6)4( %-0-( 8H#.4=P( 4-( $?&( /4"-( ?$)4:4( -&),-( ,4+47P( .,46%-P( 1#/*-( "?(